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O ministro Paulo Guedes e o presidente da Câmara, Arthur Lira: deputados aguardam da equipe econômico envio das demais propostas fatiadas da reforma tributária.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

O governo e o Congresso concordaram em fatiar a reforma tributária para tornar viável a aprovação, mas a falta de consenso ainda é grande. A ponto de que, ao menos no curto e médio prazo, parece pouco provável uma modernização do sistema tributário.

Membros do governo e do Congresso mostram disposição em votar e aprovar até cinco projetos relacionados a essa agenda econômica. O problema é que divergências dentro do próprio governo e também a insatisfação de setores da economia criaram um cenário de incertezas para o sucesso da reforma tributária em um ano pré-eleitoral.

Na discussão de uma reforma do Imposto de Renda (IR), por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro é a favor da isenção do IR para os consumidores (IRPF) de até R$ 3 mil. O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende uma isenção de até R$ 2,3 mil.

Enquanto isso, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), texto já enviado pela equipe econômica ao Congresso para propor a unificação do PIS e Cofins, enfrenta resistências da indústria. O projeto de lei original previa alíquota de 12% para todos os contribuintes, mas, na semana passada, Guedes anunciou possíveis mudanças, com uma alíquota mais baixa, de 8%, para o setor de comércio e serviços, enquanto a alíquota da indústria permaneceria em 12%.

“Estamos considerando a possibilidade de ter duas alíquotas. Uma para comércio e serviços, mais baixa, e outra para a indústria, um pouco mais alta”, disse Guedes, em reunião por videoconferência da Frente Parlamentar em Defesa do Setor de Serviços.

Como as divergências afetam a reforma tributária

Na política, reformas estruturantes como uma modernização do sistema tributário podem avançar ou emperrar a depender do ambiente político. Com divergências internas no governo e externas, entre setores econômicos com representatividade no Congresso, prosseguir com a reforma tributária tem exigido muito diálogo.

"Muitos setores estão incomodados ainda com os impactos sobre suas atividades. Para cada setor há um impacto peculiar projetado", diz o líder do PSL na Câmara, Vitor Hugo (GO). "O governo vai avaliar, a partir de agora, se vale a pena tocar para frente ou não essa pauta, que é importante para o país."

Tantas variáveis sobre a reforma tributária levam Vitor Hugo a entender que ela é até mais complexa do que a reforma administrativa. "São muitos setores afetados. Embora haja vontade do governo em não aumentar a carga tributária geral, pode ser que haja uma acomodação em relação às cargas tributárias específicas e isso pode gerar algum incômodo em alguns setores", diz.

O líder do PSL defende um debate bem trabalhado para aprovar uma reforma tributária que seja consenso entre outros setores. Dentro do Ministério da Economia, há otimismo de que a agenda prospere e as propostas em gestação pela equipe econômica sejam enviadas o quanto antes ao Congresso.

Entretanto, por ora não há perspectiva de a equipe econômica encaminhar as propostas ao Legislativo sem que Guedes tenha conseguido um mínimo meio-termo entre as diferentes propostas. "É preciso o mínimo de consenso e deixar as divergências serem devidamente mitigadas", explica um interlocutor do ministro.

O que não é consenso dentro da reforma tributária fatiada

Como explicado pela Gazeta do Povo em maio, a reforma tributária será fatiada em até seis relatórios. A divergência em torno das alíquotas diferentes da CBS, proposta pelo projeto de lei (PL) 3887/2020, é apenas uma das controvérsias.

Sobre a CBS, além de a indústria ser contra uma alíquota de 12%, alguns segmentos do setor de serviços são contra a alíquota de 8%: os da educação, segurança e os da área da tecnologia da informação, que, atualmente, são tributados em 3%. O comércio, por sua vez, reforça a cobrança do setor terciário de duas alíquotas.

Uma segunda proposta da reforma tributária fatiada é a fusão entre o ICMS e o ISS, que viria por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que começaria tramitando no Senado. Segundo interlocutores do Ministério da Economia disseram à Gazeta do Povo, esse texto pode nem ser apresentado.

A ideia de um imposto sobre valor agregado (IVA) que unificaria o imposto estadual (ICMS) e o municipal (ISS) pode não sair do papel por discordâncias em relação à distribuição de receitas para a manutenção da máquina. A arrecadação dos governos estaduais seria insuficiente e sobraria para o governo federal pagar a diferença. "Querem pendurar a conta da diferença na União", critica um interlocutor da equipe econômica.

O que há de concordância na reforma tributária

Outros dois projetos da reforma tributária são mais consensuais. É o caso da criação do chamado Imposto Seletivo em substituição ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). O novo tributo incidiria sobre cigarros e bebidas alcóolicas para complementar a CBS.

A ideia do IPI seletivo, como vem sendo chamado, tem, inclusive, apoio político. Foi apresentada na reforma tributária ampla proposta pelo relatório do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), baseada principalmente na PEC 45/2019. O parecer foi rejeitado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que não quis dar encaminhamento ao texto e preferiu combinar a reforma "fatiada" com Paulo Guedes.

Um outro projeto consensual é o chamado "passaporte tributário", que possibilitará a renegociação de dívidas tributárias nos moldes de um Refis, nome dado no passado a programas de incentivo à regularização fiscal. O texto será encaminhado ao Senado, onde já tramita um projeto do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) propondo um "novo Refis" que desagrada à equipe econômica.

O "passaporte tributário" vai elevar de 50% para até 70% o desconto do valor total da dívida nessa modalidade e permitir descontos de até 100% sobre multas. Juros e encargos terão abatimento de até 70%. E as empresas que optarem pelo "Refis" poderão aproveitar o crédito do prejuízo fiscal para abater o valor de impostos acumulados em anos anteriores da Covid-19, segundou apurou o jornal "O Estado de S. Paulo".

