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Da compra online na rede varejista de fast-fashion aos hábitos de consumo do cliente ao celular, passando pela escolha da série preferida para assistir no fim de semana, nada disso passa despercebido. Um número cada vez maior de empresas brasileiras usa o gigantesco volume de dados gerados por dispositivos digitais, o chamado big data, para conhecer melhor seu cliente e traçar estratégias de atuação.

A consultoria IDC projeta que, neste ano, esse mercado movimente R$ 3,2 bilhões no país – mais do que o triplo do R$ 1 bilhão de 2013. Na prática, o avanço do uso dessa ferramenta indica que as ações do consumidor em dispositivos digitais são alvo de vigilância cada vez mais frequente e abrangente.

Nessa investigação com lupa sobre hábitos de consumo, assuntos tratados em e-mails, comentários em redes sociais, pesquisas de preços, cadastros em programas de fidelidade, simples buscas no Google e a escolha de um canal de TV se tornam fonte de informação. Devidamente processados, estes dados podem impulsionar vendas e reduzir os gastos das empresas.

“Ainda há dificuldade em entender o que é o uso do big data. Mas é simples. É a capacidade de ler um gigantesco volume de dados gerados a cada segundo na rede e transformá-los em informação valiosa”, resume o espanhol Francisco Orjales, da Orbiz Consultoria e que representa no Brasil um dos principais eventos de tecnologia do mundo, o Smart City Expo, que ocorre anualmente em Barcelona.

Para se ter uma ideia do volume de informações na rede, nos 15 segundos que se leva para ler a afirmação de Orjales, foram feitas 500 mil buscas no Google e 5 mil fotos foram postadas no Instagram. É a partir daí que os chamados “cientistas de dados” trabalham para ajudar as empresas na tomada de decisões.

Big Data

Trata-se de um imenso volume de dados, em que grande parte é gerada na internet: e-mails, buscas no Google, posts em redes sociais. Mas não só isso. Histórico de consumo, participação em programas de fidelidade e datas de pagamento de faturas também integram o big data.

Cientista de dados

É o profissional que analisa e cruza os dados para chegar a conclusões que ajudem as empresas na tomada de decisão. Ele é quem faz a aplicação do big data.

Algoritmos

São fórmulas matemáticas. As aplicações de big data são feitas através de algoritmos criados pelos cientistas de dados.

As aplicações são as mais diversas: monitorar a temperatura de uma frota de caminhões, por meio de sensores, para antecipar problemas mecânicos, como faz a Vale. É possível ainda rastrear as rotas diárias dos usuários de celular para identificar os “buracos” na oferta de serviços da rede, como faz a Vivo.

A possibilidade de ter cada um dos seus passos observados e estudados pode soar assustadora para muita gente. Gabriel Renault Magalhães, diretor executivo da MAiS Partners, admite que há o que ele chama de “uso negativo” dos dados, que ocorre quando há a identificação do usuário e portanto a sua privacidade fica exposta.

“É verdade que, de alguma maneira, é possível fazer esse mapeamento de um único perfil. Mas, para as empresas, o uso que traz resultado é aquele mais geral, que faz a análise do todo. A intenção não é saber o que uma pessoa específica faz, mas sim entender o que a maioria quer, procura, e melhorar a oferta”, diz.

Além da mineradora Vale e da operadora Vivo, outras grandes empresas como Renner, Claro, NET e Itaú Unibanco são assíduas usuárias do big data. A escolha do vestido ou da minissaia que aparecem na vitrine da Renner não é aleatória. A varejista monitora constantemente os comentários de moda feitos em redes sociais, o que a ajuda a decidir quais peças terão mais destaque em suas lojas, sempre com base no que se fala sobre moda na rede.

“Acho que essa paranoia é mais do pessoal mais velho, que não entendeu exatamente o que é o big data.”

Gustavo Felipe Moura Santos Engenheiro ambiental e usuário de e-commerce

Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), o uso dos dados é “uma maneira de se aproximar do cliente, oferecer produtos de forma customizada e reduzir custos atuando de maneira mais inteligente e mais competitiva”. Analistas de mercado costumam destacar em seus relatórios a eficiência com que a Renner renova as coleções de suas lojas como um grande diferencial em relação às suas concorrentes.

Na Vivo, além do rastreamento dos celulares para definir a estratégia de expansão da rede de antenas, o cruzamento dos dados também é feito para vender pacotes “com a cara do cliente”. “Se é um cliente que viaja muito para o exterior, conseguimos detectar isso e oferecer um plano com mais roaming”, exemplifica Christian Gebara, vice-presidente executivo da Vivo.

