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marco de garantias
O governo está articulando com o Congresso a aprovação de projeto e medida provisória que devem “destravar” uso de garantias em empréstimos.| Foto: Pedro França/Agência Senado

O governo federal está empenhado em destravar um mercado com o potencial para elevar o estoque de crédito na economia dos atuais R$ 4,5 trilhões para R$ 10 trilhões. Para isso, o Ministério da Economia articula a votação do projeto de lei (PL) 4188/21, chamado de Novo Marco Legal das Garantias, e a medida provisória (MP) 1085/21, que cria o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp).

O Serp propõe a modernização dos registros públicos, a desburocratização dos serviços registrais e a centralização nacional das informações e garantias, o que reduz custos e prazos e assegura maior facilidade para a consulta de informações registrais e envio de documentações para registro.

O novo marco das garantias, por sua vez, promete flexibilizar a utilização das garantias oferecidas em comparação com a prática atual, além de quebrar o monopólio do penhor civil. O objetivo é "tornar o uso de garantias para a concessão de créditos mais eficiente, simples e seguro e contribuir para a diminuição de juros e o aumento da concorrência".

Ou seja, juntos, os dois textos permitem centralizar a gestão da garantia e facilitar o acesso ao crédito, na medida em que possibilitam a contratação de novos créditos vinculados a uma garantia já dada em alienação fiduciária, com maior agilidade para a consulta de informações registrais e envio de documentações.

O marco de garantias possibilita a geração de um novo mercado ao criar as Instituições Gerenciadoras de Garantias (IGGs), que passarão a oferecer o chamado serviço de gestão especializada de garantias. Com isso, o governo espera que sejam criados nichos de IGGs nos mercados imobiliário, de automóveis, de celulares e de joias, o que abre um leque para o surgimento de novas fintechs (empresas de tecnologia financeira).

Quais os esforços legislativos para ampliar o mercado de crédito

A equipe econômica articulou a votação de ambas as matérias com o Congresso, até para reduzir rejeições de alguns setores, com os cartórios. Além de deputados liberais aliados da agenda econômica, secretários do ministro da Economia, Paulo Guedes, procuraram os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Desse contato, chegaram a um acordo para que sejam definidos ambos os relatores nas próximas duas semanas. A expectativa da equipe econômica é que as duas matérias possam tramitar simultaneamente, afinal, originalmente elas formariam uma só proposta.

O PL 4188, que é de autoria do governo, foi desmembrado da MP 1085 para enfrentar menos resistências e evitar o que ocorreu com a MP 1045, a que sugeria uma minirreforma trabalhista e foi rejeitada pelo Senado. O governo sabe que não tem maioria no Senado e, ao desmembrar os projetos, tentou mitigar os riscos de rejeição. Após uma reavaliação, articulou para reunificar os projetos, contudo, por temer a rejeição dos senadores, abortou a estratégia.

A expectativa é ter ambas as medidas aprovadas e sancionadas em junho. O prazo para a aprovação de ambos, no entanto, é curto. A MP 1085 perde sua validade em junho e o acordo firmado com Lira e Pacheco prevê que a Câmara vote primeiro o PL 4188 e, depois, a medida provisória com um prazo regimental para chegar ao Senado com pelo menos 30 dias antes do vencimento da MP.

Ou seja, com duas semanas para a escolha dos relatores e pelo menos um mês para o Senado discutir o assunto, a ideia é que os deputados votem os textos até a última semana de abril e nas primeiras semanas de maio. Além disso, para tramitar diretamente no plenário, Lira teria que designar um único relator, buscar acordo com os líderes partidários e inserir um requerimento de urgência para a votação do marco de garantias.

Sem tramitar por urgência, o PL 4188 teria que tramitar em três comissões, cada uma com um relator: na Comissão de Educação, Luizão Goulart (Republicanos-PR); na Comissão de Finanças e Tributação, Júlio Cesar (PSD-PI); e na Comissão de Constituição e Justiça, Darci de Matos (PSD-SC).

