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Facebook
| Foto: Gerd Altmann/Pixabay

Confrontado com uma reação crescente à propagação da desinformação após as eleições presidenciais dos Estados Unidos em 2016, o Facebook desenvolveu no ano passado uma solução aparentemente simples: criou uma biblioteca on-line de todos os anúncios da rede social. Transparência, decidiu a empresa, era a melhor solução.

Os anúncios ficariam na biblioteca por sete anos, permitindo que os usuários vissem quem estava enviando quais mensagens e quanto estava pagando para fazê-lo. O Facebook deu a pesquisadores e jornalistas um acesso mais profundo, permitindo-lhes extrair informações diretamente da biblioteca para que pudessem criar seus próprios bancos de dados e ferramentas para analisar os anúncios – e encontrar a desinformação que tivesse passado despercebida pela segurança da rede social.

"Sabemos que não podemos proteger as eleições sozinhos", disse o Facebook quando revelou a versão mais recente de sua biblioteca de anúncios em março. "Estamos empenhados em criar um novo padrão de transparência e autenticidade para a publicidade."

Mas, em vez de definir um novo padrão, o Facebook parece não ter atingido a meta determinada. Os usuários comuns podem procurar anúncios individuais sem problema, mas o acesso aos dados da biblioteca está tão cheio de bugs e restrições técnicas que é de fato inútil no rastreamento abrangente da propaganda política, de acordo com pesquisadores independentes e dois estudos anteriormente não divulgados sobre a confiabilidade do arquivo, um feito pelo governo francês e outro por pesquisadores da Mozilla, fabricante do navegador Firefox.

Novos questionamentos em relação ao Facebook

Os problemas levantam novas perguntas sobre o compromisso do Facebook no combate à desinformação e refletem as lutas de grandes empresas de tecnologia e governos em todo o mundo para combatê-la.

Autoridades dos Estados Unidos já lidam com tentativas russas de interferir na corrida presidencial de 2020 e são impotentes para impedir que trapaceiros americanos façam o mesmo, porque estes estão protegidos pela Primeira Emenda.

Na Europa, um esforço ambicioso para construir um sistema de alerta falhou durante as eleições para o Parlamento Europeu em maio, não emitindo avisos, apesar das campanhas de desinformação russa, que, segundo autoridades, visavam influenciar a opinião pública e inibir a participação dos eleitores.

Para o Facebook, em particular, este é um momento especialmente desafiador: a empresa foi condenada pela Comissão Federal de Comércio a pagar uma multa recorde de US$ 5 bilhões em 24 de julho por violação de privacidade e concordou em melhorar o controle da manipulação dos dados de seus usuários. As medidas, no entanto, pouco farão para ajudar a empresa com seu problema de desinformação.

Os pesquisadores da Mozilla, que forneceram seu relatório ao "The New York Times", haviam decidido originalmente rastrear a propaganda política antes das eleições europeias usando a interface de programação de aplicativos, ou API, que o Facebook configurou para fornecer acesso aos dados da biblioteca. Em vez disso, eles acabaram documentando problemas com a biblioteca depois que conseguiram baixar as informações de que precisavam em apenas dois dias ao longo de um período de seis semanas, por causa de bugs e problemas técnicos, todos devidamente relatados ao Facebook.

Em um exemplo, Jason Chuang, pesquisador da Mozilla, iniciou uma longa comunicação com o Facebook sobre um bug que apagou uma pesquisa após 59 páginas de resultados. Semanas depois, um representante do Facebook enviou uma mensagem dizendo: "Isso, infelizmente, é um erro que não será corrigido por enquanto."

O representante acrescentou: "Esperamos melhorias no futuro e continuaremos rastreando o erro internamente."

O Facebook mais tarde enviou uma mensagem dizendo que havia corrigido o problema e que a pesquisa poderia ser feita sem derrubar a biblioteca. Mas a nota veio de uma pessoa que não havia lidado com o relatório anterior, e foi enviada para um thread de mensagens diferente, sobre uma questão separada, com a qual os pesquisadores da Mozilla haviam se deparado. E, no fim de julho, os pesquisadores disseram que a biblioteca ainda caía quando tentavam verificar se o bug fora corrigido.

Em duas outras ocasiões, os pesquisadores disseram que o Facebook impediu que relatassem novos bugs. O motivo? Já haviam relatado muitos.

Pesquisadores apontam falhas

"É possível considerá-la falha", disse Laura Edelson, pesquisadora da Universidade de Nova York, que passou meses tentando usar a biblioteca para construir seu próprio banco de dados de propaganda política nos Estados Unidos.

