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O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz estar "bastante frustrado" com a dificuldade em fazer andar as privatizações de estatais.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz estar bastante frustrado com a dificuldade em fazer andar as privatizações de estatais.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O ministro da Economia, Paulo Guedes, confessou estar “bastante frustrado” por não ter conseguido vender nenhuma estatal em dois anos de governo. Ele jogou a culpa principalmente no Congresso ao dizer que "acordos políticos de centro-esquerda" barram as privatizações, mas também reconheceu que o programa não "andou direito" por questões dentro do próprio governo. E defendeu a recomposição da base parlamentar para conseguir marcar pelo menos um "gol", analogia que usou para se referir à venda de uma grande empresa em 2021.

Mas, afinal, de quem é a culpa? Por que a agenda de privatizações não anda? O histórico recente mostra que, realmente, governo e Congresso têm suas parcelas – maiores ou menores – de responsabilidade, como pontuou o ministro.

"As privatizações não andaram, e eu estou convencido hoje porque havia um acordo político de centro-esquerda para não pautar. E dentro do governo também havia alguma resistência. Todo ministro gosta de uma empresa que está embaixo do ministério dele", relatou Guedes durante evento online da Câmara Internacional de Comércio na última segunda-feira (23).

O governo Bolsonaro começou o mandato com 46 estatais de controle da União e vai terminar 2020 com 46 estatais de controle direto da União. Em quase dois anos, o Ministério da Economia conseguiu apenas concluir duas liquidações (fechamentos) iniciadas na gestão Temer. Outras liquidações e as primeiras privatizações estão previstas só para 2021 – depois de já terem sido adiadas de 2019 para 2020.

Guedes e seu braço-direito escolhido para comandar o processo de privatizações – o ex-secretário Salim Mattar – chegaram ao governo mostrando desconhecimento do processo de privatização. Eles prometeram anunciar em 50 dias de mandato uma lista de empresas a serem vendidas, o que acabou não acontecendo, já que a burocracia de venda de uma estatal depende de uma série de decisões e processos internos e, por vezes, da aprovação do Congresso. Mesmo que tivessem apresentado, não passaria de uma lista de intenções.

Boa parte dos ministérios não quer vender suas estatais

O primeiro ano do governo foi gasto com o mapeamento da situação das estatais e o convencimento interno da importância das privatizações. Guedes e Mattar enfrentaram resistências de boa parte da Esplanada quando manifestaram o desejo de vender diversas estatais.

A desavença pública mais notória foi com o ministro Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia e Inovações), que tinha sob seu guarda-chuva seis estatais e não queria vender nenhuma. É preciso o aval da pasta responsável pela estatal para a privatização ir adiante.

Ainda assim, o governo conseguiu incluir 11 empresas no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), uma espécie de primeira fase das privatizações. É nessa etapa que é avaliada a necessidade de venda ou fechamento da estatal. Uma vez concluído que a privatização é mesmo necessária, a empresa vai para o Programa Nacional de Desestatizações (PND), em que começa o trâmite em si.

O governo também enviou ao Congresso o projeto de lei que autoriza a privatização da Eletrobras. Mas o texto só chegou à Câmara em novembro de 2019, após longos meses de discussão entre os Ministérios da Economia e de Minas e Energia, que discordavam de aspectos sobre a forma que a estatal deveria ir à venda. O projeto do governo Temer, que também previa a privatização da companhia de energia, foi ignorado e o processo recomeçou do zero.

Governo começou 2020 otimista, mas pandemia freou privatizações

Em 2020, o governo começou otimista. O Conselho do PPI divulgou em fevereiro um calendário prevendo 11 privatizações e liquidações até 2022. Eram todas empresas que já estavam no Programa Nacional de Desestatização e que não precisavam de autorização legislativa para serem privatizadas. A lista poderia crescer para 16, assim que autorizações legislativas fossem dadas nos casos necessários e que os estudos do PPI para algumas estatais avançassem.

Mas a pandemia pegou o mundo de surpresa e interrompeu os trabalhos. O projeto de privatização da Eletrobras ficou parado na gaveta do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. E o governo só conseguiu andar com alguns estudos de privatização. A promessa agora é colocar em pé esse calendário, com algumas modificações, a partir de 2021.

Burocracia também dificulta o avanço

Guedes continua defendendo que o governo acelere o processo de privatizações. Mas, sem mudar a legislação, isso é impossível. O ex-secretário Salim Mattar até chegou a esboçar um “fast track” das privatizações, um projeto que previa o corte de etapas para, assim, acelerar a venda de estatais. Mas a ideia nem sequer saiu do Ministério da Economia.

Em média, leva-se de um ano e meio a dois para vender ou liquidar uma estatal de controle direto. Somente a venda de subsidiárias (estatais que pertencem a outras estatais) é mais rápido.

Para privatizar uma estatal o governo precisa, primeiro, decidir internamente se quer vendê-la. Se há interesse, o nome da empresa é levado para deliberação do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI). Esse conselho é presidido por Guedes e composto por alguns outros ministros e os presidentes da Caixa, Banco do Brasil e BNDES.

Cabe ao CPPI recomendar a inclusão de uma estatal no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) ou no Programa Nacional de Desestatização (PND). Normalmente, a decisão é incluir a empresa primeiro no PPI, para estudar se a privatização é mesmo o melhor caminho. Caso a resposta seja sim, o CPPI recomenda que o presidente assine um decreto incluindo a estatal no PND. Assim, começam os trâmites para a venda.

Esses trâmites incluem estudos de modelagem e de viabilidade econômico-financeira, consultas públicas, road show (apresentações a investidores), aval do Tribunal de Contas da União (TCU) e publicação do edital em si.

