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Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro: queda no PIB poderia ter sido mais feia, mas não foi.
Ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro.| Foto: Sérgio Lima/AFP

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a equipe econômica estuda destinar uma parte dos dividendos que o governo recebe de suas principais estatais para financiar o projeto que chama de "imposto de renda negativo". Essa ação seria destinada aos trabalhadores informais pobres. A ideia de criar o programa já era conhecida, mas a estratégia de usar lucros de estatais para viabilizá-lo foi revelada em uma audiência pública no Congresso.

O "imposto de renda negativo" é um conceito que foi defendido, principalmente, pelo economista liberal Milton Friedman, expoente da escola de Chicago e guru do ministro Paulo Guedes. A ideia original consiste basicamente no pagamento de uma ajuda de custo para quem tem renda inferior a um piso determinado – a primeira faixa tributada pelo Imposto de Renda, por exemplo. Nesse caso, as pessoas que recebem mais do que o piso pagam IR normalmente. As que recebem menos, por outro lado, ganham um complemento para chegar a esse limiar – por isso o nome de “imposto negativo”.

O objetivo de Guedes é aplicar uma versão dessa ideia no Brasil, para solucionar o problema dos “invisíveis” – como ele classifica grande parte da população que hoje recebe o auxílio emergencial, mas até então estava desassistida pelo governo. São trabalhadores informais pobres, porém não tanto a ponto de estarem aptos a receber o Bolsa Família, que será substituído pelo Renda Brasil. O contrato de trabalho verde e amarelo, a partir da desoneração da folha de pagamento, é outra solução estudada para os “invisíveis”.

O "imposto de renda negativo" funcionaria como uma “rampa de ascensão social”. “Nós estamos estudando uma forma de criar o imposto de renda negativo, porque, se ele [o trabalhador informal pobre], ao invés de ficar no auxílio social de R$ 200, que é o Bolsa Família hoje, trabalhar por conta própria e ganhar R$ 500, vamos dar um imposto de renda negativo para ele de 20%: ele ganha mais R$ 100. É melhor dar mais R$ 100 para ele se manter do que eu dar R$ 200 para ele ficar passivamente esperando pelo programa social”, exemplificou Guedes em audiência pública da comissão mista do Congresso que acompanha as ações do governo no combate à Covid-19 e seus efeitos.

Fundo com lucro de estatais viabilizaria o "imposto de renda negativo"

Para viabilizar o "imposto de renda negativo", Guedes revelou que a equipe econômica busca usar os dividendos de estatais que não forem privatizadas, como a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Parte dos dividendos – que a União recebe das estatais quando elas têm lucro – iria para um fundo, que ele chama de Fundo Brasil. Hoje, os dividendos ajudam no resultado primário da União.

Esse Fundo Brasil, a ser criado, é que financiaria o programa. Além da receita dos dividendos, ele seria abastecido com os recursos do Fundo de Erradicação da Pobreza e por alguns ativos do governo. O valor exato que o fundo precisaria ter anualmente para viabilizar o programa não foi revelado pelo ministro.

“Agora, nós não temos o dinheiro para dar um imposto de renda negativo. Então, o que nós podemos fazer? Temos o Fundo Brasil. As empresas que não forem privatizadas. Se o governo quiser manter a Petrobras, a Caixa Econômica Federal, etc., tudo bem, mantenha; agora, nós podemos dar um imposto de renda negativo”, disse Guedes, ressaltando que seria uma forma de dar aos brasileiros os frutos das estatais que o governo não quer vender.

“Não é para vender por quê? ‘Porque ela é do povo brasileiro’. Ora, dê ao povo brasileiro os frutos dessa empresa! Se ela é do povo brasileiro, entregue ao povo brasileiro os frutos.”

