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Investimentos sustentáveis são mais resilientes em tempos de crise e garantem retornos iguais ou superiores aos tradicionais.| Foto: Bigstock

Diante das mudanças climáticas e do fortalecimento da economia verde no mundo todo, as aplicações financeiras sustentáveis vêm ganhando espaço nos últimos anos e recebendo impulso na pandemia do novo coronavírus. Apesar de serem ainda pouco difundidos e conhecidos pelo público geral, analistas consideram os investimentos verdes mais resilientes em tempos de crise e igualmente ou até mais rentáveis do que os produtos financeiros tradicionais.

Uma pesquisa realizada em julho pelo banco americano J.P. Morgan com investidores de 50 instituições globais – que controlam quase US$ 13 trilhões em ativos – revelou que 71% dos entrevistados acham provável ou muito provável que governos e empresas aumentem as ações de contraste às mudanças climáticas e à perda de biodiversidade. E isso terá um impacto também no mercado financeiro.

“Para o longo prazo, a Covid-19 vai provar ser o ponto de virada dos investimentos sustentáveis e das estratégias que levam em conta a performance ambiental, social e de governança das empresas ao lado das métricas financeiras tradicionais”, avaliam Jean-Xavier Hecker e Hugo Dubourgos, executivos do J.P. Morgan que conduziram a pesquisa.

Os investimentos sustentáveis são definidos desde 2004 pela sigla em inglês ESG (Environmental, Social and Corporate Governance), que indica princípios de boa governança corporativa, ambiental e social. São métricas que estabelecem se uma empresa é sustentável em todos seus processos internos e se investe de forma responsável, respeitando o meio ambiente e a sociedade como um todo. O conceito se aplica a qualquer organização, como companhias da economia real e do mercado financeiro.

De acordo com o J.P. Morgan, até o final do ano, os ativos no mundo regidos na definição ESG devem alcançar U$ 45 trilhões, representando 44% do total. Porém, a difusão é muito desigual: cerca de 90% deles são concentrados na Europa e Estados Unidos.

No Brasil, o segmento ainda é incipiente, mas tem despertado interesse nos últimos três a cinco anos, puxado pela geração millenials, que busca aplicações verdes, sejam ações, bonds ou planos de previdência.

“Os mercados europeus e americanos são mais desenvolvidos. Por aqui, a gente vê uma tendência de clientes que mostram interesse e um espaço para um crescimento desse mercado. O assunto está muito presente nas discussões em diversas organizações e instituições financeiras”, explica Marta Pinheiro, diretora de ESG da XP Investimentos.

No Brasil, há uma grande dificuldade em encontrar dados confiáveis sobre investimentos ESG nas diferentes classes de ativo e estratégias, porém, de acordo com a XP, os fundos de ações sustentáveis somaram R$ 543 milhões em junho de 2019, com um crescimento de 29% em relação ao mesmo mês de 2018. A fatia, contudo, continua pequena: esses fundos representam apenas 1% do total da indústria brasileira de fundos.

Apesar de não haver dados consolidados sobre como a pandemia afetou os investimentos verdes, a percepção do mercado é de que houve um impulsionamento. “Tem tido um apetite muito grande dos investidores em relação a esse tipo de produto. A pandemia impulsionou, mas o capital também está fazendo esse movimento. Clientes de 40 a 50 anos e famílias que não estavam no nosso radar estão querendo fazer essa transição para investimentos com esse tipo de foco”, explica Mariana Oiticica, executiva do BTG Pactual.

Aplicações verdes são um bom negócio

O crescimento do mercado verde se dá não apenas pela boa vontade das empresas e dos investidores, mas porque investimentos sustentáveis trazem também benefícios financeiros. Empresas com boas praticas ESG captam a custos mais baixos, demonstram maior resiliência durante períodos de crise, fortalecem a marca e atraem jovens talentos comprometidos com a pauta.

“Nosso objetivo é oferecer produtos que sejam tão rentáveis ou mais rentáveis do que os produtos tradicionais. É possível oferecer produtos que tragam um benefício para o meio ambiente e para a sociedade, e tragam lucro”, afirma a executiva do BTG.

Indivíduos e famílias com grande patrimônio têm tido um papel importante em mover a agenda de investimentos sustentáveis e de impacto: 60% delas acreditam que investimentos com impactos positivos são importantes para deixar um legado.

Relatório da XP mostra que U$ 30 trilhões de dólares serão transferidos entre gerações das famílias mais ricas do mundo nos próximos anos, o que se configura como o maior movimento de transferência de riqueza da história.

Investimentos sustentáveis na B3

Em 2005, a B3 foi uma das primeiras bolsas de valores no mundo a criar o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3). Essa ferramenta compara a performance das empresas listadas com base na sustentabilidade corporativa, conceito que engloba eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança.

A partir desse índice, a B3 monta todo ano uma carteira de ações. A atual carteira, com validade até 1 de janeiro de 2021, reúne 36 ações de 30 companhias de 15 setores. Essas ações somam R$ 1,64 trilhão e equivalem a quase 38% do total do valor de mercado das companhias com ações negociadas na B3.

Desde a sua criação, o ISE B3 apresentou rentabilidade de +235,19% contra +235,43% do Ibovespa (base de fechamento em 26/11/2019). No mesmo período, o ISE B3 teve ainda menor volatilidade: 23,86% em relação a 26,51% do Ibovespa.

Das empresas que compõem o índice, 98% afirmam que utilizam a Agenda 2030 das Nações Unidas como referências para identificar aspectos de sustentabilidade em seus negócios e 91% delas têm processos em andamento para incorporar às suas estratégias, metas e resultados, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.

