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| Foto: JOAO SILVA/NYT

Em uma das áreas mais ensolaradas do planeta, uma torre de 204 metros se ergue em um deserto salpicado com 4.160 espelhos. Seguindo o sol durante o dia, os chamados heliostatos redirecionam os raios solares para a torre, onde a água é aquecida para gerar vapor e eletricidade.

Desde que essa usina, a Solar Khi One, começou a funcionar, no início deste ano, perto de Upington, produziu energia suficiente para 65 mil casas durante o dia, mas também, graças à tecnologia mais recente, por algumas horas após o pôr do sol.

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A África do Sul está passando por um boom de energias renováveis, que não existiam aqui poucos anos atrás. Agora, dezenas de usinas em um polo no norte do país e fazendas eólicas que operam ao longo da costa sul estão gerando 2,2 gigawatts, mais do que a maioria das nações africanas consegue produzir.

Conforme as instalações vão aumentando sua produção, ajudam a evitar os apagões que flagelavam a África do Sul até um ano atrás. Em um país que ainda depende de carvão, a indústria de energia renovável tem sido elogiada por muitos especialistas e ambientalistas como um modelo para países em desenvolvimento.

Mas a provedora sul-africana Eskom e algumas autoridades do governo não veem a situação dessa forma, criticando a energia eólica e solar, que consideram cara e pouco confiável. E, em vez disso, estão pressionando por um enorme investimento em energia nuclear: três centrais com um total de até nove reatores para gerar 9,6 gigawatts.

Briga de gigantes

A batalha sobre o futuro da energia na África do Sul se torna cada vez mais acirrada, frequentemente travada em termos de quilowatts e outros detalhes técnicos, às vezes com duros ataques pessoais entre autoridades e engenheiros elétricos. Também está sendo travada no âmbito político do país, com forças aparentemente próximas da administração tomada por escândalos do presidente Jacob Zuma, que busca o acordo nuclear, enquanto outros oferecem suporte à expansão das energias renováveis.

“Uma linha de ataque é que quem quer energia nuclear está ligado ao presidente Zuma e, portanto, é corrupto. As pessoas não a rejeitam totalmente; a questão é política. Se todos forem imparciais e examinarem a ciência e a engenharia, chegarão à conclusão de que precisamos de energia nuclear”, disse Matshela Koko, responsável pela geração de energia da Eskom.

As nações em desenvolvimento estão acompanhando de perto o confronto nuclear x renovável, duas formas de energia de baixo carbono que, todos esperam, irão alimentar suas economias em crescimento. Países tão diversos quanto Bangladesh, Belarus, Turquia, Emirados Árabes Unidos e Vietnã estão adotando a energia nuclear.

Na África, muitas nações veem a energia solar e eólica como uma maneira rápida para reforçar sua capacidade de geração, ao mesmo tempo em que evitam métodos de geração mais velhos e mais sujos. A energia renovável também poderia trazer a diversificação para nações perigosamente dependentes de uma única fonte de energia, como o Maláui e a Zâmbia, que passaram por sérios apagões por causa de uma grave seca que reduziu os níveis da água em hidrelétricas.

Sendo a economia subsaariana mais avançada, a África do Sul tem cerca da metade da capacidade de geração de energia do continente. Ela conta com uma usina nuclear, a única no continente, que funciona desde 1984, embora a energia gerada pelo carvão garanta cerca de 80% de sua eletricidade.

Painéis solares conquistam cada vez mais espaço na Africa do Sul.

Energia concentrada

A empresa espanhola Abengoa foi a primeira a assinar contratos para construir duas usinas concentradas de energia solar perto de Upington. Ao contrário da versão tradicional, a concentrada aproveita a energia do sol para produzir vapor, que pode ser armazenado por algumas horas e então usado para mover as turbinas depois do pôr do sol.

A região em volta de Upington chega a temperaturas de até 45º C e sol intenso durante todo o ano.

“A África do Sul é um dos melhores lugares do mundo para a energia solar”, disse José David Cayuela Olivencia, gerente geral da Khi Solar One.

A energia solar concentrada pode gerar eletricidade em horários de pico após o pôr do sol, mas há um custo. A eletricidade produzida pela Khi Solar One, que a Eskom deve comprar como parte de um contrato de 20 anos, é significativamente mais cara do que a energia solar regular.

“Precisamos de capacidade para suprir a demanda. Não queremos que seja carvão, por isso tem que ser nuclear”, disse Koko, da Eskom, referindo-se às usinas que nunca param de funcionar.

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Em defesa das renováveis

Mas outros dizem que a construção de reatores nucleares – com uma vida útil entre 60 e 80 anos – prenderia a África do Sul a essa fonte de energia em um momento em que as renováveis vão ficando mais baratas. Nos últimos cinco anos, o custo da produção solar e eólica caiu tanto que as usinas mais recentemente aprovadas, agora em construção, irão gerar eletricidade com as menores taxas na África do Sul.

Nas próximas décadas, segundo críticos do projeto nuclear, os avanços no armazenamento e em outras tecnologias surgirão e a África do Sul estará atrelada à esse tipo de energia.

Usinas imensas acabarão desatualizadas conforme as redes elétricas nacionais forem sendo descentralizadas, dizem eles. As empresas das cidades sul-africanas estão cada vez mais instalando painéis solares, efetivamente saindo da rede. Em outros lugares na África, é cada vez mais comum ver moradores conectando celulares a um único painel ao lado de casas de barro.

“O conceito de demanda é, na verdade, antiquado. A Eskom foi construída em torno do carvão e, em menor medida, da energia nuclear, com um grande poder de geração. Isso é um tipo de miopia se pensarmos em termos do futuro da rede de fornecimento. Veremos uma África do Sul e o resto do mundo muito mais descentralizados”, disse Harald Winkler, diretor do Centro de Pesquisa de Energia da Universidade da Cidade do Cabo.

A oposição aos planos nucleares sul-africanos também vem da principal agência de pesquisa do governo, o Conselho para Pesquisa Científica e Industrial. A expansão da energia solar e eólica, além do gás natural, poderia satisfazer as necessidades de energia no futuro da África do Sul por um preço menor, de acordo com uma projeção do conselho.

“Sem novas usinas a carvão, sem novas usinas nucleares. A África do Sul está em uma situação muito feliz, pois podemos acabar com o carbono em nosso sistema de geração de energia com custo negativo”, disse Tobias Bischof-Niemz, que lidera a pesquisa do conselho sobre energia.

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