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O IGP-M, indicador de inflação usado para reajustar aluguel, disparou
O IGP-M, indicador de inflação usado para reajustar aluguéis, disparou.| Foto: Jonathan Campos/Arquivo/Gazeta do Povo

Muito influenciado pelo dólar e o preço das commodities, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) disparou nos últimos meses. Apesar da desaceleração em outubro (quando subiu 3,23%, abaixo dos 4,34% de setembro), o acumulado em 12 meses voltou a avançar com força, passando dos 17,94% apurados no mês passado para praticamente 21% agora – mais precisamente, 20,93%. Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (29) pela Fundação Getulio Vargas (FGV).

O avanço é tão acelerado que o mercado tem feito ajustes significativos em suas projeções. A expectativa mediana para o IGP-M ao fim de 2020, que era de 15,64% há quatro semanas, chegou a 17,15% na semana passada e a 19,72% no último boletim Focus, divulgado pelo Banco Central na segunda-feira (26).

Se confirmada a previsão mais recente, essa será a maior variação anual desde 2002, quando o IGP-M fechou o ano com alta de 25,3%, muito influenciado pela disparada do dólar durante as eleições. No ano passado, a variação foi de 7,3%.

A alta está bastante descolada do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), a inflação "oficial" que baliza as metas do Banco Central, que em setembro acumulava alta de 3,14% em 12 meses.

O IGP-M também supera com folga a variação do INPC (o Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que reflete a inflação para as famílias com renda de até cinco salários mínimos e serve de referência para boa parte das negociações salariais no mercado de trabalho formal. Em 12 meses, o INPC acumula alta de 3,89%.

O problema é que esse descolamento pode acabar estourando no valor do aluguel, com aumentos proibitivos para os inquilinos. Isso porque boa parte dos contratos de locação são reajustados, na data de aniversário, pelo IGP-M acumulado em 12 meses.

A questão é que, em ano de crise por causa da pandemia da Covid-19, muita gente teve a renda afetada pela diminuição da atividade econômica e desemprego. Além disso, os aumentos salariais não acompanharam a alta.

Assim como no início da pandemia, em que muitos inquilinos e proprietários renegociaram contratos, o momento de alta do IGP-M é mais um em que as duas partes podem voltar a buscar um novo acordo para suavizar eventuais repasses.

Se para os proprietários pode haver margem para pedir uma correção mais generosa por causa de possíveis concessões já feitas neste ano, do lado do inquilino há o peso de um mercado com demanda menos aquecida que pode neutralizar o reajuste.

Por que o IGP-M corrige o aluguel

O IGP-M é um indicador inflacionário calculado a partir de outros três índices:

  • Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA): mede a inflação na porta da fábrica, da indústria e do agronegócio e representa 60% do IGP. Está muito influenciado por matérias-primas brutas, como grãos (soja, milho, trigo) e minério de ferro. O custo desses produtos – que também incluem alimentos da cesta básica – tem 29,14% de alta acumulada nos último 12 meses;
  • Índice de Preços ao Consumidor (IPC): a inflação das famílias e representa 30% do IGP. Ele está acumulado em 3,88% nos últimos 12 meses;
  • Índice Nacional de Custo da Construção (INCC): é a inflação para a construção civil e representa 10% do IGP. Nos últimos 12 meses, ele está acumulado em 6,64%.

Mas qual o sentido de usar um índice tão influenciado por dólar e commodities na correção do aluguel? Trata-se de uma questão histórica, diz Frederico Lourenço, sócio-coordenador do Departamento de Contencioso e Arbitragem da Andersen Ballão Advocacia.

“Os contratos específicos de aluguel tem cláusulas de estilo que vão se perpetuando, e uma delas é a aplicação do IGP-M. ainda que não reflita a condição e a volatilidade do valor de mercado da locação”, diz.

Para André Braz, coordenador do IPC e do IGP-M do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), ele não é o melhor indicador para isso. O economista lembra que dentro da pesquisa do IPC há um item de aluguel residencial, justamente para mensurar quanto os inquilinos estão pagando de reajuste mês a mês. “Essa pesquisa mostra que, em 12 meses, o aumento médio dos alugueis está em torno de 3%, que é muito diferente do resultado do IGP acumulado”, diz.

Ainda que o IGP-M esteja citado nos contratos, repassar um reajuste com esse peso para o valor do aluguel pode resultar na perda do inquilino. “Nesse momento, está muito difícil para a maioria dos inquilinos pagar um reajuste dessa magnitude, porque os salários não estão sendo reajustados pelo IGP”, aponta.

