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Mercado de trabalho
Pandemia do novo coronavírus acelerou tendências no mercado de trabalho.| Foto: Unsplash

A adoção de medidas de distanciamento ou de isolamento social como estratégia de contenção da Covid-19 impôs mudanças no dia a dia das pessoas, inclusive na vida profissional. Pressionado pelas necessidades que surgiram junto da onda do novo coronavírus, o mercado de trabalho brasileiro acabou empurrado para o futuro.

Esse “fast forward” se deu a partir da adoção mais ampla do trabalho remoto e de uma aceleração da transformação digital em negócios dos mais diversos portes e segmentos. Os dois movimentos ganharam tração em 2020 para que empresas garantissem sua sobrevivência em tempos de pandemia, mas prometem ter vindo para ficar.

O pesquisador Yuri Lima avalia que, com a pandemia de Covid-19 e a necessidade de distanciamento físico, se percebeu a aceleração de uma série de tendências que – esperava-se - ocorressem apenas dentro de anos e até mesmo décadas.

“Algumas foram bruscas como a passagem do trabalho presencial para o trabalho à distância, particularmente o home office. Outras mudanças exigem mais investimento e tempo, mas já são percebidas como o avanço da automação. No futuro, acredito que tenhamos uma permanência de algumas das transformações”, disse o especialista, integrante do Laboratório do Futuro, ligado ao Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Lima destaca a derrubada de uma barreira cultural que muitas empresas ainda tinham com relação ao teletrabalho. Já a automação, que envolve investimentos mais altos de capital e a própria transformação do modo de operação das empresas, é mais lenta, mas “também é de se esperar que seja um caminho sem volta e o movimento deve só se intensificar”, frisa.

Lima compara as movimentações do mercado de trabalho brasileiro durante 2020 com uma “fotografia” anterior à pandemia. O retrato em questão é o Mapeamento da Automação no Brasil, publicado antes da crise sanitária. “Nesse estudo, estimamos que 60% dos trabalhadores estariam em alto risco de terem suas ocupações automatizadas nas próximas décadas”, revela.

Quem tem medo de tecnologia?

Resultados brasileiros do Global Skills Gap Report (Relatório Global de Lacuna de Habilidades, em tradução livre) realizado pela Udemy apontam que mais da metade dos brasileiros percebe que a tecnologia pode, sim, impactar sua realidade no mercado de trabalho.

Segundo a pesquisa da maior plataforma mundial de Ensino a Distância, 56% dos profissionais ouvidos concordavam que a inteligência artificial e a automação serão capazes de realizar os seus trabalhos dentro dos próximos cinco anos.

Dentre os países pesquisados, o Brasil é o segundo em que as pessoas mais concordam com essa afirmação, superado apenas pela Índia, com 76%. Já Espanha e França (únicos os países europeus que participaram da pesquisa), aparecem com as menores porcentagens, 42% e 44%, respectivamente.

Na avaliação da diretora sênior de comunicação global da Udemy, Romina Ederle, o resultado pode ter relação com a natureza dos empregos em cada um desses lugares. “Os países com mais profissionais em cargos operacionais tendem a ter mais profissionais preocupados em perder os seus empregos para a automação, por exemplo. Além disso, boa parte dos profissionais que participaram da pesquisa concorda que o uso crescente de inteligência artificial e da automação deve levá-los a aprender novas habilidades nos próximos anos, para substituir as que se tornarão obsoletas com o tempo”, revela.

Junto da preocupação com uma eventual substituição de sua mão de obra pela automação, o profissional brasileiro é um dos mais ansiosos quanto ao seu futuro no mercado de trabalho. O Brasil é o país em que mais profissionais consideram que existe uma lacuna de habilidades no mercado de trabalho, são 94% dos pesquisados.

Na contramão, os brasileiros se mostram bastante confiantes e otimistas quando o assunto é a própria formação: 76% dos pesquisados acreditam que a sua formação forneceu as habilidades necessárias para o mercado de trabalho de hoje. Na França, por exemplo, esse número é de 44%.

Mercado de trabalho depois da pandemia

A partir das mudanças que foram aceleradas pela pandemia, pode-se traçar uma previsão de quais os trabalhadores que podem ser mais afetados e aqueles que, em tese, devem se beneficiar desse novo mercado de trabalho.

Segundo o professor Yuri Lima, da UFRJ, por exemplo, o comércio varejista, um dos setores que mais empregam no Brasil, é também um dos mais fortemente impactados nos últimos anos pela transformação digital que se acentuou na pandemia.

“O trabalho nesse setor, composto principalmente e tradicionalmente por vendedores e operadores de caixa, sofre por diversas frentes como a automação, a digitalização, a entrada de empresas estrangeiras no país e a crise econômica que causa redução do consumo”, lista ele.

No outro lado, aparecem as profissões ligadas ao que se chama de STEAM (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) que “têm sido colocadas como fundamentais para o futuro desde antes da pandemia e isso se tornou mais evidente ainda agora”.

Independentemente dessas movimentações que podem ser esperadas, Lima avalia que o papel da transformação digital vai muito além do desemprego e da criação de novas profissões, mas tende a alterar a forma como o trabalho é feito e organizado. “Percebemos que todas as profissões têm potencial de serem modificadas pela tecnologia permitindo um aumento de produtividade, precisão, qualidade e segurança do trabalho”.

O especialista destaca ainda que a pandemia evidenciou o papel central de ocupações geralmente desvalorizadas apesar de essenciais, como operadores de caixa, motoristas de ônibus e entregadores – expostos a situações de mais risco ou a condições de trabalho precarizadas.

Com base nisso, Lima avalia que “os diretos trabalhistas que ainda existem e que são em parte assegurados pela carteira assinada são extremamente importantes para o trabalho do futuro. Cabe ao Estado entender os desafios que se colocam para o mercado de trabalho não só atualmente, mas também para o futuro. [...] É preciso proteger os trabalhadores, não os postos de trabalho, e auxiliá-los a navegar a complexidade do futuro”.

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