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Alta da inflação e dos juros é um dos fatores que tem segurado as expectativas do mercado para o crescimento da economia, principalmente em 2022.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

As expectativas do mercado para o crescimento da economia brasileira estão em queda. Em seis semanas, o ponto médio das projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021 baixou de 5,28% para 5,04%, segundo o relatório Focus, do Banco Central. Menos otimista é o cenário para 2022, em que a mediana das previsões recuou de 2,04% para 1,57% no mesmo período.

Na visão do mercado, pesam contra a economia brasileira fatores como a alta da inflação e dos juros; a crise hídrica; incertezas político-fiscais no ano eleitoral; e a desaceleração da China.

O governo federal, enquanto isso, optou por manter suas projeções em comunicado recente. Prevê alta de 5,3% no PIB de 2021 e de 2,5% em 2022.

Para o Ministério da Economia, fatores como o investimento privado, a consolidação fiscal, a taxa de poupança elevada, o efeito das reformas pró-mercado e retomadas do setor de serviços e do mercado informal de trabalho vão garantir, no ano que vem, uma expansão bem superior à projetada pelo mercado.

Mercado vê tensão e incerteza no horizonte

Juan Jensen, sócio da consultoria 4intelligence, avalia que as expectativas estão sendo derrubadas por turbulências políticas, a incerteza eleitoral e à incógnita sobre o que será a política econômica do próximo governo, Ele não descarta que novas tensões se formem nos próximos meses.

O sócio da Julius Baer Family Office (JBFO), Samuel Pessôa, também aponta que outra força contracionista é a política monetária mais forte, caracterizada por um aumento na Selic, a taxa básica de juro. A projeção para o final do ano é de que chegue a 8,25% segundo o relatório Focus, e a 8,5% no final do ano que vem. Mas já há expectativas sinalizando para 10%.

Avaliação similar é feita pela Instituição Fiscal Independente (IFI). A entidade, que é ligada ao Senado, vê uma piora do quadro na passagem do primeiro para o segundo semestre.

No primeiro, marcado por um desempenho melhor do PIB, houve melhora na arrecadação tributária e queda na relação dívida/PIB. "A alta no preço das commodities, a desvalorização do real em relação ao dólar e inflação colaboraram para isso", aponta relatório.

Por outro lado, o quadro de inflação elevada, a elevação dos juros, o risco fiscal crescente, a crise hídrica e energética e o risco político-institucional pioraram as perspectivas para estas segunda metade do ano. A IFI prevê expansão de 4,9% em 2021 e de 1,7%, em 2022.

Inflação e juros em alta afetam projeções para o PIB

Um dos fatores que está contribuindo para essa queda nas projeções é o aumento na inflação, que tem levado o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central a promover altas na Selic. A taxa foi elevada para 6,25% na reunião da semana passada. “A reação do Banco Central é de levar o juro aonde for preciso para controlar a inflação”, diz Jensen.

Segundo Alessandra Ribeiro, diretora da consultoria Tendências, o maior impacto dessa alta na inflação é sentido principalmente pela população de baixa renda. Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que a alta de preços nos 12 meses encerrados em agosto foi de 10,63% para domicílios com rendimento de até R$ 1.808,79. E aquelas que ganham mais de R$ 17.764,49 viram os preços aumentarem 8,04%, em média.

O Brasil deve encerrar o ano com uma das maiores inflações entre as grandes economias globais, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. As projeções de mercado indicam para uma alta de 8,35% nos preços, de acordo com o relatório Focus.

“E no ano que vem, teremos uma das menores taxas de crescimento”, diz. A MB projeta uma expansão de apenas 0,4% na economia brasileira em 2022, puxada pela crise hídrica e pelo cenário político adverso.

Questão climática também pode prejudicar atividade

Outro impacto negativo nas expectativas de crescimento é a questão climática. A pior situação hídrica em 91 anos fez com que as tarifas de energia aumentassem 21,12% nos últimos dois meses, conforme o IPCA-15, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não bastasse isso, a produção de milho caiu 16,4% em relação à safra anterior, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Vale não acredita que as chuvas sejam suficientes para encher os reservatórios. “Temos de ver como o La Niña vai atuar”, diz. Segundo o Operador Nacional do Sistema (ONS), no domingo (26) os reservatórios do subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsáveis por 70% da geração de energia elétrica, ocupavam 17,2% da sua capacidade. A melhor situação está no subsistema Norte, onde os reservatórios estão com 62,4% de sua capacidade. Na média de todo o Sistema Interligado Nacional (SIN), o índice é de 24,9%.