Braz avalia que, ainda que o IGP-M seja o indexador do aluguel, ele não está orientando o mercado imobiliário neste momento por causa do descolamento em relação à realidade salarial das famílias.

“Muitas famílias foram surpreendidas pelo desemprego e estão com sua capacidade de pagamento reduzida. Para o proprietário, vale mais a pena manter o imóvel alugado, tendo um aluguel a receber, do que arcar com os custos daquele imóvel vazio. O proprietário agora cria condições mais favoráveis para que o imóvel fique ocupado e que o inquilino tenha capacidade de pagar o aluguel”, avalia.

Para ele, na atual conjuntura, a melhor vantagem para as duas partes é um acordo, e não a imposição do IGP-M.

O que os inquilinos podem fazer para evitar aumentos

A melhor saída para inquilinos e proprietários é negociar o valor da locação com transparência, aconselha Lourenço, da Andersen Ballão Advocacia. O pedido de revisão judicial do aluguel até existe, mas é uma alternativa que envolve custos, demora um tempo considerável e tem grandes chances de se tornar inócua.

Há duas situações principais nessa relação de locação em 2020. A primeira, que é mais tranquila mas que também tem mais margem para um repasse, é aquela entre proprietários e inquilinos que neste ano já renegociaram contratos em que houve redução do valor. A outra é daqueles que não conseguiram firmar nenhum acordo, porque é um cenário com maior potencial de litígio. “O inquilino está descontente e o proprietário não se mostrou flexível”, diz.

Para Lourenço, o primeiro passo é negociação – e isso vale para contratos residenciais e comerciais. A melhor maneira para tentar obter um acordo é ser transparente. Ele aconselha que os inquilinos, tanto residenciais quanto comerciais, já informem sobre comprometimento de renda e avaliem um cenário de médio e longo prazo, para pensarem sobre as condições que terão para arcar com o valor do aluguel. “No primeiro sinal de problema econômico e financeiro, é importante iniciar a negociação”, sugere.

Atualmente, a demanda do mercado de locação está em baixa e é possível encontrar novos imóveis com preços inferiores aos vigentes em contratos. Isso dá força ao inquilino na negociação com o atual proprietário. “Tem o inconveniente de procurar imóvel e fazer mudança, mas o aspecto econômico favorece o inquilino”, diz.

Caso não haja um acordo, a saída é judicial. Mas não é uma boa opção. Lourenço explica que a lei de locações prevê a revisão judicial do valor do aluguel. Ela vale para contratos com mais de três anos de vigência, em que o inquilino pede o reajuste pelo valor de mercado.

“Você entra com uma ação revisional, e tem um perito que faz laudo do valor de mercado para o juiz arbitrar”, diz. Além do custo, ele destaca que o Judiciário não costuma dar respostas imediatas e essa demora pode refletir outro momento do mercado, que poderia até mesmo provocar um aumento do aluguel.

Por que o IGP-M está subindo tanto

A economista do Banco Ourinvest, Cristiana Quartaroli, avalia que o quadro inflacionário ainda não é preocupante. A principal pressão vem do preço dos alimentos, motivada por aumento da demanda e da renda média, por conta do auxílio emergencial, e da alta do câmbio expressa nas commodities. “Isso começou a ser repassado nos preços ao consumidor e, adicionalmente, nos dados mais recentes, a gente já começou a ver um repasse nos passes de bens duráveis”, diz.

André Braz, do FGV/Ibre, explica que os maiores reajustes ocorreram nos preços de matérias-primas brutas. Como exemplos, cita as altas do minério de ferro (cerca de 70%), soja (50%) e carne (30%). “Como a matéria prima bruta fica mais cara, à medida em que você anda na escala de produção, encarece toda a estrutura produtiva”, diz.

No caso da soja, a alta do preço do grão vai encarecer o farelo, usado na ração de animais, e do óleo se soja bruto. Na gôndola do mercado, isso implica em óleo de soja refinado e cortes de carne mais caros. No caso do minério de ferro, o impacto se reflete nos vergalhões, usados na construção civil, e em bobinas de aço, que são usadas para fabricação de chapas para automóveis e eletrodomésticos.

“Todo esse aumento pesado de commodities acabou acumulando nos últimos 12 meses, com um aumento de quase 60% em um curto espaço de tempo, e provocou uma alta muito forte no IPA, que é o índice que mais pesa dentro do IGP”, explica. É por isso que o IGP-M se distancia da inflação do consumidor, mais concentrada no preço dos alimentos, que já subiu, em geral, 10% para o consumidor final.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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