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Heloisa Ceni, vice-presidente do Grupo Bitcoin Banco: empresa investe em serviços ligados às criptomoedas | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Heloisa Ceni, vice-presidente do Grupo Bitcoin Banco: empresa investe em serviços ligados às criptomoedas| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Três jovens funcionárias, na casa dos 20 anos, olham para uma tela com certo tom de incredulidade. Quatro gráficos mostram a cotação em tempo real de quatro moedas digitais, a mais famosa delas o bitcoin. Todas operavam no vermelho naquele começo de tarde de quarta-feira. Estavam desvalorizando.

“Achei que a tevê estava quebrada”, brinca uma das profissionais, mal acostumada com uma série de altas que tiraram as criptomoedas do universo geek e de investidores hard e as levaram ao noticiário do dia a dia e às rodas de conversa em um bar qualquer.

Parece uma cena de Banking on Bitcoin, o documentário da Netflix que narra a batalha entre os bancos tradicionais e estes novos capitalistas, que apostam de forma ainda um tanto utópica no mercado financeiro digital – na esperança de fazer milhões. O Bitcoin Banco caminha na segunda direção.

“A Ásia está mexendo muito com o mercado. Coreia do Sul, China... O bitcoin é muito volátil. Qualquer coisinha faz com que o valor oscile. E estamos em uma semana de várias notícias um pouco negativas”, justifica a vice-presidente do Grupo Bitcoin Banco, Heloisa Ceni, enquanto se recosta na cadeira de sua sala. Aliás, poucos endereços poderiam ser tão pomposos para sediar uma empresa. 

A companhia atua em quatro andares do Curitiba Trade Center, o prédio do relógio na Alameda Doutor Carlos de Carvalho. São 70 funcionários em um total de 700 metros quadrados. Um destes espaços, onde a executiva concede esta entrevista, é no 30º andar, com uma vista tão vertiginosa quanto a valorização nos últimos meses de sua matéria-prima.

A empresa, fundada em julho de 2017, aposta em uma série de serviços envolvendo o bitcoin e seus parentes próximos. E para isso investe forte em imagem, ainda que trabalhem com algo que nem sequer tenha uma forma além de números e dados. Os escritórios são mesmo para ostentar.

“Parece até ir contra a maré. Em vez de ficarmos mais virtuais, estamos nos tornando cada vez mais físicos”, admite Heloisa. “Mas queremos mostrar que somos um banco mesmo”, diz.

Nos próximos meses, a companhia pretende abrir sua sede em São Paulo. Na Avenida Paulista. “Não tem como não ser lá”, diz a vice-presidente. O tom é de formalidade.

O que faz o Bitcoin Banco

O principal serviço desta startup não é exatamente uma coisa nova. Já existem sites gringos que fazem. Mas é novidade por aqui e chama a atenção por ter um espaço físico, coisa raríssima quando se fala de ativos virtuais. O Bitcoin Banco é o primeiro brasileiro a tratar as criptomoedas mais ou menos como um banco tradicional trata seu dinheiro. O cliente abre sua conta e deposita, por exemplo, um bitcoin. Essa moeda precisa ficar lá por pelo menos seis meses.

Enquanto isso, o banco vai pagando os rendimentos sobre essa ela, mais ou menos como uma poupança. E dali vem o faturamento da instituição: a empresa vai vendendo e comprando bitcoins no mercado, aproveitando as baixas e fazendo dinheiro na alta.

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É especulativo e, segundo seus executivos, lucrativo. Graças a isso, o cliente não paga taxas. “O bitcoin tem vários picos, 24 horas por dia, com possibilidade de ganhos muito mais altos do que a Bolsa de Valores convencional”, explica a vice-presidente.

Esse serviço especificamente não trabalha com moedas oficiais, como reais ou dólares, e por isso não é um banco propriamente dito, sujeitos às regras financeiras do Banco Central.

“Ainda assim temos regras de compliance e um departamento jurídico para nos colocar nas regras de banco”, defende Heloisa. Se houver regulamentação no curto prazo, estarão preparados. 

