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Se os brasileiros já são apaixonados por carros mesmo pagando R$ 2,50 pelo litro da gasolina, imagine se o preço fosse de apenas 9 centavos? Pois essa é a realidade dos vizinhos da Venezuela, que pagam bem menos pelo combustível do que por uma garrafa de água potável.

Acredite: encher com gasolina o tanque de um carro de família (com capacidade para 50 litros) num posto de Caracas custa R$ 5. Já uma garrafa de água de 1,5 litro no bar mais próximo não sai por menos de R$ 2.

Dono de uma das maiores reservas de petróleo do mundo e um dos principais fornecedores dos Estados Unidos, o país de Hugo Chávez tem sua economia regida há muitos anos pelo vai-e-vem do preço dos barris no mercado internacional. Quando o valor do "ouro negro" sobe, como agora, o governo tem dinheiro de sobra para investir em infra-estrutura e programas sociais.

Mas o petróleo barato influencia principalmente a microeconomia, aquela do dia-a-dia dos venezuelanos. E a diferença está nas ruas. Quase não se vê carros de mil cilindradas, mais econômicos, nas ruas de Caracas.

A população prefere carrões ao estilo norte-americano, que fazem em média de 5 a 7 quilômetros com um litro de gasolina -contra uma média de 10 quilômetros por litro dos carros mil cilindradas, um sucesso de vendas no Brasil.

Henrique sanchez, de 30 anos, que trabalha em uma produtora de vídeos na capital venezuelana, conta que nenhum de seus amigos tem carro econômico. "São todos carrões, com motor grande e tudo. Para que comprar um carro mil se a economia seria irrisória?", pergunta.

O preço baixo na Venezuela contrasta com o dos países vizinhos. "Quando vamos viajar pela América Latina, é comum levarmos galões de gasolina em tanques reservas, porque o gasto que se tem com o combustível nos outros países é absurdo", diz Sanchez. Para mim é assombroso que um litro de gasolina possa custar mais de 1 dólar. A sensação é que é dinheiro jogado fora, queimado", completa.

Como o dinheiro para o combustível não pesa no orçamento doméstico, o venezuelano usa o carro para tudo -mesmo que seja para se deslocar apenas por algumas quadras.

A capital dessa Arábia Saudita sul-americana tem um trânsito digno das caóticas cidades asiáticas subdesenvolvidas. A hora do rush em Caracas é um inferno até para o mais destemido paulistano, já acostumado a driblar congestionamentos intermináveis, buracos e enchentes.

Para escapar do trânsito, os venezuelanos aderiram às moto-táxis, um mercado que cresce na mesma proporção da carência de um transporte coletivo de qualidade. Sevocê se lembrou de São Paulo ou Rio de Janeiro talvez não seja mera coincidência, mas sim outro ponto em comum entre as capitais sul-americanas, além da violência.

A frota de veículos no país de Chávez está muito longe da brasileira. Estatísticas internacionais apontam que a Venezuela tem 2,2 milhões de carros, ocupando o 39º lugar no ranking mundial. Já o Brasil tem 21,1 milhões, e é o sétimo no mesmo ranking.

Fazendo as contas, o Brasil tem um carro para cada grupo de 8,5 habitantes. Já a Venezuela tem 11,8 habitantes por carro -mas numa área bem menor.

Raízes do petróleo

Falar com um venezuelano sobre o assunto é a melhor maneira de entender como essa cultura da gasolina barata está enraizada no país.

Puxei papo com o taxista José Verde, que trabalha no centro de Caracas há mais de 40 anos. E lembrei de recente discurso de Chávez no qual ele acenou com a possibilidade de aumentar o preço nas bombas dos postos de combustível.

Questionado se achava justo um aumento do preço do produto, ele respondeu de imediato: "Não tem por que aumentar. Aqui tem muito petróleo. Qual é a justificativa?", perguntou, indignado.

Sem entrar em detalhes, disse, como forma de consolo, que no Brasil o litro da gasolina é quase 30 vezes maior.

José Verde levantou as sombrancelhas e me olhou pelo retrovisor durante alguns segundos. "Que barbaridade", resmungou.

Para tentar entender essa relação dos venezuelanos com o petróleo entrevistei o professor de economia da Universidade Central de Caracas, Luis Lander, autor de um livro sobre a história do petróleo no país.

"É parte da cultura popular achar que o Estado é muito rico por causa do petróleo e que, por isso, esse Estado deve resolver todos os problemas dos venezuelanos. A população sente que o petróleo é dela, é um sentimento muito arraigado", explica Lander.

Hoje, a Venezuela é o maior produtor de petróleo da América Latina e o quinto do mundo. É um dos principais fornecedores dos Estados Unidos de George W. Bush, apesar das desavenças políticas entre ele e Chávez e da troca de insultos e acusações.

Por um lado, a Venezuela está aproveitando a alta do produto no mercado internacional e lucrando bilhões de dólares com as exportações. É esse dinheiro que possibilitou a Chávez intensificar seus programas sociais que deram impulso à sua campanha eleitoral de 2006.

Por outro lado, o país criou uma dependência do "ouro negro", responsável por 80% das exportações do pais - cerca de 20% do PIB (Produto Interno Bruto).

Para quem vem de fora, a impressão é que a gasolina é como um serviço público quase gratuito na Venezuela. "Seria melhor dar de graça de uma vez", disse recentemente o próprio Chávez, que, segundo a imprensa local, prepara um reajuste nos preços já para as próximas semanas.

Chávez sabe que está mexendo em um vespeiro. A decisão de aumentar o preço do combustível sempre provocou reações fortes por parte da população e já precipitou a queda de mais de um presidente. O exemplo mais fresco na memória dos venezuelanos aconteceu há exatamente 18 anos, no dia 27 de fevereiro de 1989, data que ficou conhecida como o "Caracazo".

Naquela ocasião, o governo do então presidente Carlos Andrés Perez anunciou uma série de medidas anti-populares para conter a crise econômica pela qual passava o país. Dentre elas havia uma que ele sabia ser a mais preocupante, mas também a mais necessária: aumentar o preço da gasolina.

Como resultado, milhares de pessoas saíram as ruas para protestar. Depois de cinco dias os conflitos cessaram, mas a crise sócio-econômica que resultou do Caracazo se arrastaria por toda a década seguinte. Segundo números extra-oficiais, entre 1.000 e 1.500 pessoas morreram durante os confrontos.

"Chávez está falando já há algum tempo que o preço da gasolina deve subir. O governo está fazendo isso pouco a pouco para provocar a menor reação possível na população", diz o professor Luis Lander.

Com ou sem jeitinho, o fato é que Chávez terá de convencer com seus argumentos gente como o taxista José Verde antes de mexer no bolso dos venezuelanos.

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