• Carregando...
Inteligência Artificial
Alunos trabalham em projeto de inteligência artificial em universidade americana| Foto: Kristian Thacker/NYT

Durante anos, grandes empresas de tecnologia usaram salários altos, bônus e pacotes de ações para atrair especialistas em inteligência artificial que trabalhavam em contextos acadêmicos. Agora, um novo estudo revela que essa migração afetou negativamente as perspectivas pós-universitárias dos estudantes.

Esse estudo pioneiro foi realizado por pesquisadores da Universidade de Rochester. Eles descobriram que, ao longo dos últimos 15 anos, 153 professores universitários trocaram os cursos de inteligência artificial em universidades norte-americanas por vagas na iniciativa privada. Outros 68 professores assumiram cargos em empresas do setor, embora não tenham abandonado completamente o trabalho nas universidades.

De acordo com o estudo, essa migração aumentou drasticamente nos últimos anos. Entre 2004 e 2009, 26 professores trocaram a universidade por trabalhos na iniciativa privada. Apenas em 2018, 41 professores universitários trilharam esse mesmo caminho. A saída vertiginosa de professores ao longo da última década e meia indica que essa tendência ainda deve continuar.

A chegada de mão de obra qualificada pode acelerar o desenvolvimento da inteligência artificial em gigantes tecnológicas como Google, Microsoft, Amazon e Apple.

Porém, nas universidades abandonadas pelos professores, os estudantes que ainda não se graduaram têm menos chances de criar novas empresas de inteligência artificial. Além disso, as poucas empresas criadas nesse setor atraíram menos financiamento, de acordo com o estudo. O efeito foi mais perceptível no campo da "aprendizagem profunda", uma tecnologia fundamental para os novos sistemas de IA.

Limitação à inovação e ao crescimento econômico

Com o tempo, a fuga de cérebros pode limitar a inovação e o crescimento econômico, argumentou o estudo. "A transferência de conhecimento deixa de ser feita e, com isso, a inovação é prejudicada", afirmou Michael Gofman, professor de finanças da Universidade de Rochester e um dos autores do estudo.

A aprendizagem profunda se baseia em "redes neurais", complexos sistemas matemáticos capazes de aprender a desempenhar tarefas por conta própria por meio da análise de enormes volumes de dados. Depois de identificar padrões presentes em milhares de fotos de cachorros, por exemplo, uma rede neural consegue reconhecer um cachorro.

Até 2010, o setor de tecnologia simplesmente ignorava essa ideia. Entretanto, à medida que a internet gerava enormes quantidades de dados e novos chips de computador diminuíam o tempo necessário para analisar esses dados, a técnica começou a fazer mais sentido para as empresas que possuíam essas informações.

A aprendizagem de máquina ajuda os sistemas de inteligência artificial a realizar tarefas como reconhecer fotos, identificar palavras faladas e traduzir textos, além de permitir que os carros autônomos reconheçam objetos e tomem decisões.

As grandes empresas de tecnologia contrataram muitos dos pesquisadores especializados na técnica. Três especialistas veteranos venceram recentemente o Turing Award – apelidado de Prêmio Nobel da computação – por seu trabalho com redes neurais. Dois deles deixaram a academia e trabalham agora em grandes empresas, um para o Google e outro para o Facebook.

Os setores automotivo e de alta tecnologia vêm apostando suas fichas nos carros autônomos, atraindo mais uma leva de pesquisadores para longe das universidades. Em 2015, o Uber contratou 40 pesquisadores de um laboratório de robótica da Universidade Carnegie Mellon, incluindo os orientadores.

Desde então, o interesse da indústria pela inteligência artificial só aumentou, de acordo com o estudo. O Google e o DeepMind, ambos controlados pela Alphabet, contrataram 23 professores universitários. A Amazon contratou outros 17, enquanto a Microsoft contratou 13 e Uber, Nvidia e Facebook contrataram sete professores cada.

As empresas de alta tecnologia discordam da ideia de que estejam saqueando a academia. Um porta-voz do Google, por exemplo, afirmou que a empresa apoia intensamente a pesquisa acadêmica.

"Investimos mais de US$ 250 milhões em pesquisas acadêmicas desde 2005 e a cada ano recebemos mais de 30 professores visitantes, dezenas de doutorandos e milhares de estagiários", afirmou Jason Freidenfelds, porta-voz da empresa. Segundo ele, muitos professores trabalham no Google durante um tempo e depois retomam suas atividades acadêmicas.

Impacto nas pesquisas sobre inteligência artificial

O estudo revelou que os estudantes mais afetados pela saída de professores são os que se formaram de quatro a seis anos após a partida, de modo que tiveram pouco ou nenhum contato com esses professores. Em todas as universidades, o aumento significativo na saída de professores reduziu em 13% o número de empreendedores na área de inteligência artificial.

O impacto foi especialmente notável nas dez principais universidades do país e entre os empreendedores que fizeram doutorado.

Alguns especialistas temem que, com a ida de professores para a iniciativa privada, a formação universitária das próximas gerações seja comprometida.

"Se a indústria continuar contratando pesquisadores de áreas inovadoras, quem formará a próxima geração de especialistas em inteligência artificial?", questionou Ariel Procaccia, professor de ciência da computação da Universidade Carnegie Mellon, em um recente artigo de opinião publicado pela Bloomberg.

De acordo com o estudo, 17 professores titulares trocaram a Carnegie Mellon por grandes empresas de tecnologia, incluindo o Uber. A Universidade de Washington e a Universidade da Califórnia, em Berkeley, perderam 11 professores cada.

O estudo realizado pela Universidade de Rochester não analisou diretamente a qualidade da formação recebida pelos estudantes após a saída dos professores. Em vez disso, os pesquisadores se concentraram nas startups do setor, demonstrando que as partidas levaram a uma queda no número de startups. Segundo o estudo, quando os professores deixam as universidades e são substituídos por profissionais oriundos de instituições de menor prestígio, os estudantes têm ainda menos chances de abrir startups.

Os especialistas ainda não sabem se a queda no número de startups pode prejudicar o progresso da inteligência artificial.

"O fato de que os estudantes estejam abrindo seu próprio negócio não é garantia de que trabalharão com inteligência artificial", afirmou Joshua Graff Zivin, professor de economia da Universidade da Califórnia, em San Diego. "Talvez eles façam isso de outras maneiras."

Contudo, muitas pessoas concordam que é preciso aumentar as verbas destinadas a universidades para garantir que as futuras gerações recebam educação de qualidade.

"O aprendizado de máquina e a inteligência artificial são duas das áreas mais interessantes e prósperas da ciência. Precisamos garantir sua continuidade", afirmou Scott Stern, professor da Escola de Negócios Sloan, no MIT.

The New York Times Licensing Group – Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]