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Hoje, quem escolhe modelo simplificado de declaração do IR tem desconto automático de 20% sobre a base de cálculo do imposto.
Hoje, quem escolhe o modelo simplificado de declaração do IR tem desconto automático de 20% sobre a base de cálculo do imposto.| Foto: Bigstock

Cogitado pelo governo para aumentar a arrecadação, o fim da declaração simplificada de Imposto de Renda (IR) atingiria em cheio a população que tem renda de dois a dez salários mínimos por mês. Essas pessoas não teriam mais direito ao desconto de 20%, que é concedido automaticamente a quem opta pelo modelo simplificado. Muito provavelmente, elas passariam a pagar mais imposto para o Leão, a não ser que tenham muitas despesas médicas e com educação para deduzir.

A declaração simplificada foi criada pelo governo em 1975 com o objetivo de facilitar o preenchimento da declaração de IR para contribuintes com rendimentos até determinado limite de renda e para substituir as deduções cedulares e os abatimentos, exceto de dependentes, pensão alimentícia e pagamentos a médicos, dentistas e despesas com hospitalização. Esse modelo ficou em vigor até o ano de 1989. Depois, os contribuintes ficaram por um período sem a opção, que retornou em 1996, em outras condições, que estão em vigor até hoje.

Pela regra atual, qualquer contribuinte pode optar pelo desconto simplificado. Quem escolhe esse modelo de declaração tem desconto automático de 20% sobre a base de cálculo do imposto. O desconto é limitado até o valor de R$ 16.754,34. Em contrapartida, o contribuinte não tem direito a fazer as deduções admitidas na legislação tributária, já que optou pelo desconto automático.

A declaração simplificada é indicada para quem tem poucas despesas a deduzir. Já o outro modelo disponível – a declaração completa – é recomendada para quem tem muitos gastos a deduzir, como os com saúde e educação. Quem opta pela declaração completa, não tem desconto automático. O desconto varia conforme a quantidade de deduções.

17 milhões de pessoas ganham o desconto de 20% no IR

Segundo a Receita Federal, 30,3 milhões de pessoas entregaram a declaração de IR em 2019, que tem como ano-base os rendimentos de 2018. Dessas, a maioria (17,4 milhões de pessoas) optou por entregar a declaração simplificada, com direito ao desconto automático de 20%. Apenas 12,9 milhões de pessoas usaram a declaração completa.

Entre os que optaram pela declaração simplificada, a maior parte (88,5%) é de contribuintes com renda de dois a 15 salários mínimos, segundo levantamento feito pela Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a partir de dados da Receita Federal.

As pessoas com renda entre dois e cinco salários mínimos correspondem a 40,10% dos contribuintes que optaram pela declaração simplificada. Pessoas com renda entre cinco e dez salários mínimos são 36,70% do total.

Pela classificação usada pelo IBGE, 76,80% das pessoas que declaram o IR simplificado estão nas classes C e D, ou seja, têm renda entre dois a dez salários mínimos.

A classe B, que tem renda de 10 a 20 salário mínimos, até chega a usar a declaração simplificada, mas está longe de ser a predominante. Somente 15,40% das pessoas da classe B optam pelo modelo simplificado. Já a classe A (renda superior a 20 salários mínimos) praticamente só usa a declaração completa, já que têm muitas deduções a fazer.

Especialistas criticam a ideia

Especialistas consultados pela Gazeta do Povo criticam a ideia de acabar com o desconto automático. Eles afirmam que é um modelo simplificado que funciona há décadas e facilita o trabalho do contribuinte e do próprio Fisco no pente-fino das declarações.

“Nunca houve críticas ao modelo simplificado. As pessoas sempre viram como uma forma de agilizar e a própria Receita nunca se preocupou em mudar a dinâmica, porque sabe que, se quer arrecadar mais, deve cobrar mais impostos e colocar a lupa sobre aqueles que ganham mais, que optam pela declaração do modelo completo”, explica o presidente da Unafisco, Mauro Silva.

“É uma medida que prejudica o contribuinte e o próprio Fisco. A pessoa que não tem renda não tão alta, ela não tem costume de guardar comprovantes de despesa médica. Os contribuintes vão ter muitos problemas na hora de fazer a declaração completa. Vai acabar caindo um monte de declaração na malha fina. E esse mesmo número de auditores vai ter milhões de declarações a mais para passar a lupa”, afirma Thiago Barbosa Wanderley, advogado tributarista sócio do Ogawa, Lazzerotti e Baraldi Advogados.

Eles também dizem que, quase que inevitavelmente, os contribuintes vão acabar pagando mais imposto ao Leão sem o desconto automático. “É uma medida altamente regressiva, porque vai atacar a parcela mais vulnerável da população que declara o IR, que são as classes baixa e média. Quem já opta pelo modelo simplificado, normalmente, já não tem plano de saúde, gastos com educação privada. São pessoas que não vão conseguir deduzir seus gastos e vão pagar mais imposto”, diz Wanderley.

Silva diz que, ao invés de o governo anunciar medidas para melhorar a eficiência tributária e combater a sonegação, está focando no contribuinte, principalmente aquele com renda salarial entre dois e sete salários mínimos. “Isso é efeito colateral do teto de gastos, que obriga cortar gastos e o desconto simplificado é um gasto tributário para a União.”

O presidente da Unafisco defende que o governo reveja as isenções tributárias. “Bastaria eliminar 20% dos privilégios que são as isenções tributárias que teríamos quase 60 bilhões de reais por ano, o que é muito maior que o governo vai arrecadar com o fim do desconto padrão”, estima Mauro Silva.

O tributarista Thiago Barbosa Wanderley também defende que o governo olhe menos para “tirar” dinheiro do contribuinte e passe a fazer o dever de casa. “Governo tá olhando muito para o contribuinte e pouco para si próprio. É preciso fazer uma revisão dos gastos públicos.”

Com a proposta, governo quer aumentar a arrecadação

A ideia de acabar com o desconto simplificado é da equipe econômica e foi divulgada pelo jornal Folha de São Paulo. Seria uma forma de aumentar a arrecadação do governo nos próximos anos, a fim de ajudar a financiar o programa social Renda Cidadã e até mesmo a perda de receita que a União terá com a provável manutenção da desoneração da folha a 17 setores da economia.

Ao mesmo tempo, o governo abandonaria a ideia de acabar com as deduções de educação e saúde, que privilegiam as classes média e alta. Essa ideia estava sendo gestada dentro do Ministério da Economia desde o ano passado, mas não agradou o presidente Jair Bolsonaro. Sobre o fim do modelo simplificado, o presidente não se manifestou publicamente.

As novidades devem constar no restante da reforma tributária do governo. As partes pendentes preveem aumento da faixa de isenção do IR da pessoa física; alíquota extraordinária para salários elevados; redução do IR pessoa jurídica, com a contrapartida de taxar dividendos; mudanças no IPI; e criação de um imposto digital para desonerar a folha para todos os setores.

O governo ainda não sinalizou quando enviará o resto da reforma tributária ao Congresso. É provável que fique para 2021.

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