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| Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) por 273 votos a 150, o substitutivo do Projeto de Lei Complementar 441/2017, do Senado, que torna automática a participação do consumidor no cadastro positivo, o cadastro dos “bons pagadores” brasileiros. A matéria, que é considerada uma prioridade para a equipe econômica do governo federal, terá seus destaques votados na próxima terça-feira (15). Depois, seguirá para o Senado, já que o projeto teve origem lá e foi modificado.

Como a Gazeta do Povo já tinha mostrado no ano passado, o governo federal defende que a adesão em massa à lista de bons pagadores contribuirá fortemente para a redução dos juros ao consumidor, juntamente com outras medidas já encaminhadas, como as mudanças no cartão de crédito e no cheque especial. Essa visão é otimista demais, porém, frente à situação econômica do país e também a outros fatores.

SAIBA MAIS>> Por que os juros são tão altos no Brasil?

A proposta prevê a adesão automática dos consumidores ao cadastro positivo, ou seja, sem que eles sejam consultados previamente, por meio da alteração de duas leis que tratam sobre cadastros e responsabilidade civil dos operadores de crédito (Lei Complementar 105/2011 e Lei Federal 12.414/2011).

Com essa mudança, 120 milhões de brasileiros (número estimado de pessoas economicamente ativas no país) devem entrar automaticamente no banco de dados positivos, dizem os serviços protetores de crédito. Hoje são pouco mais de 5 milhões de pessoas lá, incentivadas a entrar na dança via serviços como Serasa Experian e SPC Brasil.

O texto aprovado prevê que a inclusão no cadastro é automática, mas o consumidor será comunicado sobre isso, por escrito, em até 30 dias. Além disso, as informações somente poderão ser compartilhadas 60 dias após a abertura do cadastro.

A grande sacada do cadastro positivo, segundo o governo e alguns especialistas, seria a inversão da lógica perversa de análise de crédito no Brasil— uma “aberração” em meio às dez maiores economias do mundo —, em que o veredicto é dado com base em informações negativas dos consumidores, não nas positivas.

Essa inversão da lógica de análise de crédito no Brasil daria, em tese, mais poder para os bons pagadores e, de quebra, colaboraria para reduzir a inadimplência e os juros no país.  Mas o cenário em torno dos juros altos do país é bem mais complexo do que isso. 

Embora a Selic, base das transações financeiras do país, já tenha caído bastante e a inflação esteja sob controle, outras razões para os juros altos no Brasil continuam a existir. 

Uma das principais delas é o chamado Risco Brasil, ou seja, a capacidade do país de honrar seus compromissos, dentro e fora de seu território, e também de ser um bom alvo de investimentos. Desequilíbrios fiscais e políticos são os principais calos do Brasil nesse item. Exemplo: não importa qual a sua opinião sobre a reforma da Previdência; o mercado espera que o Brasil a faça o mais rápido possível.

Há também as razões próprias do sistema brasileiro para os juros altos. Além da inadimplência, há a alta concentração de mercado — os cinco grandes bancos (Caixa, BB, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) dominam 78,5% do crédito — e a questão do crédito direcionado e dos compulsórios. 

Os depósitos compulsórios são uma forma do Banco Central controlar a quantidade de dinheiro na economia. Os bancos precisam depositar parte dos recursos captados dos clientes em depósitos à vista, a prazo ou poupança, numa conta do BC. Em 2015, o BC reduziu as exigências para o depósito à vista, mas apertou aqueles de poupança ao destinar parte deles para custeio do PAC. 

Na prática, os bancos tentam compensar essas obrigações compulsórias e a regulação do crédito direcionado, como no caso da habitação, nas taxas das demais modalidades de crédito. É o chamado subsídio cruzado. 

Sozinho, nenhum desses fatores, dizem os especialistas, é determinante para os juros altos no Brasil. Mas juntos, e isso não deve mudar tão cedo, travam qualquer esperança dos consumidores do país em ver juros menores.

Riscos para a privacidade dos dados dos consumidores

A adesão automática já fazia parte do projeto de lei original do cadastro positivo lá em 2011 e foi descartada principalmente por receios em relação à privacidade dos dados dos consumidores. 

Entidades como o do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o próprio Ministério Público Federal (MPF), que já publicou parecer sobre o assunto, colocam em dúvida o potencial do cadastro e batem o pé no sentido de que algumas lacunas, como a questão da privacidade dos dados e da transparência do processo, precisam ser sanadas antes de a ferramenta ser “automatizada”. 

Desde 2011, a posição do MPF é a de que sem um marco legal que proteja os dados dos consumidores de abusos, não há como tornar a adesão ao cadastro positivo algo automático. Para o órgão, falta clareza sobre que dados serão coletados, por quanto tempo e como serão utilizados, embora a própria lei do cadastro positivo traga algumas dessas informações.

O texto votado foi o substitutivo do deputado Walter Ihoshi (PSD-SP), que incluiu que a quebra de sigilo por parte dos gestores de bancos de dados, como no caso de permitir o vazamento de informações sobre o cadastrado, será punida com reclusão de 1 a 4 anos e multa, conforme Lei do Sigilo Bancário (Lei Complementar 105/01).  

Ainda assim, a avaliação geral das entidades é a de que a medida como está viola o direito à privacidade e proteção de dados pessoais nas relações de consumo, além de colocar o cidadão em situação de vulnerabilidade em relação às instituições financeiras.

BC terá que provar eficiência do cadastro positivo em 24 meses

Um artigo foi acrescentado ao texto-base do novo cadastro positivo exige que Banco Central encaminhe ao Congresso, no prazo de até 24 meses após a vigência do cadastro, relatório sobre os resultados alcançados com as alterações promovidas pela nova lei, "dando ênfase à ocorrência de redução ou aumento no spread bancário, para fins de reavaliação legislativa". 

Este relatório não significará mudança na lei do cadastro após 24 meses. Ele apenas servirá de referência para, eventualmente, o assunto voltar a ser tratado no Congresso. 

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