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Taylor Gallanter, cabeleireira, só dá o celular em cadastros obrigatórios: “e-mail é menos invasivo”. | MATHEW SCOTT/NYT
Taylor Gallanter, cabeleireira, só dá o celular em cadastros obrigatórios: “e-mail é menos invasivo”.| Foto: MATHEW SCOTT/NYT

Da próxima vez que alguém pedir o número de seu celular, talvez seja bom pensar duas vezes antes de revelá-lo. Isso porque ele é mais que apenas uma combinação de dígitos. Cada vez mais é usado como meio de obtenção das informações pessoais mantidas por todo tipo de empresa, incluindo financiadoras e redes sociais. Pode ser utilizado para monitorar e prever o que você compra, pesquisa on-line e até o que vê na TV.

“Ele se transformou na chave para o quarto da sua vida, das informações a seu respeito”, afirma Edward M. Stroz, ex-agente de crimes de alta tecnologia do FBI e que hoje é um dos presidentes da Stroz Friedberg, agência de investigação particular.

Apesar disso, não é uma informação regulamentada oficialmente como o número da Seguridade Social, que as empresas têm que manter em sigilo. Nós também somos aconselhados a escondê-lo e protegê-lo; no entanto, não pensamos duas vezes quando nos pedem para dar o número do celular em algum formulário ou compartilhá-lo com alguém que mal conhecemos.

Isso representa um problema cada vez mais sério para os jovens, já que há duas combinações numéricas que permanecerão com eles para o resto da vida: o número da Seguridade Social e o do celular. Quase metade dos lares nos EUA desistiu das linhas fixas e tem apenas serviço móvel, número esse que cresceu mais de 10% em apenas três anos. Entre as pessoas de 25 a 29 anos, essa proporção sobe para 73%, segundo as estatísticas oficiais.

Taylor Gallanter, cabeleireira de 23 anos de San Francisco, tem celular próprio desde os quinze. Nunca teve um telefone fixo e duvida que um dia tenha. E sabe o valor que o número tem, pois não o fornece em formulários digitais a menos que seja obrigatório. Usar o endereço de e-mail como contato, segundo ela, é menos arriscado e invasivo.

“Só com o nome e o número dá para descobrir um monte de coisa a respeito da pessoa”, afirma.

“A verdade é que ele pode ser um portal a todo tipo de informação. O pessoal tinha que ter mais cuidado para divulgar”, alerta Robert Schoshinski, diretor assistente para privacidade e proteção de identidade da Comissão Federal de Comércio.

De fato, para os investigadores o número do celular é ainda mais útil que o da Seguridade Social porque está ligado a inúmeras bases de dados e conectado a um aparelho que quase sempre está com a pessoa – é o que explica Austin Berglas, ex-agente do FBI e diretor da K2 Intelligence, agência de investigação privada.

O uso dessa sequência numérica de maneiras inéditas e não antecipadas repete a história do número da Seguridade Social, criado em 1936. Seu objetivo principal era permitir que o sistema de seguro nacional que estava nascendo mantivesse registros apurados dos trabalhadores sob o programa. Nunca foi pensado como um número geral de identificação.

Aos poucos, entretanto, a simplicidade de um número único de identificação estimulou o uso mais amplo por outras agências do governo e corporações. Isso ocorreu no início da década de 60, quando os computadores mainframe tornaram possível a criação de arquivos digitais imensos sobre cidadãos e clientes. Sua disseminação como identificador rápido e fácil, encontrado em todos os tipos de bases de dados corporativas e governamentais, facilitou as operações comerciais – mas houve consequências involuntárias.

“O número da Seguridade Social é tão difundido e tão pouco protegido que se tornou o maior veículo para a epidemia atual de roubo de identidade”, revela Alessandro Acquisti, cientista da computação e especialista em privacidade da Universidade Carnegie Mellon.

A firma de consultoria e pesquisas Javelin estima que os prejuízos totais recorrentes do roubo de identidade para crimes como fraude de cartão de crédito e empréstimo pessoal tenham chegado a US$ 15 bilhões no ano passado. Onze por cento dos norte-americanos adultos confessam terem perdido algum dinheiro, em 2015, em alguma falcatrua realizada por telefone, de acordo com uma pesquisa da Harris Poll, patrocinada pela Truecaller, fabricante sueca de aplicativos móveis com funções como identificação de chamada e bloqueio de spam.

O antídoto está na própria tecnologia

Entretanto, da mesma forma que o número de celular e o computador por trás dele abrem as portas a novos riscos, a tecnologia, como quase sempre é o caso, também pode ser empregada para combatê-los. Como a prevenção de fraudes, por exemplo. Quando o consumidor utiliza o Affirm, startup que oferece uma alternativa ao cartão de crédito no caso de compras on-line, seu software averigua diversas fontes de dados e aprova ou rejeita um financiamento em menos de um minuto.

Para realizar essa façanha de genialidade técnica, a Affirm pede dos clientes apenas algumas informações pessoais, incluindo nome completo e data de nascimento.

“Mas o melhor identificador e elo de informações úteis é mesmo o celular, que age como o equivalente digital do número da Seguridade Social”, diz Max Levchin, CEO da Affirm.

Quando um consumidor registrado na Affirm quer um empréstimo escalonado para comprar, digamos, um colchão de US$ 850 ou uma mountain bike de US$ 3 mil, a empresa lhe envia um número identificador pessoal temporário por torpedo.

O mesmo método de autenticação é amplamente usado pelos bancos, sistemas de pagamento como PayPal e outras companhias antes que certas transações sejam aprovadas. O número temporário é válido por um período de apenas 30 a 180 segundos, aumentando bastante as chances de a pessoa que está tentando emprestar ou comprar ser a mesma que possui o celular com aquele número.

Não é infalível, mas se o celular se perder ou for roubado, geralmente trava. Pode até ser hackeado, mas para isso é necessário outro tipo de habilidade. Só para comparar, o número roubado da Seguridade Social é uma fonte permanente de roubo de identidade.

“O que se pode fazer com o número do celular e a tecnologia móvel representa uma grande vantagem na guerra atual contra a fraude e o roubo de identidade”, constata Rajeev Date, investidor e ex-banqueiro que já foi também vice-diretor da Agência de Proteção Financeira do Consumidor.

Porém, a vida limitada a um único número móvel apresenta problemas para muitos profissionais e trabalhadores independentes em startups e pequenas empresas, que têm que fazer chamadas de negócios do número privado. Assim, Gallanter, sócio de uma barbearia que funciona em uma van, se tornou uma entre cinco milhões de pessoas a instalar o novo aplicativo Sideline este ano, que adiciona um novo número ao aparelho.

O serviço é grátis para pessoas físicas e US$ 10 por mês para grupos profissionais de um negócio que, em troca, recebem funções extras como diretório de empresas e transcrição de correio de voz. Um dos anúncios da companhia diz: “Mantenha seu número particular privado. Acrescente um segundo número ao seu celular”.

“A medida oferece uma segunda identidade móvel, cada vez mais necessária hoje em dia”, constata Greg Woock, CEO da Pinger, startup de San Jose, Califórnia, criadora do software e do serviço Sideline.

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