A biblioteca era uma peça central da resposta do Facebook à revolta crescente e à perspectiva de regulamentação governamental que enfrentou em todo o mundo. Foi uma das várias iniciativas – incluindo esforços de verificação de fatos e de mudanças na classificação do feed de notícias – que os executivos divulgaram como exemplos de como o Facebook era um cidadão corporativo responsável no qual poderíamos confiar para corrigir seus próprios problemas.

Quando testemunhou perante o Comitê de Inteligência do Senado em setembro, Sheryl Sandberg, diretora de operações, chegou até a incluir a API entre as "fortes medidas" que a empresa havia tomado para reduzir o abuso na rede.

Em resposta a perguntas para este artigo, Satwik Shukla, gerente de produto do Facebook, disse: "Fomos os primeiros a introduzir esse nível de transparência dos anúncios, e essa continua a ser uma prioridade."

Ele acrescentou que o Facebook estava trabalhando intensamente para resolver problemas de acesso aos dados da biblioteca por meio da API e "busca feedback de pesquisadores e jornalistas continuamente".

Rivais buscam ser mais transparentes

Os rivais do Facebook também procuraram tornar a publicidade em suas plataformas mais transparente. O Google criou seu próprio arquivo, permitindo que os pesquisadores baixem dados sobre anúncios comprados por meio da empresa, incluindo aqueles em suas páginas de pesquisa, bem como anúncios que aparecem no YouTube, que é sua propriedade.

O arquivo do Google parece estar funcionando melhor que o do Facebook, descobriram pesquisadores da Mozilla e autoridades francesas. Mas os críticos dizem que um componente crucial está faltando: não foram incluídos os chamados issue ads – ou seja, anúncios que procuram influenciar a opinião sobre um tópico em vez de um candidato. Muitos dos anúncios colocados por trolls russos em 2016, por exemplo, foram sobre assuntos específicos, como o movimento Black Lives Matter, e o Google disse que está procurando maneiras de incluí-los no arquivo.

O Twitter, que responde por uma pequena porcentagem da propaganda política, criou seu próprio Centro de Transparência de Anúncios. Mas pesquisadores franceses descobriram que a iniciativa não oferecia uma relação abrangente dos anúncios políticos na plataforma. O Twitter disse que apenas uma pequena porcentagem de anúncios em vídeo estava faltando, e que em breve seria incorporada à biblioteca.

O Twitter também não permite que os usuários baixem os dados maciçamente, embora isso possa ser feito por meio de um processo que os pesquisadores franceses disseram que é "demorado, requer habilidades avançadas de programação e implica potenciais violações das regras do Twitter".

Os críticos do Facebook reconheceram que a empresa estava fazendo mais que seus concorrentes para abrir os anúncios ao escrutínio independente. Muitos também observaram que a publicidade paga representava apenas uma pequena parcela da desinformação nas redes sociais.

Repercussão

O senador americano Mark Warner, democrata da Virgínia, que busca a aprovação da Lei de Anúncios Honestos, que exigiria que as empresas de tecnologia mantivessem bibliotecas on-line de propaganda política, disse que apreciou os esforços do Facebook.

Mas, "dados os recursos que o Facebook tem disponíveis, eu gostaria de ver mais", disse Warner em resposta a uma pergunta do "The Times".

Fornecer acesso a dezenas de milhões de anúncios mediante uma API não é uma proposição simples, mas também não é uma façanha de engenharia para uma companhia como o Facebook. Com 2,4 bilhões de usuários, ele rotineiramente lança novos recursos e produtos complicados em uma escala que poucas empresas de tecnologia conseguiriam gerenciar.

"Isso não é um problema que a tecnologia não resolveu e eles estão realmente dando seu melhor", disse Edelson, pesquisadora da NYU. "Não, não é isso que está acontecendo. Esses são problemas que podem ser resolvidos."

Edelson, que forneceu dados obtidos da biblioteca do Facebook para o "The Times", é uma engenheira de computação que passou duas décadas coletando e armazenando grandes quantidades de dados. Ela disse que foi capaz de extrair dados da biblioteca ao "elaborar uma estratégia extremamente cuidadosa para fugir dos problemas".

Edelson desenvolveu um software para contornar alguns deles, como "loops infinitos" – ou seja, quando a biblioteca fica retornando os mesmos resultados repetidas vezes. Muitas de suas outras correções foram trechos de código para lidar com problemas técnicos específicos, disse ela.

Extrair todos os dados da biblioteca, disse ela, "é provavelmente impossível se você estiver seguindo todas as regras".

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