Na audiência, Guedes citou um exemplo: ao invés de a União receber R$ 25 bilhões de dividendos no fim do ano, ficaria com R$ 24 bilhões e transferiria R$ 1 bilhão para o Fundo Brasil. Se for essa mesma a divisão, o percentual de dividendos que a União estaria disposta a repassar para financiar o programa de ascensão social seria de 4%. Os 96% restantes continuariam entrando no balanço do Tesouro e serviriam para melhorar o resultado das contas públicas.

Em 2019, a União recebeu R$ 20,9 bilhões na forma de dividendos e participações de suas estatais, segundo dados do Tesouro Nacional. O número foi 172% maior que o registrado em 2018, quando o governo federal recebeu R$ 7,7 bilhões, e o maior desde 2013. O BNDES liderou o pagamento, repassando R$ 9,5 bilhões em 2019. Depois, aparecem a Caixa Econômica Federal (R$ 4,8 bilhões), o Banco do Brasil (R$ 3,7 bilhões) e a Petrobras (R$ 1,3 bilhão).

Como o programa funcionaria – e quais as suas incógnitas

Saber exatamente como o programa funcionaria ainda é uma incógnita. Na audiência pública, Guedes não citou qual seria o piso estabelecido para receber o imposto de renda negativo. Mas, em entrevista à Jovem Pan em agosto, o ministro disse superficialmente que esse piso poderia ser o próprio salário mínimo.

Nesse caso, a expressão "imposto de renda negativo" seria apenas uma forma de o ministro "homenagear" o conceito disseminado por Milton Friedman. Ao que tudo indica, o programa em estudo não teria qualquer relação com o Imposto de Renda brasileiro – hoje só é tributado pelo IR quem recebe aproximadamente R$ 1,9 mil por mês ou mais.

Se a referência for mesmo o salário mínimo, hoje de R$ 1.045, todas as pessoas com renda inferior a ele receberiam ou o Renda Brasil (famílias muito pobres sem trabalho) ou a complementação do "imposto de renda negativo" (trabalhadores pobres informais).

Os trabalhadores que recebem um salário mínimo, por sua vez, teriam direito ao contrato de trabalho verde e amarelo, que também está sendo elaborado pela equipe econômica. O objetivo é incentivar a formalização, desonerando totalmente a folha para quem ganha o piso salarial. Para quem recebe acima desse valor, a desoneração seria parcial.

Normalmente, programas como o "IR negativo" buscam complementar a renda do cidadão para que alcance o patamar mínimo definido pelo governo. Porém, aos parlamentares, Guedes defendeu não exatamente um complemento, mas um incentivo, de forma que, quanto mais a pessoa ganhe por conta própria, mais dinheiro receba do governo. Esse incentivo seria de cerca de 20% sobre o valor que a pessoa tirou no mês.

“Se um [trabalhador informal] ganha R$ 500, eu vou lá e credito R$ 100; no mês seguinte, se ele trabalhou e ganhou R$ 600, eu credito R$ 120; se ele trabalhou e ganhou R$ 800, eu vou lá e credito para ele R$ 200. Assim, eu estou estimulando esse trabalhador a lutar, a subir essa rampa de ascensão social”, disse Guedes.

O ministro também deu a entender durante a audiência que o trabalhador só poderia sacar o dinheiro no futuro, ao invés de imediatamente, e "sob certas condições" – o que lembra um pouco o funcionamento do FGTS, que não costuma ser bem visto por liberais porque impede o trabalhador de usar com liberdade um dinheiro que, na prática, é dele.

“O trabalhador brasileiro, que hoje é um desamparado, agora tem sua própria conta de depósito", disse Guedes, referindo-se ao seu projeto ainda não formalizado. "No futuro, se ele estiver doente ou precisar, estiver desempregado, ele vai lá e saca; da mesma forma que ele depositou, no futuro pode sacar, sob certas condições."

Uma incógnita é sobre como seria feito o controle e a fiscalização para pagamento do complemento, já que pessoas com renda inferior a R$ 1.903,98 mensais não precisam declarar Imposto de Renda.

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