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O debate sobre meio ambiente e sustentabilidade no cenário pós-pandemia vai impactar o agronegócio e investimentos no Brasil
O debate sobre meio ambiente e sustentabilidade no cenário pós-pandemia vai impactar o agronegócio e investimentos no Brasil| Foto: oão Laet / AFP

A pandemia do novo coronavírus deixou alguns outros debates de lado em 2020. Mas, à medida que o vírus perde força na Europa e países como Brasil e Estados Unidos se acostumam com o alto número de casos e mortes, velhas discussões voltam à tona. E uma das que ganham força é o debate sobre meio ambiente e sustentabilidade após a Covid-19, principalmente no que diz respeito a investimentos.

Para o Brasil, pesa ainda mais a pressão sobre as políticas ambientais, como o controle ao desmatamento e queimadas, a proteção da Amazônia e as práticas do agronegócio. O setor não quer estar associado a polêmicas, porque entende que isso prejudica os negócios.

O tema foi amplamente debatido no congresso anual da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), no início do mês, quando representantes variados do setor cobraram posicionamento do governo e reiteraram compromisso com boas práticas e alinhamento com os anseios do consumidor final.

Em resposta, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cobra mais empenho do setor – nesta terça (25), disse que o agronegócio exportador que se beneficia da Amazônia e quer preservar sua imagem de sustentabilidade deveria "partilhar parte de sua receita com exportações" para ajudar a preservar a região.

Nesta quarta, o vice-presidente Hamilton Mourão se manifestou sobre o tema. Coordenador do Conselho Nacional da Amazônia, ele disse que as abordagens das Forças Armadas na Amazônia centradas unicamente na repressão aos crimes ambientais "são onerosas e pouco eficientes no longo prazo".

O governo de Jair Bolsonaro nunca deixou claro quais seriam suas políticas ambientais prioritárias e a gestão da área no ano passado, em que as queimadas registraram recordes, deixou marcas. A situação ficou mais delicada após a divulgação da reunião ministerial de 22 abril, em que Salles falou em aproveitar a pandemia para "passar a boiada" e apostar em reformas infralegais no setor.

Houve reação de parte do mercado e, desde julho, os ministros Tereza Cristina (Agricultura) e Paulo Guedes (Economia) têm dado declarações para reiterar o compromisso do governo com o meio ambiente e a sustentabilidade.

E ela é justificada. Responsável por um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o agronegócio é um dos poucos setores que vão crescer este ano em meio à pandemia do coronavírus. Com a expectativa de colher uma safra recorde de grãos - o faturamento do setor "da porteira para dentro" deve atingir R$ 730 bilhões em 2020 -, a agricultura nacional não quer ficar com a imagem negativa no exterior, de um país que desmata

A preocupação com a sustentabilidade no agronegócio

Em julho, antes de participar de um encontro com produtores de cafés especiais, Tereza Cristina já levantou a bola de que, passada a pandemia, a tendência é de que haja um aumento das discussões sobre sustentabilidade, no âmbito de acordos com países e entre consumidores finais. Sinais já haviam sido dados pelas preocupações de varejistas do Reino Unido e da Alemanha com aspectos de sustentabilidade da produção agropecuária brasileira.

A avaliação da ministra é de que, após a pandemia, devem aumentar as exigências por certificação, rastreabilidade e embalagem. Por sua vez, isso vai exigir mais cooperação entre governo e cadeia produtiva.

“Os desafios são grandes e será preciso engajamento do setor privado, em um processo robusto de governança para o país avançar”, acrescentou. Entre os desafios, a ministra citou a necessidade de regularização fundiária para solucionar conflitos agrários históricos e de avançar na implementação do código florestal.

Esses desafios são antigos, como observa Marcos Jank, professor e pesquisador sênior do agronegócio global do Insper. O que mudou é que a pressão para resolvê-los não vem apenas de ONGs. "O setor privado está liderando esse processo [de discutir a sustentabilidade]. Não é mais só papel das ONGs ficarem cobrando por isso. Empresários brasileiros estão participando desse debate. A novidade é que as cadeias estão mais organizadas. Os grandes varejistas e consumidores globais estão cobrando mais sobre a origem dos alimentos", argumenta.

Crescer sem desmatar é possível

O agronegócio brasileiro não precisa da Amazônia para crescer, ressalta Pedro de Camargo Neto, uma das principais lideranças do setor e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Estima-se que menos de 2% dos produtores sejam responsáveis por 62% do desmatamento ilegal na Amazônia e no cerrado brasileiro, de acordo com a publicação da revista científica Science.

"Tem de seguir a lei. No fundo, o Código Florestal virou irrelevante porque não se fiscaliza", reforça Camargo Neto. Mas, para o líder do setor, o agronegócio brasileiro é um dos mais eficientes do mundo e não deve ser penalizado pelos que praticam a agricultura predatória.

