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Queda da Selic ajuda com juros da dívida pública, mas refresco fiscal é temporário
Queda da Selic ajuda com juros da dívida pública, mas refresco fiscal é temporário| Foto: Pixabay

Em um ano completamente atípico, em que as projeções econômicas foram reviradas pela pandemia do coronavírus, a forte queda da Selic representa um pequeno refresco no quadro fiscal do Brasil. Fixada em 2% ao ano, menor patamar da história, a taxa acaba fazendo com que o país gaste menos com juros da dívida pública. Não fosse isso, a situação estaria ainda mais grave, em virtude de outros fatores que pressionam a dívida, como o baixo crescimento econômico e a perspectiva do pior resultado primário da história, com déficit próximo dos R$ 900 bilhões.

O alívio trazido pelo juro mais baixo é passageiro porque impacta apenas a rolagem da dívida. O tamanho dela crescerá mesmo assim, puxado pelo mau resultado das contas públicas. É que, para bancar as ações de mitigação da crise do coronavírus, o governo precisou se endividar, o que deve levar a dívida pública para perto de 100% do PIB no fim de 2020.

Ou seja, mesmo pagando menos juros graças à Selic no piso histórico e também à baixa inflação, o governo estará devendo mais porque tomou novos empréstimos que inflaram o "principal" da dívida.

A dívida bruta do governo geral – que engloba as pendências da União, INSS, estados e municípios – chegou a R$ 6,210 trilhões em julho, o que equivale a 86,5% do PIB. Esse é o maior resultado dessa série histórica.

De acordo com o Banco Central, a relação dívida/PIB cresceu 10,7 pontos percentuais (p.p.) neste ano, resultado das emissões líquidas de dívida (+ 5,9 p.p.), incorporação de juros nominais (+ 2,6 p.p.), desvalorização cambial acumulada (+ 1,4 p.p.) e efeito da variação do PIB nominal (+ 0,8 p.p.).

Em 2019, a relação dívida/PIB fechou o ano em 75,8%. Naquele ano, a carga de juros da dívida pública foi de 5,06% do PIB – ou R$ 367,3 bilhões em valores nominais. Esse último percentual foi o menor desde 2014 e já diminuiu em 2020. Dados parciais apontam que, até julho, essa carga está em 4,71% do PIB – e a tendência é de que feche o ano nesse patamar.

A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal, e o Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV, projetam que a relação dívida/PIB chegará a 96,1%. A Tendências Consultoria estima algo em torno de 95%. Antes da pandemia, projeções variadas, inclusive do governo, apontavam que a dívida cresceria até 2023 e então entraria em uma processo de inflexão.

Juros baixos são alívio momentâneo para a dívida pública

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que todo esse benefício que a inflação controlada e os juros baixos estão gerando nos resultados fiscais pelo lado nominal é temporário. E exige atenção, porque os outros componentes do quadro fiscal estão muito ruins.

O pesquisador do Ibre/FGV Matheus Rosa Ribeiro considera até difícil falar em refresco do quadro fiscal porque o déficit primário atual e a recessão trazem perspectivas de aumento representativo do endividamento público em relação ao PIB. “Mas, sem dúvidas, a situação atual estaria muito pior, não fosse a trajetória de redução das taxas de juros no país nos últimos quatro anos”, avalia.

A Selic não é o único indexador da dívida, mas é dos mais relevantes. O analista de contas públicas da Tendências Consultoria, Fábio Klein, lembra que é a taxa responsável pela indexação de cerca de 35% da dívida, que tem ficado cada vez mais “selicada”, próxima desse indicador. O restante tem a ver com juros futuros, taxa de câmbio, riscos inflacionários e prêmios.

A questão é que o país está em um ambiente de riscos e o cenário futuro é de incertezas, relacionadas principalmente ao modo de saída da crise do coronavírus. A avaliação de Klein é de que estamos, de certa maneira, desperdiçando o benefício temporário obtido com inflação controlada e juros baixos nos resultados fiscais, porque o país vai herdar uma situação fiscal muito ruim.