Mas o potencial cliente pode não ter bitcoins à mão. E aí entram os outros braços da empresa. Em um serviço dentro de seu guarda-chuva, atua no mercado de câmbio de dinheiro oficial para criptomoeda – é uma exchange, no jargão financeiro.

Logo após ser fundado, o grupo comprou o NegocieCoins, um dos sites que faziam a compra e venda de bitcoins. “Em outubro dobramos o faturamento dela. E dobramos novamente em novembro”, diz. O esquema é de negociação online. Além disso, a empresa prepara um cartão de crédito, o OpenCoins, para levar a moeda virtual ao mundo real. Ou seja, o usuário paga o cafezinho com seu cartão de crédito. Basta esse varejo admitir pagamentos em criptomoeda. A tarjeta está na incubadora.

Também de olho no mundo real, a empresa comprou uma imobiliária, a Inspira imóveis. “Ela é mais estratégica do que financeira. Lida com imóveis de médio e alto padrão. As pessoas podem comprar com bitcoin, fazer caução”, explica a vice-presidente.

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Nessa modalidade, o caução, promete-se menos burocracia que o normal. E com segurança: se a pessoa fecha um contrato e paga o equivalente a R$ 10 mil (em Bitcoins), no final do contrato receberá esse dinheiro e sua valorização. Se a moeda desvaloriza, porém, o contrato estabelece que essa perda é absorvida pela empresa.

O grupo, porém, não abre número de quantas pessoas aderiram a cada um dos serviços e nem do montante negociado até aqui.

Não é um jogo ganho. É uma aposta que depende de muitos fatores

Ainda que a gigante dos serviços financeiros JPMorgan tenha classificado o bitcoin como “novo ouro” ou que o Deutsche Bank avalie a moeda em seus relatórios, há incertezas sobre como os países vão permitir ou barrar as moedas digitais. China e Coreia do Sul indicaram o desejo de barrar as negociações com elas em seus territórios. Por aqui, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) esclareceu ainda em janeiro que os  fundos de investimento estão proibidos de aplicar em moedas virtuais.

Além disso, um projeto sobre a regulamentação de criptomoedas tramita na Câmara dos Deputados, com indícios de parecer contrário de seu relator Expedito Netto (PSD-RO) – algo alinhado ás ações mais recentes do Banco Central.

E tem mais. Bancos como Bradesco e Itaú parecem ter comprado briga com as exchanges brasileiras. As duas instituições fecharam contas-correntes destas empresas de câmbio – é que elas precisam de bancos tradicionais para movimentar os reais usados no trade dos bitcoins.

Uma das prejudicadas, a Mercado Bitcoin, afirmou ter movimentado R$ 2 bilhões em 2017 dessa forma. “[Os bancos] não informaram o motivo, simplesmente dizem que a conta foi negada”, disse à Veja no mês passado o CEO Rodrigo Batista.

Sobre isso, o Bitcoin Banco prefere um discurso moderado. “Penso que os bancos estão fazendo o papel deles. Se um cliente chega aqui com um dinheiro e não consegue me explicar a origem, eu não aceito”, defende Cláudio Oliveira.

Para ele, o grande problema são os mitos em torno das criptomoedas, ainda ligadas no imaginário popular ao cibercrime. Em dezembro a empresa decidiu encabeçar essa luta. Lançou o Instituto Nacional de Defesa dos Operadores de Câmbio de Criptomoedas (iCoinomia) que quer fazer um lobby para a regulamentação das criptomoedas e, acima de tudo, desmitificá-la.

Basicamente é um instituto que une as empresas que trabalha com a criptomoeda para terem voz nas discussões de legislação da moeda e das exchanges. Em março, haverá uma apresentação formal ao mercado. “Estamos fazendo aproximação com peças-chave, a favor da regulação da moeda, gente de São Paulo”, diz Heloísa. 

É um caminho ainda incerto para o mercado financeiro. Mas o Bitcoin Banco não parece ter medo de apostar, afinal essa é a alma do seu negócio. Por enquanto, o Bitcoin ainda é tímido no mundo real – está na baixa. Mas pode de fato ser a moeda do mundo a que se propõe. E, se chegar a pelo menos um pouco disso, o time dos utópicos vai faturar uma boa grana.

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