Também especialista em comércio exterior, Jank diz que o principal cliente do agronegócio brasileiro não é a Europa e os Estados Unidos, mas sim o mercado asiático. Na Europa, segundo ele, a preocupação hoje é claramente com as práticas socioambientais: crescimento sustentável, relações entre agricultura e desmatamento, mudança do clima, uso da água e da terra, mas esses temas ainda não chegaram ao centro da agenda asiática. "Já a preocupação da Ásia é a necessidade de aumentar a produtividade da agricultura e a qualidade e sanidade dos alimentos."

"A grande maioria do agronegócio é séria - tem boa origem, rastreabilidade e não faz desmatamento. Mas o fato é que existe um desmatamento crescente e uma pressão internacional por conta disso. Temos de fazer entre nós um esforço para combatê-lo", diz o empresário Guilherme Leal, um dos fundadores da empresa de cosméticos Natura -- empresa referência em sustentabilidade no país e no mundo.

Brasil pode liderar agricultura sustentável

Com uma produção de grãos estimadas em cerca de 250 milhões de toneladas, o plantio ocupa uma área de 65 milhões de hectares - a tecnologia tem avançado na agricultura brasileira. Parte dos produtores também está priorizando a redução de agroquímicos em suas áreas de cultivos para buscar um manejo mais sustentável no campo.

Para Jank, o Brasil tem total condição de liderar processo da agricultura mais sustentável do mundo e já adota práticas como o plantio direto, integração entre lavoura, pecuária e floresta, a produção de biocombustíveis e agricultura de baixo carbono.

Mas o conceito de sustentabilidade é muito amplo, lembra Camargo Neto. "Não dá para dizer que o plantio com grãos transgênicos e uso de agroquímicos não sejam sustentáveis", diz um dos principais líderes do agronegócio. "A atividade agrícola também tem de ter sustentabilidade econômica ao produtor para ser viável."

Para especialistas e empresários ouvidos pelo Estadão, é preciso também combater a desinformação lá fora a respeito do Brasil. "A imagem do Brasil está arranhada lá fora sim. Mas há uma fração majoritária de injustiça. O garimpo não é agro e a extração de madeira ilegal também não tem o apoio da agricultura", diz o professor Felippe Serigati, pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Compromisso ambiental reiterado

Também em julho, o ministro Paulo Guedes participou de um evento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em que fez um discurso enfático de compromisso com a preservação da Amazônia.

“Sabemos que temos que reduzir os efeitos sobre o meio ambiente. Queremos apoio e compreensão para fazer isso melhor. O Brasil sabe da importância do desenvolvimento sustentável não apenas do ponto de vista fiscal, como do ponto de vista ambiental. Se há excessos e erros, corrigiremos. Ou melhor dizendo, não aceitaremos o desmatamento ilegal e a exploração ilegal de recursos”, declarou na ocasião.

O discurso foi reforçado dias depois pelo secretário de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério da Economia, Erivaldo Gomes, durante a reunião financeira do grupo das 20 maiores economias do globo (G20).

Gomes disse que o governo brasileiro se prepara para atuar em quatro pilares para melhorar a resiliência e promover o crescimento: implementação de reformas estruturais e investimentos em infraestrutura, fortalecimento da proteção social e geração de emprego, promoção de uma integração mais profunda do Brasil na economia global e compromisso com a proteção ambiental. Sobre este ponto, o secretário disse que o governo não vai tolerar práticas ilegais, mas também desconsiderará as “falsas narrativas baseadas em interesses protecionistas”.

Guedes também tinha feito essa associação no evento da OCDE, que retomava um discurso anterior e recorrente de Bolsonaro. O presidente disse que parte das críticas à política ambiental brasileira ocorreriam por má fé de países que competem com o Brasil no mercado global.

O ministro reproduziu parte desse argumento. “Sabemos que preservamos mais as nossas florestas e protegemos nossos povos indígenas melhor que outros países, onde houve guerras de extermínio. O Brasil alimenta o mundo preservando o seu meio ambiente. Queremos ajuda, mas não aceitamos falsas narrativas sobre o que aconteceu nas últimas décadas. Pedimos compreensão à comunidade mundial. Muitos escondem seu protecionismo condenando o Brasil. Há muitos interesses protecionistas criticando o Brasil e não ajudando”, argumentou na ocasião.

Pressão sobre as políticas de governo

O estilo da gestão Bolsonaro na condução das políticas ambientais, aliado às declarações do presidente e de ministros, afetam a reputação do Brasil no exterior e já motivaram a reação de fundos internacionais que declararam intenção de suspender investimentos no país ou manifestaram claramente o desagrado com a condução dessas ações.

Além da pressão de investidores internacionais, um grupo de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central divulgou uma carta em que pressionam o governo por conta da questão ambiental. Eles cobraram ações para que o desmatamento, tanto da Amazônia quanto do Cerrado, caia para zero e propuseram caminhos para o alcance da chamada economia de baixo carbono, como o investimento em novas tecnologias e o aumento da cooperação internacional.

O vice-presidente Hamilton Mourão foi escalado para tentar amenizar a pressão sobre o governo. Além de se reunir com investidores, Mourão tem conduzido as reuniões do Conselho da Amazônia e também divulgado as ações da operação Verde Brasil, que tem a participação do exército na região da Amazônia Legal voltadas para preservação.

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