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Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fala em “aproximar nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo”. Seus projetos miram empresas, ricos e apostadores.
Fernando Haddad, ministro da Fazenda, fala em “aproximar nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo”. Seus projetos miram empresas, ricos e apostadores.| Foto: André Borges/EFE

A dois dias do prazo para apresentar a proposta de Orçamento de 2024, o governo federal conta com uma série de medidas incertas para zerar o déficit primário no ano que vem. Ao todo, seis propostas para elevar a arrecadação ainda dependem de aprovação pelo Congresso Nacional, onde enfrentam maior ou menor grau de resistência dos parlamentares.

Para atingir a meta de resultado primário neutro em 2024, o governo precisa contratar uma receita adicional de cerca de R$ 130 bilhões. Na semana passada, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), disse ao jornal “O Globo” que, caso todas as propostas sejam aprovadas pelo Legislativo, a receita da União, antes das transferências para estados e municípios, pode ser incrementada em R$ 205 bilhões.

“Se trabalharmos de mão dupla na aprovação dessas matérias, pelos meus dados teremos uma folga muito maior do que a previsão inicial do ministro Haddad”, afirmou.

Analistas econômicos do mercado financeiro, no entanto, são céticos em relação ao cumprimento da meta fiscal. Segundo o último boletim Focus divulgado pelo Banco Central (BC), a mediana de projeções é de déficit primário equivalente a 0,75% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024.

Enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) projeta superávit primário a partir de 2025, para os agentes consultados pelo BC, a União só teria contas no azul a partir de 2028.

Sem uma base majoritária na Câmara, o governo já se via na necessidade de negociar cargos com partidos independentes para costurar apoios que garantissem a aprovação de projetos de seu interesse. Após desencadear uma crise na relação com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, viu as chances de aprovação integral de seu pacote de ajuste fiscal se tornarem ainda mais desafiadoras.

Haddad contava, por exemplo, com a conversão em lei da medida provisória (MP) que instituía a tributação sobre rendimentos em aplicações financeiras no exterior, as chamadas offshores. Com a iniciativa, o governo previa recolher exatamente os R$ 3,2 bilhões necessários para compensar o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), em vigor desde 1.º de maio.

Embora produza efeitos imediatos, para se tornar lei de fato, uma MP precisa ser aprovada por uma comissão legislativa mista, formada por deputados e senadores, e, na sequência, pelos plenários da Câmara e do Senado, em um prazo de até 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Caso contrário, o texto caduca e perde sua validade.

Lira barrou o avanço da proposta, e a MP caducou, obrigando o governo a arranjar outra forma de compensar o rombo de R$ 3,2 bilhões e ao mesmo tempo propor a tributação de offshores por meio de projeto de lei (PL).

Nesta segunda-feira (28), foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) medida provisória (MP) que passa a tributar de maneira periódica, por meio do chamado “come-cotas”, fundos de investimento fechados, que até agora só recolhiam Imposto de Renda (IR) no momento do resgate de recursos ou quando eram encerrados.

Embora a regra passe a valer apenas no ano que vem, a MP também permite a antecipação voluntária de IR, com alíquota reduzida, sobre o ganho acumulado nos fundos – o que, na visão do governo, deve garantir os R$ 3,2 bilhões para compensar as perdas com o IRPF já neste ano.

Para que essa MP seja convertida em lei, no entanto, o governo ainda vai precisar negociar com o Parlamento, que tende a modificar o texto. Ainda em julho, Lira já se mostrava refratário a uma discussão sobre taxação de fundos exclusivos neste momento.

“O governo iniciar uma discussão sobre a renda, a taxação de offshore, de fundos, disso e daquilo outro no meio da reforma tributária, isso pode atrapalhar o ambiente. Vamos tratando de matar um leão por vez e não matar o mesmo leão todos os dias”, afirmou em um almoço promovido pelo grupo Lide, em São Paulo.

Na segunda-feira, Haddad disse que as medidas de taxação de offshores e de fundos fechados, que atingem os chamados “super-ricos”, são inspiradas em modelos de países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Europa, além de vizinhos mais desenvolvidos, como Chile e Colômbia, e os Estados Unidos.

“Muitas vezes eu vejo isso ser tratado na imprensa como uma espécie de ‘ação Robin Hood’, de uma revanche, e não é nada disso. Não é absolutamente nada disso. O que nós estamos levando à consideração do Congresso é aproximar o nosso sistema tributário do que tem de mais avançado no mundo”, disse Haddad.

Entre as propostas do governo que dependem da aprovação dos congressistas, a mais avançada é a que devolve ao Fisco o voto de desempate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Após muita negociação, o projeto de lei já foi aprovado na Câmara e passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A previsão é que seja votado no plenário da Casa revisora ainda esta semana.

Outro projeto que parece tramitar com menor dificuldade é o que regulamenta apostas esportivas eletrônicas. Na última sexta-feira (25), Lira nomeou o deputado Adolfo Viana (PSDB-BA) como relator da matéria. A Fazenda estima que a medida possa render R$ 2 bilhões de arrecadação adicional em 2024.

O governo ainda deve apresentar uma MP para tratar da tributação de benefícios fiscais concedidos por estados no ICMS. Em abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu pela legitimidade da cobrança de IRPJ e CSLL sobre esses incentivos quando o subsídio for utilizado para custeio das empresas.

A MP deve regulamentar a questão para garantir a arrecadação, além de abrir transação tributária – um tipo de renegociação – para débitos antigos. Segundo Haddad, o impacto estimado da medida estaria na casa de R$ 90 bilhões, embora analistas considerem a projeção exagerada.

O ministro também já falou que proporá o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma forma de distribuição de lucros entre acionistas que pode ser tratada como despesa no resultado da empresa. Hoje, esse mecanismo, que existe apenas no Brasil, é utilizado pelas companhias para reduzir a base de incidência do IRPJ e da CSLL.

Medidas propostas pelo governo para elevar arrecadação e que dependem aprovação do Congresso

Novo marco legal de preços de transferência

  • O que é: MP editada ainda na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e defendida pelo atual governo regula o pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) nas operações de multinacionais com suas filiais no exterior.
  • Status: já aprovado
  • Potencial de arrecadação: R$ 25 bilhões

Tributação de apostas esportivas eletrônicas

Voto de qualidade no Carf

  • O que é: PL devolve ao governo o voto de minerva no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), instância administrativa de contencioso tributário. Hoje, o desempate é decidido por representante dos contribuintes.
  • Status: PL aprovado na Câmara. Deve ser votado no Senado nesta semana
  • Potencial de arrecadação: R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões

Imposto sobre rendimentos em offshores

Fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP)

  • O que é: Governo quer extinguir mecanismo que hoje permite a distribuição de lucros a acionistas sem a incidência de imposto para as empresas. Segundo Haddad, empresas tem utilizado a modalidade para deixar de recolher IRPJ e CSLL.
  • Status: PL ainda não apresentado
  • Potencial de arrecadação: R$ 6 bilhões

Tributação periódica de fundos fechados

IRPJ e CSLL sobre subvenção de custeio com ICMS

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