O processo fica ainda mais demorado quando uma estatal precisa do aval do Congresso para ser vendida, ou quando é necessária autorização legislativa para quebrar um monopólio previsto em lei. Neste caso, antes de incluir a empresa no PND, o governo precisa da aprovação dos parlamentares, o que depende das negociações políticas.

Quatro grandes privatizações: sonho ou realidade?

Ainda assim, Guedes segue sonhando em fazer quatro grandes privatizações: Correios, Eletrobras, Porto de Santos e PPSA (estatal do pré-sal). Mas ele mesmo admitiu, em evento no dia 10, que já será uma vitória – por um a zero – se o novo secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados, Diogo Mac Cord, consiga vender ao menos uma empresa.

"Quem sabe ele aguenta o tranco e vai conseguir entregar mais. Ele só tem que fazer um gol para ganhar, porque, na outra [gestão Mattar, de janeiro de 2019 a julho de 2020], não fizemos nada", lamentou o ministro.

Conforme mostrou a Gazeta do Povo, o governo tem apostado as suas fichas nos Correios em 2021. A estatal é uma das maiores do país e a privatização do setor postal pode deixar uma marca similar à privatização da telefonia no fim dos anos 1990, avalia o Ministério da Economia. O projeto que autoriza a venda deve chegar ao Congresso neste mês ou em dezembro. Os estudos estão em andamento, a cargo de uma consultoria contratada pelo BNDES.

O projeto da Eletrobras, por sua vez, está emperrado no Congresso e sua evolução ainda é uma incógnita. A privatização da PPSA enfrenta resistências no Ministério de Minas e Energia e pode acabar nem saindo. O processo do Porto de Santos está andando, mas deve ficar para 2022, segundo calendário do BNDES.

Impasses políticos

Para Guedes, o maior empecilho às grandes privatizações, como da Eletrobras e dos Correios, que dependem do aval do Congresso, são os “acordos políticos” de centro-esquerda para barrar as propostas. Nos últimos dois meses, o ministro citou publicamente várias vezes a existência desse “complô” contra a agenda do governo. Em uma das ocasiões, chegou a citar que Maia fazia parte do acordo, o que foi rechaçado pelo presidente da Câmara.

“Somos um governo de centro-direita, ganhamos as eleições dizendo que vamos transformar o Estado brasileiro, que vamos privatizar. Como é que pode ter um acordo político que impede as privatizações?", questionou Guedes ao participar de premiação realizada pela revista Exame no dia 18 deste mês.

“Tem acordo político na Câmara e no Senado que não deixa privatizar. Que história é essa? Precisamos recompor o eixo político para fazer a privatizações prometidas desde a campanha", afirmou no dia 10, em evento promovido pela Controladoria-Geral da União (CGU). “Não há razão para interditar as privatizações”, disse em 30 de setembro, numa direta a Maia.

O Congresso é realmente uma pedra do sapato do governo quando o assunto é privatização. O projeto da Eletrobras é um exemplo. Temer tentou privatizá-la, não conseguiu. Bolsonaro também, mas a matéria até o momento nem sequer começou a tramitar. Maia avisou que só colocará para rodar quando o governo chegar a um acordo com o Senado. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que o texto, da forma que está, não passa na Casa.

A Casa da Moeda, uma estatal que Guedes e Salim queriam vender, também foi brecada pelo Congresso. O governo enviou em 2019 uma medida provisória prevendo a quebra do monopólio na produção de moeda e papel-moeda, mas o texto caducou por decisão dos parlamentares. Depois, o próprio presidente Bolsonaro decidiu que era melhor não privatizar a empresa.

Sobre as resistências internas, Guedes disse em evento recente que elas estão superadas. "Alguns ministros nossos, no início, não compreenderam a importância do programa de privatizações para derrubar a dívida/PIB. Agora todo mundo entendeu a importância crucial da privatização", relatou no dia 23 de novembro, em evento promovido pela Câmara Internacional de Comércio.

Decisões do STF também dificultaram a venda de estatais

Decisões de ministros e do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) também dificultaram a privatização de estatais.

Em junho de 2018, ainda no governo Temer, liminar do ministro Ricardo Lewandowski determinou que a venda do controle acionário de empresas públicas, sociedades de economia mista e de suas subsidiárias ou controladas exige prévia autorização legislativa. Ou seja, que o governo precisaria de autorização do Congresso para privatizar toda e qualquer estatal. A decisão prejudicou principalmente o processo de desinvestimento da Petrobras, que já estava em curso.

Quase um ano depois, ao analisar a questão, já no governo Bolsonaro, o plenário do STF derrubou parte da liminar de Lewandowski ao definir que a privatização de subsidiárias não exige aval do Legislativo. Porém, confirmou que a venda de "empresas-mãe", isto é, as controladoras, exige a autorização do Congresso. Dessa forma, o governo precisa da aprovação dos parlamentares para – por exemplo – passar a Eletrobras ou os Correios à iniciativa privada.

No mês passado, o STF voltou a tratar de privatizações e autorizou estatais a criarem subsidiárias com a finalidade de vender parte de seus ativos. O Supremo havia sido provocado pelo Congresso, que tentava barrar essa prática. Com isso, a Petrobras – cujo programa de desinvestimento estava em julgamento – ficou livre para prosseguir com o plano de se desfazer de algumas refinarias sem a necessidade de autorização do Congresso.

Lista de estatais não privatizáveis só aumenta

Diante de todas as dificuldades e resistências internas e externas, a lista de estatais que não serão privatizadas só cresce.

São elas: Amazul, Banco da Amazônia, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, BNDES, Caixa Econômica Federal, CPRM, Casa da Moeda, EBC, Emgepron, INB e Petrobras.

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