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Visitantes conhecem a Usina de Itaipu: complexo contribuiu também para o turismo da região | Kiko Sierich / Gazeta do Povo
Visitantes conhecem a Usina de Itaipu: complexo contribuiu também para o turismo da região| Foto: Kiko Sierich / Gazeta do Povo

Artigo

Projeto gigantesco traz efeitos sociais

Catiane Matiello, doutoranda em Tecnologia e Sociedade pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR)

Neste momento em que os aniversários de constituição de Itaipu e da entrada em operação da usina são celebrados, cabe refletir sobre o que eventos como estes nos contam sobre as relações entre sociedade e tecnologia. De modo geral, a história oficial da usina é construída sobre ideias de eficiência, patriotismo, ufanismo, cooperação e oposições entre natureza/obra divina x tecnologia/obra humana. Estas noções são empregadas não com o objetivo de entender a usina, mas de modo a atribuir um significado social a ela. Por outro lado, parte das críticas feitas às consequências da usina baseiam-se em análises de "impacto", concentradas na materialidade criada pela hidrelétrica, descontextualizando a tecnologia que a usina representa e negligenciando detalhes técnicos importantes.

Dos dois modos, a compreensão de como decisões técnicas são decisões políticas e de como "tecnologia" e "sociedade" se constituem simultânea e mutuamente fica comprometida. Andrew Feenberg, filósofo da tecnologia, trata dessa dialogicidade afirmando que o significado do que é ser humano não se decide apenas por nossas crenças, mas também pela forma de nossos instrumentos. Ele afirma também que na medida que planejamos e conduzimos a tecnologia por vários processos públicos e escolhas privadas, é que temos algum controle sobre nossa própria humanidade.

Portanto, é fundamental desnaturalizar o processo de definição de projetos dessa magnitude. É necessário observar quem estava presente, quais seus valores, como as negociações foram orientadas, por quais critérios e quais os poderes implicados. A resolução das controvérsias técnicas não ocorreram apenas por critérios técnicos e objetivos, mas também atenderam valores econômicos, ambientais, culturais, sociais e políticos. Tratam-se de interações complexas que se refletiram de modo específico na criação de novas relações na sociedade, em que pese o surgimento de movimentos sociais de amplitude nacional e que atualmente lutam pela democratização dos processos decisórios envolvendo o modelo energético do país.

Artigo

Itaipu e o milagre americano

Wagner Enis Weber, pesquisador e diretor do Braspar-Centro Empresarial Brasil-Praguay

Poucas vezes na história uma obra representou mudança tão profunda na vida de uma nação, como Itaipu para o Paraguai. Em 1972, o país era o mais pobre da América do Sul. Com pouco mais de 2 milhões de habitantes e quase 70% vivendo na área rural, o Paraguai não tinha recursos minerais importantes, sobrevivia em um mundo de comércio fechado, e sem litoral marítimo. Portanto, um país sem futuro.

A pobreza paraguaia era tão marcante que a qualidade de vida material de sua população equivalia a somente ¼ da brasileira. Em 1973, o Tratado de Itaipu mudou o rumo daquela nação. Ao longo da construção da usina, o Paraguai cresceu a um ritmo anual de quase 12% ao ano.

Com a interiorização do crescimento, desenvolveu-se a reforma agrária mais profunda da América do Sul, incluindo a forte imigração, principalmente brasileira, que o transformou em um dos celeiros do mundo, com uma produção de grãos de mais de 18 milhões de toneladas.

Graças ao dinheiro da construção da usina, o país não entrou na crise da dívida externa na década de 1980, tampouco sofreu de hiperinflação, permitindo-lhe manter um crescimento médio de 7,2% anual de 1983 a 1998, e de 6,5% de 2003 a 2013, com inflação controlada. Por isso mesmo, o Guarani, moeda local, completou, em 2013, 70 anos de circulação ininterrupta.

Passados 40 anos da assinatura do Tratado, o Paraguai transformou-se no país de maior futuro de nosso continente. Com 6 milhões de habitantes (18% imigrantes de 1ª e 2ª gerações), e renda per capita de US$ 9.200,00 em 2013, o país tem, de acordo com os últimos dados do Banco Mundial, índices de pobreza mais baixos do que os do Brasil, tanto na área urbana, como rural, e com as famílias paraguaias possuindo os mesmos indicadores de qualidade de vida material das brasileiras.

Com desocupação nacional de 5% (2013, DGEEC), analfabetismo de 5,4% (2013, DGEEC), expectativa de vida de 75 anos (OMS, www.who.int), já consome o equivalente a 13,2% da produção de energia de Itaipu, ou seja, um consumo elétrico per capita quase igual ao brasileiro.

Com 17,5% das rodovias asfaltadas (o Brasil possui 13,5%), e 99% da população conectada à energia elétrica, sendo 93% das famílias com telefone celular e 40% com internet. Portanto, Itaipu não é só um símbolo de integração, mas se superação. Um verdadeiro milagre americano de uma nação ressurgida das cinzas.