“Esse cenário de inflação e juros baixos ajuda no lado financeiro fiscal, porque o serviço da dívida fica mais baixo. Mas a dívida continua subindo de nível e, além disso, essa política monetária – que é atualmente frouxa – não será mais tão frouxa daqui a alguns meses, porque hoje as taxas são muito abaixo do que seriam para o equilíbrio da economia”, diz o analista.

Klein defende que esse é o momento de se aproveitar da ajuda da política monetária no resultado fiscal para fazer performance, porque esse cenário vai piorar ou a política monetária vai mudar, à medida que a economia for se aquecendo e retornando rumo ao que seria o PIB potencial do país.

Ele lembra que recentemente o Conselho Monetário Nacional (CMN) definiu a meta de inflação para 2023 em 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. A meta é menor do que as fixadas para 2021 e 2022 – de 3,75% e 3,5%, respectivamente. “Para conseguir cumprir essas metas, taxas tão baixas de juro não resolvem”, diz.

O analista ainda aponta outro fator para pressionar essa trajetória: a precificação dos riscos. “Mesmo com a Selic baixa, o fato é que para você financiar o Tesouro, com títulos de médio a longo prazo, o mercado vê esses riscos e vai começar a demandar prêmios maiores”, aponta. Ele lembra que a taxa de juros futura, que é um bom termômetro de risco na economia, assim como a taxa de câmbio, já estão subindo.

Além disso, a movimentação recente do mercado financeiro, que demonstrou não estar mais tão complacente em relação aos movimentos recentes do governo, indica que essa precificação já pode começar no presente. A debandada de parte da equipe de Paulo Guedes e o movimento "fura-teto" foram os principais fatores a desencadear essa última reação. “Com esses riscos se amontoando, os preços para emprestar para o Tesouro também vão começar a aparecer e isso vai encarecer o serviço da dívida, mesmo que parte dela esteja se beneficiando da Selic baixa”, avalia.

Gastos públicos desenfreados afetam a dívida

A manutenção do teto de gastos repercute diretamente na dívida pública – por isso, o compromisso do governo em brecar o movimento fura-teto e manter essa meta é tão relevante. Matheus Rosa Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV, ressalta que o teto é a grande âncora fiscal do país, que registra déficits primários no governo central desde 2014 e precisa assumir um comprometimento com a busca do ajuste fiscal pela contenção das despesas.

“Assim, uma condução da situação atual que não mantenha o comprometimento com a responsabilidade fiscal poderia trazer maiores juros e dificuldades para rolagem e sustentabilidade da dívida”, aponta.

Fábio Klein, da Tendências Consultoria, lembra que antes mesmo dessa discussão do movimento para furar ou flexibilizar o teto, já havia projeções que indicavam que parte dos gastos de combate à pandemia contaminariam anos à frente de 2021. E isso poderia acontecer em maior ou menor grau: a depender do montante de rescaldos a serem pagos nos anos seguintes, nem as reformas focadas em controle de gastos e contingenciamentos dariam conta do rompimento que seria imposto ao teto.

O problema desse afrouxamento fiscal, que faria o teto desabar, é que forçaria uma piora tão grande do déficit da dívida pública que seria preciso adotar medidas para contorná-la que envolveriam aumento da carga tributária.

O analista aponta que, em cinco meses, o auxílio emergencial já consumiu R$ 250 bilhões. E o sucesso da medida gera a intenção de capitalizá-lo politicamente com a expansão de programas de assistência social. Ainda que haja um remanejamento e junção de programas, Klein aponta que é improvável fazer um novo programa de renda básica sem implicar aumento de gastos.

Outro ponto é o tamanho do rombo das contas públicas neste ano, que deve ficar perto dos R$ 900 bilhões. Esse buraco “engole” toda a projeção de economia obtida com a reforma da Previdência para um período de dez anos – os valores variavam entre R$ 650 bilhões, como o calculado pela Tendências, e R$ 800 bilhões, estimado pelo governo.

“O déficit pode ficar desse tamanho ou maior, mas qualquer coisa que respingue para os anos à frente – de R$ 10 bilhões a R$ 60 bilhões por ano – é muita coisa, porque o teto não acomoda isso. Os riscos são muito elevados e é por isso que esse momento favorável de Selic e inflação baixas, reduzindo a pressão no serviço da dívida, é temporário”, pondera.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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