A MP 1085, que, na prática, moderniza o serviço de registros atualmente monopolizado pelos cartórios, tem 84 deputados interessados em relatar a proposta. É o que afirmou na terça-feira (5) a secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, Daniella Marques, em almoço com parlamentares da Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo (FPE).

Como os deputados liberais se dispõem a ajudar o governo

No almoço, Daniella pediu e obteve o apoio dos parlamentares da frente. O deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), vice-presidente da FPE, acordou com os colegas presentes o envio de um ofício a Lira para pedir celeridade na escolha de relatores alinhados com ambas as pautas, o que ajudaria no avanço e tramitação das matérias.

Também estiveram presentes as deputadas Angela Amin (PP-SC), Paula Belmonte (Cidadania-DF), Carla Dickson (PROS-RN), vice-líder do governo, e Adriana Ventura (Novo-SP), vice-líder do partido. Também marcaram presença os deputados General Peternelli (União Brasil-SP), vice-líder da legenda, Francisco Jr. (PSD-GO), vice-líder da sigla, Alexis Fonteyne (Novo-SP) e Lucas Gonzalez (Novo-MG).

A lentidão com que tramitam as matérias, sobretudo na escolha de um relator para a MP 1085, é criticada por Passarinho, vice-líder do governo. Ele entende que a estratégia política de contabilidade partidária da presidência da Câmara não é uma justificativa. Para atender os líderes e suas bancadas, Lira costuma definir relatores de acordo com critérios da chamada proporcionalidade partidária.

"Podem até dizer que o presidente [Lira] tem que fazer a contabilidade partidária para fazer a coisa compensada. Mas não é possível que em um mês isso não possa ser feito, e essa contabilidade está em uma planilha. Basta olhar a planilha e em uma semana ele resolve", desabafou Passarinho à Gazeta do Povo. Contudo, ele evita criticar o trabalho do presidente da Casa. "O presidente Arthur tem dado uma celeridade muito boa nas votações", destacou.

O vice-líder do governo pondera, no entanto, que a articulação política executada pelo Palácio do Planalto também poderia ter uma atuação melhor. "Em alguma parte o governo patinou um pouco, não foi excelente em todos os lugares", reconheceu Passarinho. O deputado analisa, ainda, que a lentidão na votação esteja associada ao lobby exercido pelos cartórios.

"Lógico que tem [influência do lobby sobre parlamentares], é invisível, mas lógico que tem. Em todo projeto que mexe com alguma coisa na vida do cartório, há um lobby na Casa muito grande. Aí você vê a quantidade de relatores. Quando pega um tema desses que mexe no setor e o cartório é um desses bem sensíveis, chove relator", comentou.

Apesar da atuação dos cartórios, Passarinho acredita na aprovação de ambas as matérias, a despeito de ser um ano eleitoral. "Pode ter dificuldade de um lobby específico, mas não há coisa de partido, de oposição. Tanto oposição quanto governo querem simplificar. Não é uma pauta de governo, não seria uma vitória do governo, seria uma vitória da sociedade. E o Parlamento participa disso, pode pegar os projetos e aperfeiçoar", avaliou.

Outros parlamentares também acreditam nas chances de aprovação neste semestre, antes do recesso parlamentar. "Tem tudo para avançar. São projetos de ganha-ganha para todo mundo, não tem o que reclamar. Não tem motivos para não andar, tanto nas garantias quanto no sistema eletrônico do serviço público, porque não faz sentido manter os cartórios no período colonial com reservas de mercado, gente que geralmente dificulta muito o custo Brasil e todo esse tipo de coisa", disse Fonteyne à Gazeta do Povo.

Presidente da Frente Parlamentar Mista pelo Brasil Competitivo, o deputado do Novo acredita que a janela partidária atrasou o debate político para a escolha dos relatores, mas entende que mesmo o lobby dos cartórios pode ser superado. "Eu acho que vai ter lobby de cartórios menores, porque quem é grande sabe que, com a digitalização, ganha muito mais em escala. E outra, se jogar a opinião pública nesse debate, não tem como não votar", sustentou Fonteyne.

