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O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Sérgio Lima/AFP

Ao deixar para dezembro as discussões sobre o Renda Cidadã, programa social que deve substituir o Bolsa Família, o governo manteve no ar o clima de incerteza sobre os rumos fiscais no país.

O maior ponto de interrogação continua sendo a fonte de financiamento para criar o programa. Cresce a percepção entre analistas que o teto de gastos – mecanismo que impede o crescimento desordenado das despesas da União – pode acabar sendo burlado. O calendário apertado de votação só reforça esse sentimento.

A decisão de adiar a discussão sobre o Renda Cidadã foi tomada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em comum acordo com o Congresso e com o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC).

O próprio governo ainda não entrou em um consenso sobre qual seria a melhor forma de financiar o programa e agora estamos em período eleitoral, ou seja, não há mais clima para discussão de matérias polêmicas e o Congresso já entrou parcialmente em “recesso branco”, com muitos parlamentares dedicados aos pleitos locais.

Com isso, os parlamentares e o governo deixaram para dezembro a decisão sobre como viabilizar o programa. Não há espaço fiscal no Orçamento do ano que vem dentro do teto de gastos para criar o Renda Cidadã sem cortar despesa em valor equivalente. Porém, os cortes de despesa sugeridos pela equipe econômica foram vetados pelo presidente. Ao mesmo tempo, Bolsonaro quer que a Economia dê um jeito de criar um programa social que atenda em torno de 22 milhões de famílias e pague cerca de R$ 300 mensais, um custo estimado entre R$ 50 a R$ 60 bilhões por ano.

Uma solução aventada por próprios integrantes do governo seria “burlar” o teto de gastos limitando o pagamento anual de precatórios – dívidas do governo com empresas e pessoas – e usando parte da verba do Fundeb, fundo destinado à educação básica, que fica fora do teto. Outro caminho ainda mais polêmico seria flexibilizar de vez o teto e permitir que o novo programa não seja restrito à regra fiscal. A equipe econômica e parte do mercado financeiro são contra essas soluções.

O fato é que ninguém sabe ao certo qual será proposta que será apresentada pelo governo por meio do relatório do senador Márcio Bittar. Nem mesmo o nome do programa é possível cravar, já que o ministro Paulo Guedes (Economia) e o senador Márcio Bittar vez ou outra deixam escapar Renda Brasil, nome que teoricamente tinha sido enterrado por Bolsonaro.

Tudo isso somado ao fato que, em dezembro, serão duas ou três semanas de trabalho apenas no Congresso. A criação do novo programa social provavelmente vai envolver uma proposta de emenda à Constituição (PEC). Uma PEC tem o processo de tramitação mais longo, precisando ser aprovada por três quintos dos parlamentares em dois turnos de votação nos plenários da Câmara e do Senado, isso depois de passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e comissão especial. O rito das comissões pode ser burlado, caso haja acordo para aplicar o regimento do período da pandemia à proposta.

Incertezas e mais incertezas

Não à toa, economistas e analistas do mercado financeiro afirmam que toda essa situação gera um clima de incerteza sobre o rumo fiscal do país, o que pode até prejudicar a retomada da economia.

“A boataria, os ruídos e os consequentes impactos no mercado só terminarão quando o governo detalhar claramente quais são as medidas compensatórias para a criação do programa de auxílio. Esperar o término das eleições significa atrapalhar o processo de recuperação econômica”, escreveu Sergio Goldenstein, estrategista da Omninvest e ex-diretor do Banco Central, em seu perfil nas redes sociais.

“Jogar a decisão para dezembro gera um clima de incerteza e vai forçar uma decisão nos últimos minutos. E quando você olha o calendário e vê que nem a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias, que guia a elaboração do Orçamento do próximo ano] foi votada, você percebe que o tempo será muito curto. Se for votado mesmo em dezembro, será tudo de forma tão corrida que pode ficar prejudicada a avaliação dos riscos fiscais [envolvidos na criação do programa]”, diz o economista Fabio Klein, analista da Tendências Consultoria.

Decisão só no ano que vem? Pelo jeito...

Cresce também o time de especialistas que apontam que a questão pode ser só resolvida no ano que vem. “Com a própria eleição para a presidência da Câmara e Senado se aproximando e dificultando ainda mais o debate, o cenário que está se desenhando é que a gente fique empurrando esse problema com a barriga até fevereiro. Pode ser que a gente entre o ano sem ter esse impasse resolvido e sem um Orçamento aprovado”, diz Klein.

Não seria inédito caso o governo e o Congresso deixem para ano que vem a aprovação do Orçamento, em virtude da dificuldade de decidir como criar o Renda Cidadã, que precisa estar previsto na peça orçamentária. Desde que a LDO seja aprovada neste ano, o Executivo pode iniciar 2021 gastando mensalmente apenas 1/12 do valor previsto para o custeio da máquina pública até que o Orçamento de fato seja aprovado. Isso já ocorreu em 2015, por exemplo, para evitar a paralisação da máquina pública, apesar de não ser o cenário ideal.

Segundo o jornal "Valor Econômico", os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cogitam suspender o recesso parlamentar de janeiro para votar essas pautas importantes que podem ficar pendentes para o início do próximo ano. A ideia teria agradado o Planalto.

Em relatório enviado a investidores na segunda-feira (13), o time de analistas da XP Investimentos lembrou que essa estratégia de tentar suspender o recesso parlamentar é “recorrente e com raras exceções costuma vingar”, mas é um importante sinal que já se admite nos corredores no Congresso e do Planalto a "possibilidade de não votar o Orçamento e o Renda Cidadã ainda este ano".

Para os analistas da XP Investimentos, o cenário que vem se desenhando é da implementação de um auxílio de transição no começo do ano, chamado de Renda Cidadã, que fique fora do teto e seja compensado por elevação de carga tributária. Só depois seriam discutidas as medidas de corte de gastos defendidas por Paulo Guedes – inclusive as já descartadas por Bolsonaro – para abrir espaço no teto e permitir um programa maior e mais consolidado, chamado de Renda Brasil.

Para Klein, da Tendências, o novo programa social acabou criando uma situação de dicotomia. "O Renda Cidadã é uma salvação política para Bolsonaro, mas a cada dia que passa se mostra também um problemão para o governo."

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