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Loja da livraria canadense Indigo em um shopping em Millburn, Nova Jersey, EUA.
Loja da livraria canadense Indigo em um shopping em Millburn, Nova Jersey, EUA.| Foto: Bryan Anselm/NYT

Cerca de dez anos atrás, Heather Reisman, a executiva-chefe da maior cadeia de livrarias do Canadá, tomava chá com a escritora Margaret Atwood, quando esta inadvertidamente lhe deu uma ideia de um novo produto.

Atwood anunciou que planejava ir para casa, colocar meias confortáveis e ler um livro. Reisman achou interessante. Pouco tempo depois, sua empresa, a Indigo, desenvolveu sua própria marca de "meias de leitura" de pelúcia. Elas rapidamente se tornaram um dos artigos característicos da Indigo.

"No ano passado, todos os meus amigos ganharam meias de leitura", disse Arianna Huffington, cofundadora do HuffPost e amiga de Reisman, que também deu as meias de presente aos funcionários de sua organização, a Thrive."A maioria das pessoas não tem meias de leitura – não como as da Heather."

Nos últimos anos, a Indigo lançou dezenas de outros produtos, incluindo esteiras de praia, velas perfumadas, quadros inspiradores, potes de cozinha, pilares de cristal, marmiteiras, kits de cultivo de ervas, conjuntos de facas de queijo de cobre, copos de champanhe sem haste, almofadas e cachecóis.

Pode parecer estranho que uma livraria desenvolva e venda pratos de sopa artesanais e roupinhas de bebê feitas com algodão orgânico. Porém a abordagem da Indigo não é apenas nova, mas também crucial para seu sucesso e longevidade. O conceito de superloja, com grandes espaços contendo 100 mil títulos, tornou-se cada vez mais difícil de sustentar na era do comércio on-line, quando é impossível igualar a vasta seleção da Amazon.

A Indigo está experimentando um novo modelo, posicionando-se como uma "loja de departamentos cultural", onde os clientes que vêm escolher livros muitas vezes acabam se demorando mais e acabam, por impulso, comprando chinelos de caxemira e massageadores faciais de cristal, ou um jogo de facas para ser usado com um novo livro de receitas paleolíticas.

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Heather Reisman, a executiva-chefe da maior cadeia de livrarias do Canadá, a Indigo.| Bryan Anselm/NYT

Ao longo dos últimos anos, Reisman reinventou a Indigo como um estilo de vida, com seções dedicadas à alimentação, saúde, bem-estar e decoração da casa.

Reisman agora está exportando a abordagem da Indigo para os Estados Unidos. No ano passado, ela abriu sua primeira loja americana em um shopping de luxo em Millburn, Nova Jersey, e planeja abrir várias outras na região nordeste.

O crescimento da Indigo é ainda mais notável, devido aos desafios que as grandes cadeias de livros enfrentam nos Estados Unidos. A Borders, que já chegou a ter mais de 650 lojas, declarou falência em 2011. A Barnes & Noble opera agora 627 lojas (eram 720 em 2010), e a empresa se colocou à venda no ano passado. Ultimamente, vem abrindo lojas menores, incluindo um outlet de 771 metros quadrados no Condado de Fairfax, na Virgínia.

"A variedade da mercadoria é o básico do varejo, e é difícil conseguir isso em uma livraria típica", disse Peter Hildick-Smith, presidente do Codex Group, que analisa a indústria do livro. "A Indigo descobriu uma maneira de criar uma aura extra em torno da experiência da compra de livros, criando uma extensão física da leitura."

Durante uma visita à loja de Nova Jersey, Reisman parecia mais ser uma guru da autoajuda ou uma evangelizadora do bem-estar que uma livreira, falando sobre a importância do sono adequado e da hidratação, dos alimentos frescos e do tempo longe do celular.

"Reunimos ideias – grandes ideias – que achamos que vão funcionar", disse ela.

A atmosfera é íntima, acolhedora e feminina – uma escolha estética que também faz sentido comercial, já que as mulheres representam cerca de 60 por cento dos compradores de livros. Uma seção chamada "A Alegria da Mesa" exibe travessas de cerâmica, vidro ou madeira da marca Indigo com os livros de receitas. A seção de decoração tem xales, almofadas, cestas, vasos e velas perfumadas.