O deputado federal Júlio Cesar viajou a Brasília na quarta-feira (6) para uma reunião com Lira no intuito de pedir a relatoria do PL 4188 em plenário. Ele tem um parecer pronto para tramitar na Comissão de Finanças e Tributação. "Eu vou me articular para esse ser o projeto o mais moderno do Brasil de todos os tempos. Eu já sou o relator, todos querem meu relatório, é uma matéria de grande projeção", disse.

Governo acena a líderes e espera apoio para superar o lobby dos cartórios

No almoço com os deputados na terça-feira, Daniella Marques ajustou sua fala ao analisar as dificuldades políticas que atrasam a tramitação das duas propostas. Em determinado momento, ela disse que a janela partidária gerou uma "distração muito grande".

A secretária especial de Produtividade e Competitividade também falou em "inércia" e "pouca gente se movimentando e ajudando" a avançar as pautas, ao relatar ter ouvido do presidente da FPE, deputado Marco Bertaiolli (PSD-SP), que a MP 1085 poderia caducar.

A deputada Angela Amin chegou a dizer à técnica da equipe econômica que "questionar uma Casa política não avança no diálogo" e, em resposta, Daniella disse que respeita o "tempo da política". Ao fim da reunião, a secretária disse não identificar "dificuldade política relevante" e reforçou sua confiança pelas aprovações.

A secretária procurou elogiar líderes partidários e lideranças políticas e admitiu que alguns deles se candidataram para relatar a MP 1085, como o deputado Wellington Roberto (PL-PB), ex-líder do PL, o que ela identifica ser um movimento para facilitar a articulação do acordo de votação.

"Eu vejo o governo muito empenhado na pauta como um todo, não só no ministério [da Economia], vejo o presidente Lira e líderes muito empenhados e temos o apoio maciço do setor produtivo. Não vejo por que não sair, é o tempo da política mesmo", disse Daniella. "O próprio presidente Lira tem apontado que essa pauta é essencial", complementou.

A reunião serviu para o governo posicionar os parlamentares sobre seus esforços para tramitar as matérias e pedir ajuda. Segundo Daniella, a equipe econômica chegou a um acordo não só com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), mas também com o apoio de parte do setor cartorial.

"Existe alguma resistência de quem defende cartório pequeno, mas uma vez que esses deputados não sejam os relatores, a gente tem uma boa parte do caminho [para avançar] porque é o tipo de medida que não tem custo político", ponderou Daniella. "Temos muita resistência de quem defende os sistemas cartoriais dentro do Congresso, vocês sabem, por isso precisamos de apoio da frente", acrescentou.

O secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Pedro Calhman, endossa e diz que as propostas foram construídas não apenas com "diálogo amplo" com as associações cartoriais, mas também com o sistema cartorial. "É bem verdade que parte do sistema de cartórios é contra, mas não é uma coisa monolítica", destacou.

"Vários institutos e colégios do sistema de cartórios participaram da construção do projeto [MP 1085] porque entendem que essa é uma modernização absolutamente necessária", disse. "Há uma parte do sistema que entende ser necessária a modernização", complementou Calhman.

A despeito da afirmação da equipe econômica de que os bancos apoiam as propostas, as instituições financeiras deram sinais de resistência até o início de março, segundo apurou a Gazeta do Povo. Nos bastidores, é dito que as cúpulas de alguns dos principais bancos criticaram a redação atual pela forma disruptiva como abre o mercado e permite a inserção de novas fintechs e as Instituições Gerenciadoras de Garantias (IGGs).