A expectativa na Câmara e no Senado é de que ao menos esses dois textos sejam apresentados por Guedes ainda esta semana. "Estamos aguardando a equipe econômica finalizar todos os textos e enviá-los", explica um interlocutor de Arthur Lira, ao negar que a reforma tributária tenha travado. "Essa semana serão nomeados os relatores. Não mudou nada", acrescenta.

Pelo Twitter, Lira disse que irá definir até o fim desta semana os deputados que relatarão os projetos que tramitarão na Câmara. E afirmou ter conversado com o presidente do Senado para que os relatores das duas Casas sejam definidos simultaneamente. Ele não deixou claro, contudo, quais textos serão analisados, uma vez que Guedes ainda não entregou as fatias restantes da reforma tributária. Apenas a CBS já está no Congresso, desde julho de 2020.

Consenso, mas nem tanto: reforma do Imposto de Renda patina

A reforma do Imposto de Renda, uma quinta fatia da reforma tributária, fica enquadrada como "consensual, mas nem tanto". "É mais ou menos aceito. A diminuição da taxação para as empresas [IRPJ] e a contrapartida via taxação da distribuição de dividendos é um ponto de acordo. Agora, a correção do piso mínimo para a pessoa física, o piso de isenção, não", sustenta um interlocutor de Guedes.

"A nossa proposta [da equipe econômica] é de R$ 2,3 mil, o Palácio [do Planalto] insiste de que teria que ser de R$ 3 mil em função da promessa de campanha", complementa o interlocutor, em referência à promessa de Bolsonaro. Em 2018, na campanha, ele prometeu isenção de R$ 5 mil. “Vamos tentar pelo menos em 2022 passar para R$ 3 mil”, disse o presidente em uma live em janeiro deste ano.

O problema é que a promessa de Bolsonaro não encontra respaldo fiscal. "A conta não fecha. Fecharia se tivesse a CPMF [o imposto sobre transações digitais defendido por Guedes]", sustenta um assessor do Ministério da Economia.

O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, afirmou na última semana ao "Estadão" que a reforma do IR seria encaminhada pelo governo apenas após a aprovação da reforma administrativa. O problema, como revelou a Gazeta do Povo, é que o próprio governo não está comprometido com essa agenda.

A reforma do IR será alvo de debate entre o presidente da Câmara, líderes partidários e integrantes da equipe econômica. Pelo Twitter, Lira disse que, "no âmbito da reforma tributária", teria reuniões esta semana para tratar de "questões relativas ao Imposto de Renda".

Quais as chances de a nova CPMF vingar

Diante de todo o desafio em relação às fatias da reforma tributária, Guedes mantém vivo seu desejo em aprovar o imposto sobre transações, que ficou conhecido como uma tentativa de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Seria o sexto projeto da agenda.

A seu favor, Guedes defende que, com o tributo, seria possível isentar não apenas o IRPF em R$ 3 mil, mas também solucionar o impasse sobre a CBS. "É porque ela [CPMF] seria compensatória da redução dos encargos sobre a folha [de pagamentos]. Agradaria o setor de serviços e abriria caminho para poder ter uma CBS de alíquota única de 12%", afirma um assessor da equipe econômica.

Sem o imposto sobre transações digitais, a equipe econômica mantém a postura de que serão necessárias duas alíquotas da CBS. A questão é que o amadurecimento do debate sobre as duas alíquotas tende a consumir algum um tempo e, com isso, acabar prejudicando a evolução da reforma como um todo.

A empresários e representantes do setor de serviços, Guedes diz que vai deixar o assunto para outro momento devido às resistências políticas. O real problema é convencer Bolsonaro dessa proposta impopular em um ano pré-eleitoral.

"A CPMF não está fora [de cogitação], porque ela é o fator de estabilidade de substituição de tributos, não é criação de tributo. Mas como isso sofreu uma campanha contrária grande, o Palácio [do Planalto] fala que não vai propor mais", diz um interlocutor da equipe econômica.

Quais as chances de aprovação da reforma tributária

A chance de uma reforma tributária vingar parece improvável, mas não é impossível. Há boa vontade do governo, do Congresso e de empresários em procurar um consenso para aprovar as diferentes propostas debatidas. A questão, contudo, é a "janela" política para isso.

Historicamente, quanto mais próximo do período eleitoral, menores são as chances de se aprovar reformas estruturantes. Dessa forma, ainda que fatiada, a reforma tributária pode encontrar resistências de ser aprovada após outubro deste ano, período que compreende os 12 meses até as eleições de 2022.

O fatiamento apenas evitaria um cenário mais trágico, à medida em que um texto ou outro possa avançar e ser aprovado nas duas Casas. Contudo, os parlamentares que divergem do fatiamento entendem que uma reforma ampla poderia ser aprovada até outubro.

O contexto eleitoral tem levado, inclusive, atores do mercado financeiro a defender a postergação das reformas tributária e administrativa.

A economista-chefe do banco JPMorgan no Brasil, Cassiana Fernandez, defendeu na última semana que o ideal seria adiar para depois das eleições a tramitação de ambas as reformas. "Acho que você pode obter esse consenso na sociedade e aí você pode ter uma reforma bem mais forte e melhor", disse ela à agência Reuters.

Apesar das dificuldades, aliados de Lira demonstram otimismo quanto à aprovação da reforma tributária ainda em 2021. O deputado Celso Sabino (PSDB-PA) é um deles. "Ela é essencial. Preparar o ambiente de negócios e o cenário para que os empreendedores no Brasil possam atuar com vigor e eficiência na retomada econômica pós-pandemia é o foco da atenção do Congresso", destaca.

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