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Fabrica de implantes dentários da Neodent na Cidade Indústrial de Curitiba. Nas imagens da fábrica de implantes dentários
| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Com os reservatórios das hidrelétricas esvaziados pela estiagem que afetou a maior parte do país nos últimos anos, o risco de racionamento de energia só não é uma realidade hoje no Brasil por que a economia está estagnada nos mesmos níveis de 2014.

A avaliação é de especialistas do setor elétrico. Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e vice-presidente de Novos Negócios da Electra Energy, explica que o segmento vive um momento de tensão devido à severa escassez de água, que afeta a capacidade de geração das hidrelétricas. “Esse risco [de racionamento] não existe basicamente porque a economia não tem crescido. Agora em setembro de 2019, o nível de consumo está no mesmo patamar do que o de cinco anos atrás”, observa. “No passado crescemos 3,5% ao ano. Agora, estamos na faixa de 1%. Por isso não acredito que haja risco de racionamento”, concorda Roberto Pereira D'Araujo, diretor do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Ilumina).

No médio prazo, porém, a situação pode se complicar. “Se a economia crescer a 3,6% ao ano nos próximos cinco anos, como o governo está prevendo e o regime hidrológico continuar como agora, a situação ficará preocupante, com custo muito elevado”, acrescenta Santana. Um cenário desses poderia, inclusive, afetar o próprio crescimento econômico. Em 2014, o preço da energia no mercado livre subiu tanto que algumas indústrias pararam de produzir para revender a energia contratada.

Em nota da assessoria de imprensa, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) não comentou a hipótese de racionamento caso a atividade econômica tivesse crescido nos últimos cinco anos, mas, em relação ao futuro, assegurou que "não existe risco de desabastecimento no país, mesmo que a economia cresça em taxas superiores às projetadas". O boletim de carga mensal do ONS, de agosto de 2019, aponta variação negativa de 0,7% na carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), em comparação com agosto de 2018. "O baixo dinamismo da atividade econômica e o menor número de dias úteis foram os principais responsáveis pelo desempenho de carga durante o mês de agosto", diz o documento.

Impacto é certo no preço da energia

Devido ao tempo seco que imperou na maior parte do Brasil nos últimos meses, no fim de setembro se completarão 88 meses do último reenchimento pleno do armazenamento SIN, se aproximando do período crítico anterior – 89 meses, entre 1948 e 1955. Segundo documento do ONS, desde junho de 2012 não ocorre o reenchimento pleno. Se por ora a hipótese de racionamento está afastada, não se pode dizer o mesmo do impacto no bolso do brasileiro: a energia elétrica, que já é uma das mais caras do mundo, custará ainda mais.

O nível de reservatórios não é tão crítico quanto o do passado recente. Em 15 de setembro, havia um total de 116.688 Megawatts em energia armazenada (EAR) no SIN, segundo dados do ONS. Em outubro de 2017, a EAR chegou a apenas 51.793 MW/mês. O que preocupa é o longo período de escassez de água, o descasamento entre o montante de energia contratada e entregue e a omissão de governos anteriores em revisar a Garantia Física de Energia (GFE).

Tudo isso impacta nas tarifas do brasileiro, que convive com um cenário já conhecido: quando o nível dos reservatórios das hidrelétricas fica baixo, são acionadas as térmicas, com custo bem mais elevado. Para custear o sistema, em 2015 foi implantando o sistema de bandeiras tarifárias (verde, amarela e vermelha), que indicam as condições de geração de energia. Desde o mês passado está valendo a bandeira vermelha patamar 1, que implica em um acréscimo de R$ 0,04 para cada quilowatt-hora (kWh) consumido. O nível vermelho ainda não tinha sido acionado em 2019. Entre junho e outubro de 2018, vigorou a bandeira vermelha patamar 2 (acréscimo de R$ 0,06 por kWh).

Esses valores são cobrados excepcionalmente, e não interferem na revisão anual das tarifas de energia. Reportagem do Estadão de 17/09, com base em relatório da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mostrou que de janeiro de 2015 a junho de 2019, os brasileiros já pagaram R$ 32,2 bilhões nas taxas extras das bandeiras tarifárias.

A Aneel defende o sistema, dizendo que garante transparência dos custos e pagamento imediato, gerando economia se os custos extras fossem repassados apenas uma vez ao ano, nas revisões de tarifas. Cálculos da agência mostram que, no período do levantamento, foram economizados R$ 3,71 bilhões referentes a juros.

O diretor do Ilumina também prevê elevação de custos da energia, sem riscos de racionamento. Tanto ele, como Santana, da Electra, critica erros de planejamento que se acumularam no setor elétrico do Brasil nos últimos 15 anos. “Contratamos térmicas muito caras. Como são caras, são evitadas, como o cheque especial. Por isso esvaziam-se os reservatórios, na tentativa de não entrar nesse cheque especial”, diz. Segundo ele, essa característica do sistema impactou mais os reservatórios de água do que a falta de chuvas. “Não culpem São Pedro”, diz.

Santana destaca que a última revisão da GFE foi “empurrada com a barriga” desde 2004. Essa garantia física – que representa a quantidade máxima de energia que a usina pode comercializar – é fundamental para se saber qual a oferta real, quanta energia é demandada e quanto será necessário produzir a mais nos próximos anos.

A gestão de Jair Bolsonaro (PSL) tenta dar uma resposta para isso: em 13 de setembro foi aberto o prazo de consulta pública para uma revisão da GFE. As contribuições podem ser feitas até 16 de outubro. Depois disso, a previsão é que os cálculos sejam finalizados no primeiro trimestre de 2020, e os novos índices entrem em vigor em 1º de janeiro de 2021. “Hoje imagina-se que uma hidrelétrica produza 100, mas na verdade, gera 80, por exemplo. Precisa revisar isso, porque senão o governo fica contando com uma coisa que não existe”, explica Santana.

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