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No ano passado, eu estava em reunião com uma líder do setor de saúde feminina, discutindo programas de reentrada no mercado de trabalho para as mulheres que acabaram de dar à luz quando, do nada, ela começou a reclamar de uma antiga funcionária. “Ela engravidou e aí foi um problema porque passou a pensar só naquilo. A gravidez a distraiu muito. Achei que não conseguiria se dedicar ao trabalho como deveria e aí não tive outra opção a não ser mandá-la embora.” Olhei para ela, atônita. Aquela mulher, que também era mãe e trabalhava com iniciativas de apoio feminino, estava admitindo abertamente, na maior calma, a discriminação ilegal contra outra mãe.

Nos últimos meses, temos visto uma enxurrada de histórias de assédio sexual e discriminação de gêneros no ambiente de trabalho, mas as dificuldades enfrentadas pelas mães não recebem destaque, embora, como a minha conversa com a tal mulher mostrou, a parcialidade contra elas seja quase sempre casual, explícita e incontrita.

Processos judiciais mostrando o alcance e o teor desse tipo de discriminação é o que não falta. Em um caso em Illinois, uma mulher processou seu empregador por ele ter admitido, com todas as letras, que preferia trabalhar com gente que não tivesse filhos. Logo depois, recusou-se a dar o bônus que prometera a ela, ao atingir as metas de venda, e que pagou para os que não eram pais. A moça acabou sendo despedida quando teve que reagendar uma reunião por causa do filho doente. (Ela entrou com uma ação por discriminação e ganhou.)

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Em um caso no Colorado, uma mulher conta que foi informada abertamente que fora preterida em uma promoção porque achavam que não ia querer ser transferida ou trabalhar as 50-60 horas/semana que o novo cargo exigia, já que “tinha um trabalho integral em casa, com os filhos”. A empresa tomou tal decisão sem nem mesmo consultá-la. Ela também ganhou a ação.

“O preconceito contra as mães é uma das formas mais fortes de discriminação contra a mulher. Aposto que tem muita gente que se horroriza com o assédio sexual e a intolerância em geral, mas que rejeita/critica as mães ou aguenta um tratamento inadequado. Isso é muito prejudicial”, diz Liz Morris, vice-diretora do Centro para Leis no Ambiente de Trabalho, grupo de pesquisa e defesa da igualdade de gêneros e raças.

Ainda que as mães não sejam uma classe trabalhadora reconhecida, marginalizar uma mulher por causa da gravidez é uma forma de distinção de gênero, e o preconceito assumido por causa das necessidades maternais que elas têm que suprir é uma forma de discriminação em relação às responsabilidades familiares.

Em ambos os casos, a mulher pode registrar uma queixa na Comissão de Igualdade de Oportunidades de Trabalho – que, se não for solucionada através de mediação e acordos extrajudiciais, tanto a EEOC como a requerente podem levar a questão para a esfera federal.

Há inúmeras provas de que a discriminação contra as mães é um problema sistêmico que vai muito além de alguns poucos chefes ruins. As pesquisas mostram constantemente que elas são consideradas menos competentes e comprometidas com o trabalho, apesar de todas as evidências em contrário. Um estudo publicado na American Journal of Sociology concluiu que quando as candidatas a um emprego eram iguais em todos os aspectos, mas havia uma indicação sutil que uma delas era mãe, o fato reduzia as probabilidades da mesma de ser escolhida em 37 por cento. O salário recomendado para as mães a quem foi oferecida a vaga era US$11 mil mais baixo que o das candidatas sem filhos. (Os pesquisadores também descobriram que essa tendenciosidade em relação a contratação e salário não afeta os pais de forma nenhuma. Aliás, o homem que tem filhos geralmente ganha mais que o que não tem.)

As consequências desse tipo de preconceito, como se pode imaginar, são enormes. Em The Upshot, Claire Cain Miller destacou diversas pesquisas provando que os ganhos das mulheres que têm filhos durante o período de 25-35 anos de idade nunca se recuperam em relação ao salário de seus maridos. Os das mulheres sem filhos frequentemente fica mais próximo aos deles, e o fato de ter um filho leva a uma queda brusca no salário em termos imediatos, e na trajetória salarial de longo prazo. A falta de avanço profissional das mães como resultado da discriminação, chamada de “muro materno”, geralmente tem um grande impacto na determinação de quem alcança as posições de maior destaque – o que, por sua vez, determina quem define as políticas que afetarão as mães mais jovens, recém-chegadas ao mercado de trabalho.

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Por que então não há mais mulheres denunciando publicamente e em detalhes, no estilo #MeToo, as injustiças que sofrem no ambiente de trabalho? Tenho algumas teorias: uma vez que a mãe que trabalha fora tem família para sustentar, tem também muito mais a perder, o que faz com que tenha menos disposição para pôr em risco o atual emprego e/ou a carreira. Além disso, a mulher que tem filhos continua sendo julgada negativamente, pelos empregadores em geral e pela sociedade, se avançam profissionalmente. Não precisa muito para internalizar esse sexismo e se convencer de que nossos filhos se veriam muito melhores com uma mãe que não tem um emprego exigente – o que pode nos levar à resignação, e não à revolta por não sermos levadas em conta no caso de uma promoção ou não sermos chamadas depois daquela entrevista de emprego. Ou talvez a mãe que trabalha fora esteja apenas exausta.

Gritante para mim também é o fato de que nunca ter havido um caso de grande repercussão ou debate nacional a respeito da discriminação contra as mães, que comece a aguçar no consciente coletivo a noção de que esse tipo de preconceito é errado e extremamente prejudicial. Se houvesse um depoimento nos moldes do de Anita Hill, com direito a minúcias, aposto que as coisas começariam a mudar.

Se ainda não soubemos de casos de mães se manifestando, torço para que isso mude, e logo. Vivemos um momento inédito para as mulheres, que estão levantando suas vozes com mais firmeza que nunca. Mães de filhos pequenos estão se candidatando a cargos públicos em números históricos, desafiando o estereótipo de que o eleitor não se sente à vontade para votar em mulheres com crianças pequenas em casa. Algumas, inclusive, aparecem amamentando nos anúncios de campanha, o que representa um triunfo incontestável para a normalização da prática. Se a barreira do silêncio um dia começar a se romper, acredito que, em breve, ouviremos falar muito do #MomsToo.

*Ela é jornalista e está criando um podcast sobre as millennials que são mães e trabalham fora.

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