Há uma subseção chamada "Em Suas Palavras", que apresenta livros de memórias e outros relacionados ao ideário feminino. A área chamada "Seu Próprio Quarto" parece um camarim exuberante, com bolsas de couro vegano, xales macios, uma cadeira de veludo, cachecóis e revistas ao lado de livros de arte, design e moda.

Os livros ainda respondem por pouco mais de 50 por cento das vendas da Indigo e permanecem o artigo principal; o estoque da loja de Nova Jersey tem cerca de 55 mil títulos. Mas eles também servem a outro propósito: apelam aos interesses, passatempos, desejos e ansiedades dos consumidores, facilitando a venda e o desenvolvimento de produtos relacionados.

A Amazon foi pioneira desse conceito décadas atrás, e o explora desde então em sua missão de ser "a loja de tudo". Essa não é a meta da Indigo, disse Reisman.

"Nessas categorias, fazemos uma verdadeira curadoria. Não queremos ser a loja de tudo. Alguém já está fazendo isso", disse ela.

Os executivos de editoras, preocupados com as dificuldades crescentes da Barnes & Noble, responderam entusiasticamente à estratégia de Reisman.

"Heather foi pioneira e aperfeiçoou a arte de integrar livros com outros produtos", disse Markus Dohle, executivo-chefe da Penguin Random House, em um e-mail.

Reisman fez de seus próprios gostos e interesses algo central para a marca. A frente da loja de Nova Jersey apresenta uma seção intitulada "Escolhas da Heather", com uma mesa de exposição coberta por dezenas de títulos. Uma placa a identifica como "fundadora e executiva-chefe da cadeia, grande amante dos livros e a Heather das 'Escolhas da Heather'".

Ela aparece regularmente nas noites de autógrafos e em eventos da loja, e entrevistou autores proeminentes como Malcolm Gladwell, James Comey, Sally Field, Bill Clinton e a falecida Nora Ephron.

Quando Reisman abriu a primeira loja da Indigo em Burlington, Ontário, em 1997, ela já tinha tido sua própria empresa de consultoria e mais tarde foi presidente de uma empresa de refrigerantes e bebidas, a Cott.

Ainda assim, a indústria do livro é idiossincrática, e muitos se perguntaram se a Indigo poderia competir com a maior livraria do Canadá, a Chapters.

O ceticismo desapareceu alguns anos mais tarde, quando a Indigo se uniu à Chapters, herdando suas inúmeras lojas nacionais. A empresa agora tem mais de 200 pontos de venda em todo o Canadá, incluindo 89 "superlojas". A primeira loja conceitual foi aberta em 2016.

A nova abordagem provou ser lucrativa: em seu ano fiscal de 2017, a receita da empresa ultrapassou um bilhão de dólares canadenses pela primeira vez. Em 2018, a Indigo relatou um aumento de receita de quase 60 milhões de dólares canadenses em relação ao ano anterior, tornando-se o ano mais rentável da história da cadeia.

A empresa não está imune aos desafios que outros grandes varejistas enfrentam. Em seu relatório de ganhos mais recente, para o terceiro trimestre fiscal de 2019, a Indigo registrou uma queda de receita de mais de US$ 7 milhões e uma diminuição de lucro bruto de quase US$ 16 milhões em comparação ao ano anterior. Entre as razões estavam uma greve postal canadense, o aumento do salário mínimo e renovações das lojas.

O domínio da empresa no Canadá não garante o sucesso nos Estados Unidos, onde é preciso competir não só com a Amazon e a Barnes & Noble, mas com uma onda de renascimento de livreiros independentes. Depois de anos de declínio, as lojas independentes se recuperaram, com cerca de 2.470 locais (eram 1.651 uma década atrás), de acordo com a Associação Americana de Livreiros. E a Amazon chegou ao mercado físico, com cerca de 20 livrarias em todos os Estados Unidos.

Reisman reconhece que a empresa enfrenta desafios com a expansão para o sul. Mesmo assim, ela está otimista e já procura locais para uma segunda loja perto de Nova York.

"Estamos desenvolvendo nossa própria abordagem para atrair leitores", disse ela. "Somos o cara novo", disse ela, acrescentando em seguida: "Ou a mulher nova."

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