Compensação

Royalties são divididos entre governos federais, municípios e estados

A distribuição dos royalties de Itaipu é feita da seguinte maneira: 45% são direcionados aos estados; 45% aos municípios; e 10% para órgãos federais – Ministérios do Meio Ambiente e de Minas Energia, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Dos repasses destinados aos municípios, 85% são distribuídos proporcionalmente às cidades atingidas diretamente pelo reservatório. Outros 15% caem nos cofres de cidades indiretamente atingidas. Embora o pagamento tenha começado em 1985, os municípios só começaram a receber o dinheiro em 1991, a partir da edição da Lei dos Royalties, cuja instituição é resultado de uma campanha feita na época pela Gazeta do Povo.

Sem ter um parque industrial de ponta, Foz do Iguaçu é a 7ª cidade do estado que mais arrecada Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Isso ocorre por ser sede da usina de Itaipu. Para este ano, a estimativa de receita total de ICMS é de R$ 104 milhões.

Circuito turístico

O turismo despontou com a criação do Lago de Itaipu. Oito dos 16 municípios lindeiros perderam terras, mas ganharam praias artificiais para o turismo e lazer: Foz do Iguaçu, Santa Terezinha de Itaipu, São Miguel do Iguaçu, Santa Helena, Itaipulândia, Missal, Entre Rios do Oeste e Marechal Cândido Rondon. Sensação da Costa Oeste, as praias são frequentadas por brasileiros, paraguaios e argentinos e movimentam a economia dos municípios. Itaipu, por si só, tornou-se uma atração à parte. Além do circuito de visita interna, a usina deixou como legado o Ecomuseu de Itaipu, o Refúgio Bela Vista e o Polo Astronômico Casimiro Montenegro Filho, situado dentro do Parque Tecnológico de Itaipu. Desde 1977, a usina foi visitada por mais de 17 milhões de pessoas vindas de 197 países.

  • Turista observa a barragem principal de Itaipu
  • Vista área da hidrelétrica: construção levou oito anos para ficar pronta
  • Técnico vistoria uma das 20 unidades geradoras em operação na usina
  • Pátio externo de Itaipu: funcionária fica pequena diante da barragem
  • Cada gerador da hidrelétrica pesa 6,6 mil toneladas
  • Centro de controle da Itaipu Binacional: 3.240 pessoas trabalham na usina
  • Vista externa da gigante de concreto que gera em média 95,5 milhões de MWh
  • Imagem do lago de Itaipu, que se estende por 170 quilômetros na divisa do Brasil com o Paraguai

O uso do potencial hidráulico do Rio Paraná e a formação do reservatório de Itaipu, entre Foz do Iguaçu e Guaíra, obrigou a hidrelétrica a indenizar proprietários e municípios. Ao todo, 1.350 km² de terras foram inundados. Desde 1985, Itaipu pagou US$ 4,6 bilhões em royalties (compensação financeira pelo alagamento das áreas) ao governo brasileiro e outros US$ 4,3 bilhões ao Paraguai. Deste dinheiro, US$ 1,54 bilhão foi repassado integralmente a 15 prefeituras paranaenses e uma do Mato Grosso do Sul.

SLIDESHOW: Veja imagens da usina de Itaipu

INFOGRÁFICO: Veja os municípios beneficiados com o pagamento de royalties por Itaipu

A verba trouxe prosperidade e transformou os municípios beneficiados em ilhas de bem-estar. Ginásios, estradas, escolas, barracões industriais e postos de saúde foram construídos. No embalo do orçamento polpudo, até obras faraônicas despontaram. Em 2000, Itaipulândia ganhou a maior Nossa Senhora em concreto do continente, com 26 metros de altura. Santa Helena não ficou para trás. Em 2004, inaugurou uma estátua de Cristo em bronze, considerada uma das maiores da América Latina.

Benesses

Passada a saga das obras, a compensação financeira se converteu em benesses assistencialistas. Cestas básicas, custeio de luz, água e outros serviços públicos tomaram conta de algumas cidades. Em Itaipulândia, cidade emancipada em 1993 e erguida com dinheiro da hidrelétrica, são gastos por ano cerca de R$ 1,2 milhão para subsidiar universitários que estudam nos setores públicos e privados.

Quem frequenta instituição privada tem 50% da mensalidade paga. Alunos do setor público recebem uma ajuda de R$ 200 ao mês como forma de reembolso. Como não há faculdades na cidade, o município também custeia parte do transporte escolar. Os estudantes gastam apenas R$ 70 ao mês para viajar todos os dias. Pelo menos 70% da arrecadação do município vem da usina.

Em Santa Helena, município que mais recebe royalties por ter tido maior porcentual de terra alagada, o prefeito Jucerlei Sotoriva (PP) tenta administrar o recurso com mais parcimônia. Restringiu a distribuição de cesta básica e cortou a distribuição de dinheiro para agricultores. Em troca, o município cede maquinários para incentivar obras no campo, a exemplo de aviários e pocilgas.

