O impasse nas negociações entre categorias do funcionalismo público e o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixa um rastro de prejuízos ao setor produtivo, prejudicado por atrasos nos serviços prestados. Desde o início do ano, servidores de 11 agências reguladoras e de três órgãos ambientais têm sentado à mesa de negociações com o Ministério da Gestão e Inovação (MGI) em busca de recomposição salarial e de um plano de reestruturação de carreiras.
Ambos os movimentos denunciam o sucateamento dos órgãos e a falta de pessoal devido à evasão de profissionais qualificados. Os servidores do meio ambiente entraram em greve em junho. Os das agências reguladoras fizeram uma paralisação de 48 horas recentemente, e planejam outra, de 72 horas, para a próxima semana.
Agências reguladoras farão nova paralisação na próxima semana
No caso das agências reguladoras, responsáveis pela regulação e fiscalização de atividades responsáveis por 60% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, o movimento começou em maio e caminha para sua segunda paralisação por tempo determinado.
Os servidores querem reajuste de 45,35% como reposição da inflação do período entre janeiro de 2017 e junho de 2024, e a equiparação das carreiras das agências aos demais servidores federais, enquadrados no chamado Ciclo de Gestão.
Sem avanço nas tratativas, desde maio os servidores tem adotado uma operação-padrão, com a liberação documentos, como guias de exportação ou contratos, apenas no último dia de vencimento.
Intensificando o movimento, uma paralisação nacional de 48 horas, entre os dias 31 de julho e 1.º de agosto, contou com protestos em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Em Brasília, a manifestação contou com o Zé Gotinha, em alusão ao trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em contrapartida, o MGI ofereceu reajuste de até 21,4% para os cargos de carreira e até 13,4% para o Plano Especial de Cargos (PEC), em duas parcelas, uma em janeiro de 2025 e a outra em abril de 2026.
Não foi suficiente. Em assembleia na quarta-feira (7), os servidores rejeitaram a proposta e aprovaram uma nova paralisação geral de 72h para a semana que vem, de segunda (12) a quarta-feira (14). A próxima mesa de negociação está marcada para terça (13).
“[A proposta do governo] não corresponde aos anseios da regulação federal e não alcança nenhum item da pauta não-remuneratória e de fortalecimento das agências”, diz Fábio Rosa, presidente do o Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências).
Procurado, o MGI não quis se pronunciar.
Anvisa está no centro das preocupações
Os prejuízos podem ser estratosféricos. Uma estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, com base no histórico de paralisações dos últimos 20 anos das agências, prevê que uma interrupção de 30 dias dos serviços geraria um impacto gradual na atividade econômica na casa dos R$ 2,43 bilhões.
O foco maior está nos setores ligados ao comércio exterior. O atraso compromete as importações de todos os itens sujeitos a fiscalização, que incluem remédios, celulares, petróleo, veículos e brinquedos.
"As paralisações geram um efeito bola de neve, já que praticamente todo produto vendido no Brasil possui uma parte importada, seja na matéria-prima, na tecnologia ou na transformação", afirma o especialista em comércio exterior Jackson Campos.
No centro das preocupações está a Anvisa, responsável pela fiscalização e aprovação de novos medicamentos que repesentam 20% do PIB. A direção da agência tem pressionado pela solução por meio de ofícios ao MGI.
A indústria farmacêutica já ligou o sinal de alerta e também pressiona por uma solução.
Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), afirma que os atrasos têm gerado prejuízos e teme desabastecimento.
“Todas as empresas dependem da Anvisa para a liberação dos da sua matéria-prima”, explica. “Mais de 95% dos insumos da indústria farmacêutica são importados, sobretudo da Ásia.”
Com a operação-padrão, destaca Mussolini, a média de liberação de guias de importação, normalmente de 15 por dia, caiu para 3. “Isso vem desde maio. Até agosto, já deveriam ter sido emitidas mais de 900 guias, mas foram apenas 180”, diz. “Gera custos de armazenamento para as indústrias, atrasa a produção e pode comprometer o abastecimento de remédios, se a greve se estender.”