A B3 não é a única. De 2016 a 2020, o número de bolsas de valores que tornaram obrigatória a divulgação de parâmetros ESG pelas empresas dobrou no mundo, ainda que apenas um quarto delas implementou essas medidas.

Como os fatores ESG estão sendo incorporados nos produtos financeiros

Pesquisa da XP com 30 mil clientes revela que 61% dos entrevistados sabem nada ou muito pouco sobre o conceito ESG, mas 73% deles têm interesse nos investimentos sustentáveis. Para aproveitar esse bonde, a corretora lançou em agosto dois novos fundos sustentáveis, um de ações (Selection ESG Ações) e um multimercado (Trend ESG Global).

Além dos produtos de renda variável, os bancos oferecem também, cada vez mais, opções sustentáveis de renda fixa. Os principais são:

  • Green bonds: financiam projetos verdes, com claro benefício ambiental como mitigação das mudanças climáticas ou proteção da biodiversidade;
  • Blue bonds: financiam projetos com claro benefício para solucionar os desafios ambientais nos oceanos;
  • Social bonds: financiam projetos que atendem questões sociais e/ou procuram resultados positivos para populações específicas;
  • Sustainable bonds: financiam projetos que tenham tanto benefícios ambientais, quanto sociais;
  • Transition bonds: títulos de empresas cujo impacto negativo é inerente à sua operação do setor, porém visam diminui-lo caminhando para a ecoeficiência. 

O mercado global dos green bonds somava U$ 259 bilhões no ano passado, um crescimento de 51% em relação a 2018, de acordo com o relatório Climate Bonds. Estados Unidos, China e França são os países que mais emitem esse produto financeiro.

Apesar do nome, é comum encontrar produtos verdes ou sustentáveis com investimentos em companhias que operam em setores poluentes como mineração e combustíveis fósseis. Isso não deve surpreender, segundo Mariana Oiticica, do BTG.

“Tem várias formas de você definir uma empresa ESG, mas mais importante do que ela cumprir determinados requisitos é a direção para onde ela vai. Por exemplo, tem empresas que são poluentes, mas tomam atitudes para neutralizar a emissão de carbono ou trocar a matriz dela para se tornar mais limpa. Esse direcionamento é muito mais importante do que o cenário em que a empresa se encontra no momento”, explica a executiva.

Cuidado com o "greenwashing"

Diante do crescimento do segmento, empresas podem se aproveitar para vender uma imagem verde que não corresponde à realidade, o chamado “greenwashig”, ou lavagem verde. “Quando compro uma ação de uma empresa que se diz ESG, o quão rastreável é o que ela faz? Hoje existe muita dificuldade de rastreamento na cadeia de suprimentos, de impacto”, alerta Carolina da Costa, professora do Insper.

Para evitar que os investidores comprem gato por lebre, existem empresas de auditorias nacionais e internacionais. A mais famosa é uma rede de investidores internacionais apoiada pela ONU, chamada Principle for Responsible Investment (PRI), que desde 2005 fornece um selo a empresas e organizações que demonstram publicamente o próprio comprometimento com investimentos responsáveis. Atualmente, os signatários no mundo são mais de 3 mil, sendo 61 brasileiros, entre eles a Caixa Econômica Federal.

Esses filtros servem, por exemplo, para impedir investimentos em setores como o de armamentos, tabaco, energia nuclear, pornografia, apostas e bebidas alcoólicas. A previsão dos analistas é que esses critérios levem, no longo prazo, a uma migração dos investimentos para empresas que respeitam os princípios de sustentabilidade.

Investimento verde faz parte de reinvenção do capital

As aplicações financeiras verdes fazem parte de um movimento mais amplo, que passa por uma reinvenção da economia como um todo e pela implementação de políticas públicas que fomentem a proteção ao meio ambiente e penalizem os setores mais prejudiciais.

“O Brasil e a América Latina têm um ambiente muito propício para esse capitalismo sustentável porque a gente tem muitos problemas sociais e um meio ambiente que viabiliza a energia limpa. Podemos ser um player muito importante nessa nova etapa”, avalia Mariana Oiticica, do BTG.

Em julho, empresários locais e investidores internacionais já sinalizaram ao governo brasileiro que é preciso de uma política ambiental de preservação do meio ambiente para que os negócios não sejam comprometidos e o Brasil volte a ter uma imagem positiva no mundo.

“A história mostra que grandes transformações vêm de um grande esforço político, que conversa com a demanda social. A sociedade pode ser um grande vetor de transformação quando ela começa a se indignar, cobrar, fazer pressão para que os políticos reajam a essa demanda. Foi assim que aconteceu com escravidão, cigarro, trabalho infantil, educação compulsória. Não vai acontecer por conveniência econômica, tem que ter uma agenda política protagonista”, afirma Carolina, do Insper.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que vai inserir um "imposto verde" na reforma tributária, o que deve colocar o Brasil nos trilhos. Mas, por enquanto, o país ainda patina na migração para a economia verde.

Ao contrário, a União Europeia anunciou no começo do ano o Green Deal, ou Pacto Verde, um pacote de investimentos de mais de 700 bilhões de euros até 2027 com o objetivo de transformar a matriz energética e zerar as emissões de gás de efeito estufa até 2050.

O Japão é outro país que avança a passos largos. Os investimentos sustentáveis no mercado financeiro cresceram 438% de 2016 para 2018. O governo japonês também se comprometeu a financiar a economia verde e calculou que se o país implementar todas as tecnologias baseadas nos princípios ESG, o PIB do país vai aumentar em 250 trilhões de ienes até 2030, equivalentes a R$ 13 trilhões, quase o dobro do PIB anual brasileiro.

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