Ano passado, o município arrecadou cerca de R$ 98 milhões. Deste total, o repasse de Itaipu representa pouco mais da metade. Em 2014 a receita vinda de Itaipu deve variar de R$ 53 milhões a 55 milhões.

Atual presidente do Conselho dos Municípios Lindeiros, Sotoriva diz que muitos municípios não sobreviveriam hoje sem os royalties porque não conseguiriam fazer manutenção da estrutura e da máquina pública. "Hoje, se interrompesse o pagamento, alguns municípios virariam cidades-fantasma, principalmente Santa Helena e Itaipulândia", afirma.

Entre os lindeiros, há um temor de que a compensação termine em 2023, data prevista para a binacional quitar o financiamento contraído para construção. No entanto, o diretor-geral da usina, Jorge Samek, assegura que a cessão do benefício não será interrompida. "Não vamos permitir que interrompa. O Paraná dá uma enorme contribuição para o desenvolvimento do Brasil. É mais natural que os royalties prossigam enquanto existir Itaipu."

Alagamento expulsou 13 mil de Santa Helena

No lado brasileiro, o reservatório deixou embaixo d’água 8.272 propriedades rurais e urbanas, o que obrigou 40 mil pessoas a mudarem de casa. No Paraguai, foram atingidas 1.200 propriedades e 20 mil pessoas. Embora o lago tenha 1.350 km², a área comprometida pela usina chega a 1.800 km² – 1.000 km² no Brasil e 800 km²no Paraguai. Muitas terras foram inundadas para compor uma faixa de segurança.

Após o alagamento, Santa Helena perdeu 13 mil dos 40 mil habitantes. No entendimento de muitos moradores, o valor pago pela Itaipu não foi justo. As terras na região Oeste valorizaram e os agricultores indenizados não conseguiram comprar propriedades no Paraná. Boa parte migrou para Mato Grosso, Rondônia e Paraguai.

Tristeza e revolta

Antes das terras desaparecerem, a região foi tomada por protestos, festas de despedidas e eventos religiosos. Algumas famílias transportavam, além de roupas e utensílios, casas inteiras de madeira.

Lenir Spada, 69 anos, foi uma das moradoras que teve a vida transformada pelas águas. Ela vivia com a família em Alvorada do Iguaçu, distrito de Foz do Iguaçu que desapareceu após a criação do reservatório. Deixou para trás 11 alqueires de terra, um mercado e uma loja.

Daquela época, ela lembra das pessoas que relutavam sair das casas e dos amigos que partiram para o Mato Grosso. A família, que foi morar em Santa Terezinha de Itaipu, recebeu indenização pelos 11 alqueires de terra. "Foi difícil. Tinha gente que não queria sair", lembra.

Paraguai entrou na vitrine do Mercosul

Considerada a principal indústria do Paraguai, hoje a hidrelétrica de Itaipu representa o ingresso de US$ 1 bilhão no país e fornece 75% da energia consumida pelos paraguaios. Também representa quase 13% das exportações totais paraguaias – aproximadamente US$ 1,8 bilhões de Itaipu, em um total de US$ 13,6 bilhões, segundo o Centro Empresarial Brasil-Paraguay (Braspar). Os aportes de Itaipu -- mais de US$ 600 milhões anuais -- relativos a royalties, compensações, rendimentos de capital e encargos de administração, equivalem a 18% das receitas tributárias do governo central do Paraguai. Outros US$ 300 milhões entram no país, via usina, referente a gastos operacionais, investimentos sociais, manutenção e tecnologia. "Esses recursos ajudam o Banco Central do Paraguai a manter um dos melhores níveis de reservas internacionais/dívida externa da América Latina", diz o diretor-presidente do Braspar, Wagner Enis Weber. Por causa da estrutura financeira de Itaipu, o Paraguai tem a energia elétrica mais barata da América Latina, sem subsídio, o que garante alta competitividade e atrai cada vez mais empresas estrangeiras ao país.

Linha de transmissão

Os benefícios de Itaipu no lado brasileiro são replicados no Paraguai. O país recebe royalties, tem um parque tecnológico e foi dotado de infraestrutura na época da obra.

O mais recente investimento de peso da hidrelétrica no país foi a construção do sistema 500 kv. A linha liga a margem direita de Itaipu, no município de Hernandárias, vizinho a Foz do Iguaçu, à Villa Hayes, na Grande Assunção. São 759 torres em um trajeto de 348 quilômetros. A obra teve início em 2010 e custou US$ 550 milhões, valor financiado pelo Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem). O Paraguai entrou com uma contrapartida de 15%.

A relação entre os dois países nem sempre foi amistosa. Em 2011, após pressionar o governo brasileiro, o Paraguai comemorou o aumento de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões anuais a quantia paga pelo Brasil para a cessão da energia de Itaipu. Itaipu

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