Autorização

Esse tipo de venda direcionada é considerada por especialistas em tecnologia como um dos usos mais simples de big data. As companhias de televisão a cabo, por exemplo, já conseguem oferecer um canal premier com base na programação mais assistida pelo cliente. Gebara, da Vivo, e Carlo Araujo, diretor de novos negócios da NET, esclarecem que, no caso de seus clientes, todo esse monitoramento é feito com a autorização prévia.

Algumas companhias de grande porte mantém dentro de suas estruturas departamentos próprios de análise de big data. Mas surgem cada vez mais empresas que desenvolvem soluções sob medida para cada negócio. Uma das mais conhecidas é a carioca MAiS Partners, mas já há até estrangeiras desembarcando no Brasil, como a espanhola Touch Point.

“O mercado brasileiro ainda tem muito para crescer. Então, adaptamos nossos sistemas de análise para o português e estamos entrando no país”, contou o catalão Miquel Pardina, dono da Touch.

Para o Procon, embora não haja uma regulação específica e atualizada para o mundo digital, o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor diz que os dados dos clientes só podem ser utilizados com autorização prévia.

Preços oscilam

O uso dos movimentos das pessoas na internet, porém, vai além da autorização ou veto dos clientes. Renault, da MAiS Partners, cita, por exemplo, que os sites de buscas de passagens e as companhias aéreas calculam os preços dos trechos com base na procura.

“Se você buscar três ou quatro vezes pela mesma passagem, na última busca é provável que o preço já esteja mais alto. É a [medida de] demanda e a oferta na era digital”, compara.

Muitos consumidores, porém, não veem problemas no uso intenso das informações disponíveis na rede. Gustavo Felipe Moura Santos, formado em tecnologia ambiental, é usuário assíduo da internet e e-commerce, e diz não se sentir “invadido” pelo monitoramento das suas ações.

Um caso emblemático do “uso negativo” de informações de consumidores ocorreu em 2012, nos Estados Unidos. Foi quando a varejista Target acabou revelando a um pai de família, numa comunicação direcionada, que sua filha, menor de idade, estava grávida. Um ano antes, um cientista de dados da loja havia criado um algoritmo capaz de descobrir quais clientes estariam grávidas, com o intuito de lhes fazer ofertas.

O algoritmo da Target para identificar a gravidez considerava dados da seguinte forma: se uma mulher, de 23 anos, comprou um hidratante de manteiga de coco, uma bolsa grande, suplementos como zinco e magnésio, e um tapete azul, há 87% de chance de ela ter uma gestação de três meses.

“As empresas são muito poderosas, investem muito dinheiro nisso tudo. É difícil se manter imune. Temos que ter consciência de que, do lado do marketing, eles vão fazer de tudo para as pessoas consumirem. E, do nosso lado, há uma inquietação que busca sempre um alívio, que quer reduzir a tensão interna, e a compra é a coisa mais fácil para fazer isso. Não há fórmula única [para resistir ao impulso de comprar]. As pessoas têm de desenvolver seus próprios antídotos ao impulso. Quando a pessoa está com a cabeça mais fria, ela mesma evita esse impulso. Mas, se está com vontade de comprar, é complicado. Recomendo pensar em ir para um lugar bem longe, como se para comprar você tivesse de ir até esse lugar. Isso dá preguiça.

Vera Rita de Mello Ferreira  Professora e consultora de Psicologia Econômica

Como escapar do big data

Escapar do radar do big data é possível, mas é uma tarefa para lá de trabalhosa. Redes sociais? Nem pensar. A primeira regra é não ter um perfil ou apagar o que foi criado. O mesmo vale para os programas de fidelidade. Outras conveniências fora do alcance de quem quer passar incólume nas redes são as compras online e as contas de e-mail gratuitos, que rastreiam os assuntos das mensagens trocadas e os compartilham com empresas.

E até mesmo seu navegador favorito tem de ficar para trás. Nada de Google Chrome, Mozilla Firefox ou o clássico Internet Explorer, da Microsoft. A opção? O browser Thor, conhecido dos hackers, e a navegação nas chamadas abas anônimas, nas quais as atividades não ficam armazenadas no histórico.

“Para quem entrar nessa preocupação de estar sendo vigiado, o jeito é ficar anônimo”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo.

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