As baixas temperaturas que atingiram o Sul e o Sudeste do país no fim de junho também contribuíram para acirrar as pressões inflacionárias. Alimentos in natura, como os hortifrutigranjeiros, foram os mais afetados pela geada.

Incertezas político-fiscais rebaixam previsões do PIB para 2022

O ambiente de incertezas, principalmente no campo político e fiscal, também ajuda a rebaixar as expectativas de crescimento do PIB. “A economia é feita pela política”, diz Vale. Para ele, o cenário político não mudará no curto prazo e os riscos fiscais tendem a ser crescentes.

Alessandra Ribeiro, da Tendências, complementa afirmando que esse ambiente mais incerto influencia negativamente a confiança de pessoas e empresas, afetando a precificação de ativos, o consumo e o investimento. “Fica mais caro tomar crédito no mercado”, diz.

Uma das principais incertezas está relacionada à questão dos precatórios, que ameaçam o teto de gastos. O governo federal busca alternativas para o pagamento, em 2022, de R$ 89 bilhões em sentenças em que não há mais possibilidade de recurso – valor 60% maior que o deste ano.

Pessôa vê que a questão fiscal é mais aguda e acontece em meio a um conflito distributivo, que se arrasta há anos. “As leis que gerem o gasto público não conversam com a arrecadação. E, ainda mais, há a inexistência de um acordo sobre como financiar o Estado. Isto impede um ciclo sustentável de crescimento para a economia brasileira.”

Desaceleração da China pode respingar no Brasil

Uma preocupação vem do outro lado do mundo, aponta Lucas Godoi, economista da GO Associados: é o ritmo de desaceleração da economia chinesa. O assunto ganhou mais evidência após os problemas com a megaincorporadora Evergrande, a segunda maior do país, e que está fortemente alavancada. Seus ativos correspondem a 6,5 vezes o capital próprio. E a dívida chega ao equivalente a 15% do PIB brasileiro.

Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a segunda maior economia global deve crescer 8,4% neste ano e 5,6%, em 2022. Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) essas taxas devem ser, respectivamente, de 8,5% e 5,8%.

Os primeiros sinais de alerta estão no ar. Apesar de a exportação de minério de ferro para o país asiático ter crescido 11% em tonelagem e 127,4% em valor no comparativo entre os oito primeiros meses de 2020 e 2021, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o preço caiu praticamente pela metade desde o pico registrado em abril/maio.

Crescimento garantido em 2021

Mesmo com essas questões, os analistas sinalizam que o bom desempenho do PIB em 2021 está praticamente garantido, apesar de faltarem pouco mais de três meses para o encerramento do ano.

Pessôa aponta que os serviços devem despontar como o carro-chefe da economia no último trimestre, beneficiados pela vacinação e pela normalização da atividade econômica.

Esse setor ainda se ressente dos impactos da pandemia. Os serviços prestados às famílias, como alojamento e alimentação, apresentaram queda de 12,4% nos 12 meses encerrados em julho, comparativamente a igual período anterior, aponta o IBGE.

A expectativa é de uma recuperação forte. “Setores mais sofisticados foram menos afetados durante a pandemia e proporcionaram o crescimento em V registrado na fase posterior aos piores momentos da crise da Covid-19”, diz o sócio da JBFO. Esta recuperação deve se estender até o primeiro trimestre de 2022.

Com a vacinação e a maior mobilidade, outro segmento que deve ser impulsionado neste final de ano é o comércio. Godoi lembra que o período reúne algumas das datas mais importantes para os lojistas, como o Dia das Crianças, a Black Friday e o Natal.

Cenário de 2022 tem obstáculos; otimismo vem do agro

Um cenário mais preocupante é previsto para 2022. O temor é de que as tensões se acirrem, pressionando negativamente o dólar e puxando os preços para cima.

“A crise hídrica e a questão política, com a polarização e uma perspectiva de menor mobilidade no Congresso, são alguns dos principais riscos, destaca o economista da GO Associados.

As expectativas para a inflação em 2022 sobem há dez semanas. O ponto médio das projeções está em 4,12%. A meta do Banco Central para o ano que vem é de inflação em 3,5% com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

Vale, da MB Associados, não acredita que a inflação vá convergir para o estipulado pelo Banco Central, ou seja, não vai atingir a meta, que é de 3,5%. A projeção da consultoria é de uma expansão de 4,7% nos preços. “O BC está sozinho nesta batalha. A política fiscal não vai ajudar.”