Greve de agências reguladoras prejudica petróleo, mineração e portos
O temor é grande também no setor de petróleo e gás. O diretor executivo da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), Rodolfo Henrique de Saboia, disse ao site NeoFeed que uma greve das agências compromete tanto a liberação de guias de importação de combustível como a fiscalização dos postos de gasolina.
O setor portuário, regulado pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), prevê atraso dos processos burocráticos – que sem a greve já colocam o país na 105.ª posição em eficiência de serviços portuários no mundo.
Paulo Villa, diretor executivo da Associação dos Usuários de Terminais Portuários da Bahia, alerta para a importância do trabalho da agência para promover a competitividade do setor. Apesar de ser a nona economia do mundo, o país ocupa apenas o 17.º lugar em movimentação de carga conteinerizada.
“É necessária uma reestruturação das carreiras para que a Antaq se concentre em atividades de regulação capazes de atrair mais investimentos no setor”, diz Villa.
Alexandre Vidigal, do Caputo, Bastos e Serra Advogados, diz que as agências se consolidaram ao longo dos mais de 20 de sua criação e hoje têm a vantagem de ter autonomia administrativa e financeira, estando mais blindada de influências políticas. “Não são mais um ‘cabidaço’ de empregos”, diz Vidigal, que foi secretário do Ministério de Minas e Energia no governo de Jair Bolsonaro (PL).
Apesar disso, e mesmo que as agências tenham conseguido ampliar suas receitas nas leis orçamentárias anuais, os recursos não têm sido suficientes para afastar o sucateamento de algumas áreas, “principalmente de corpo técnico qualificado”.
“O ‘cobertor’ é curto”, diz Vidigal. “Você tem agências que estão absolutamente deterioradas, como por exemplo a Agência Nacional de Mineração (ANM), sem pessoal para toda a fiscalização necessária no país.”
Greve de órgãos ambientais pode chegar ao fim
Na outra ponta, a greve dos órgãos ambientais, iniciada em 24 de junho, deve chegar ao fim sem avanço na pauta de reivindicações e deixando um rastro de prejuízos pela interrupção de licenças, fiscalização e projetos de conservação.
Na última rodada de negociações, na terça-feira (6), o MGI apresentou uma proposta “atendendo muito pouco” ao pleito dos servidores, segundo Cleberson "Binho" Zavaski, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema).
“A proposta deverá ser aceita em assembleias nos estados, porque os servidores não têm como ficar com o ponto cortado, sem receber salário”, afirmou Zavaski. “Mas o movimento vai continuar porque o MGI não aceitou o principal, que é a nossa pauta não remuneratória.”
Os servidores pedem reestruturação de carreira e equiparação dos salários de três órgãos ambientais aos da Agência Nacional das Águas (Ana).
A paralisação começou após mais de oito meses de negociações infrutíferas com o governo federal e englobou servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Serviço Florestal Brasileiro e do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Em julho, uma decisão judicial já havia determinado a retomada as atividades desempenhadas pelos servidores do Ibama e do ICMBio, como licenciamento ambiental, gestão de unidades de conservação, resgate e reabilitação da fauna, controle e prevenção de incêndios florestais e emergências ambientais, consideradas essenciais.
Atraso em licenças reduziu produção, diz setor de petróleo
O setor de óleo e gás foi o mais afetado pelo atraso na emissão de licenças de perfuração e operação, resultando em redução na produção de petróleo.
Segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Petroleo (IBP), a produção caiu 200 mil barris por dia em razão da paralisação do IBAMA, o que equivale a um prejuízo mensal aproximado de US$ 500 milhões. A produção atual do país foi de 3,4 milhões de barris diários em junho, segundo o dado mais recente da ANP.
Os movimentou também atrasou projetos de infraestrutura, alguns ligados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), agricultura e mineração.
Também reduziu a capacidade de monitorar e combater atividades ilegais como desmatamento e garimpo e interrompeu iniciativas de proteção de áreas naturais e espécies ameaçadas.
“Este governo demonstrou que, ao contrário do discurso, não tem o meio ambiente na sua agenda de prioridades”, afirmou Zavaski.
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