A concentração de mercado nas mãos dos cinco principais bancos do país está em desaceleração, mas segue elevada. Em 2017, os cinco principais bancos detinham cerca de 85,8% do mercado de crédito. Em 2020, a fatia caiu para 81,8%. No atual cenário, os grandes bancos ditam o ritmo do mercado, enquanto projeções sugerem que, com o mercado de garantias, créditos poderiam ser operados com taxas mais baixas.

O marco de garantias também quebra o monopólio do penhor civil da Caixa Econômica Federal, situação que não agradou ao banco estatal.

Como a agenda pode abrir espaço a crédito entre R$ 800 bilhões e R$ 10 trilhões

A agenda do marco de garantias permite, na avaliação do governo, uma injeção superior a R$ 800 bilhões ao mercado de crédito. A possibilidade de contratação de novos empréstimos com uma garantia já atrelada a uma oferta de crédito com menos burocracia e fortalecimento das garantias pelo Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (Serp) gera a perspectiva de um mercado trilionário, afirma o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Pedro Calhman.

"Hoje, a carteira de crédito com garantias imobiliárias é de cerca de R$ 800 bilhões. Porém, o mercado potencial é muito maior, visto que o valor total de propriedades urbanas residenciais é estimado em R$ 10 trilhões. Portanto, percebe-se que há muito espaço para aumentar a oferta de crédito com garantias imobiliárias. Se a maior eficiência e segurança na garantia imobiliária que o projeto traz resultar em dobrar a carteira de crédito com garantia imobiliária, já estaríamos falando em mais R$ 800 bilhões de crédito", disse o secretário de Política Econômica à Gazeta do Povo.

Para ampliar o mercado de crédito, Calhman aponta que o Serp será muito importante não apenas para as garantias imóveis, mas também para as móveis. Dados do Banco Mundial apontam que 73% dos bens aceitos como garantia são imóveis, enquanto apenas 27% são móveis.

"As garantias imóveis têm um sistema de registro pouco mais simples de usar, dá mais segurança. A garantia móvel hoje tem uma insegurança enorme, são 3 mil cartórios de todos os tipos e têm uma dificuldade de saber, de fato, se a garantia já foi utilizada, se já foi registrada em outro lugar", comentou na reunião com os parlamentares.

A centralização nacional das informações e garantias em uma única plataforma é um dos principais pilares do Serp. Ele também propõe a adequação dos registros da economia local para um modelo global e aprimora o ambiente de negócios.

O sistema também prevê uma série de possibilidades, como:

  • utilização de extratos eletrônicos (dados estruturados, troca da imagem pela informação);
  • interconexão e interoperabilidade entre as serventias;
  • atendimento remoto ao usuário;
  • intercâmbio de documentos e títulos;
  • visualização eletrônica dos atos;
  • intercâmbio de documentos com o Poder Público, com instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central e com o público em geral;
  • armazenamento de documentos de apoio;
  • divulgação de índices e estatísticas;
  • consultas às indisponibilidades, restrições e gravames incidentes sobre bens registrados ou averbados nos registros públicos; e
  • utilização de assinatura eletrônica avançada ou qualificada.

"O sistema não gera nenhum custo adicional aos usuários e tem grande mérito da redução de custo e do tempo gasto, inclusive com deslocamento, porque simplifica processos", destacou Calhman. "Hoje, tem cartórios que só aceitam pagamento em dinheiro, por exemplo. Todo cartório tem que aceitar pagamentos eletrônicos e meios, como cartão de débito", complementou.

Hoje, sem as Instituições Gerenciadoras de Garantias (IGGs) e o Serp, o consumidor enfrenta a tradicional burocracia com cartórios e não pode usar um bem em alienação fiduciária para tomar um novo empréstimo. Tampouco pode fracionar a garantia e compartilhar a alienação fiduciária.

Com os projetos aprovados, ele poderá utilizar o bem em alienação fiduciária para uma nova operação e terá acesso a melhores taxas de juros com a ampliação da concorrência no sistema financeiro. A operação será mais célere na medida em que a oferta de crédito com garantias imobiliárias já estiver avaliada e alienada à uma IGG.

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