Alessandra, da Tendências, aponta que a indústria, um dos puxadores do crescimento neste ano vai desacelerar, sentindo o efeito dos problemas com a energia e com a dificuldade de abastecimento de matérias-primas e insumos, Este problema pode persistir até o segundo semestre de 2022. “A indústria vai servir como um freio para o investimento.”

As incertezas no campo político também devem contribuir para frear os investimentos. “O que puder ser postergado, será”, acredita Jensen, da 4intelligence. E, segundo ele, o consumo do governo não tem espaço para crescer, diante do aperto causado pelos precatórios.

Quem deve ter um bom desempenho no próximo ano é o campo, estimulando as exportações. As commodities devem continuar com preços elevados e a renda deve ser beneficiada pelo câmbio. O economista-chefe da MB Associados aponta que, mesmo com o fenômeno climático La Niña, as expectativas para a safra devem ser bem positivas.

Os serviços devem estrear 2022 com uma recuperação mais expressiva e tendem a perder tração ao longo do ano, sob efeito da inflação e da base de comparação mais elevada nesta segunda metade de 2021.

O consumo também deve perder ritmo. Uma justificativa para isso, de acordo com a economista, é a forte base de comparação com este ano. No primeiro semestre, ele cresceu 4,2%, comparativamente a igual período do ano passado.

As incertezas também devem se refletir no consumo, diz o sócio da 4intelligence. “A inflação vai continuar pressionando.”

Governo mantém projeções de crescimento mais forte do PIB

Esse cenário mais complicado para 2022 é refutado pelo governo, que recentemente optou por manter em 5,3% sua projeção para o crescimento do PIB em 2021 e em 2,5% a expectativa para 2022. A Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia divulgou, na semana passada, uma nota para justificar suas projeções.

"Essas projeções fundamentaram-se em algumas considerações a respeito da recuperação econômica da crise de Covid, tais como: bom carregamento estatístico [o crescimento "herdado" de 2021], crescimento do investimento privado, consolidação fiscal feita pelo governo, taxa de poupança elevada, reformas pró-mercado e retomada do setor de serviços e do mercado de trabalho informal", diz o texto.

A nota aponta que o investimento privado cresceu quase 11% no acumulado dos últimos quatro trimestres e que a proporção do crédito com recursos livres aumentou quase 17% em relação a igual período do ano passado, além de atingir níveis recordes na comparação com o PIB total (30,8%). "De forma semelhante, a taxa de poupança alcançou o maior valor para um segundo trimestre desde o início da série divulgada pelo IBGE", afirma o texto.

A SPE também destaca a "qualidade" do crescimento que projeta para o próximo ano: “Além da magnitude do crescimento econômico esperado, outro aspecto que deve ser ressaltado é a qualidade deste, com base no investimento privado e maior eficiência alocativa dos fatores de produção. A atual política econômica é calcada no binômio consolidação fiscal e reformas pró-mercado, o que está lançando as bases para o crescimento econômico sustentável do país no longo prazo”.

Segundo os técnicos da equipe econômica, a qualidade de crescimento atualmente é mais elevada do que em recuperações anteriores por depender menos de dinheiro do Estado e contar com maior participação do crédito livre nos financiamentos. "As reformas voltadas para o aumento da produtividade visam desenhar marcos regulatórios de modo a aumentar segurança jurídica, indispensável para novos investimentos", argumentam.

A SPE também questiona expectativas do mercado que apontem para expansão inferior a 1% para 2022. Segundo a Secretaria, isso só pode ocorrer em caso de queda significativa do PIB em algum trimestre de 2022 ou em caso de uma nova recessão.

"Riscos existem, notadamente o risco hidrológico e a pandemia, mas na ausência de piora destes fatores e continuando com o processo de consolidação fiscal e reformas pró-mercado, os indicadores atuais nos levam a concluir, com o conjunto de informações atualmente disponível, por um crescimento do PIB acima de 2% em 2022", afirma a SPE.

Esse embate entre as projeções do mercado e do governo para a atividade econômica em 2022 relembra o que ocorreu em 2020. Durante boa parte daquele ano o governo projetou queda de 4,7% para o PIB, ao passo que o ponto médio das previsões do mercado chegou a -6,5% no pior momento, com algumas casas apostando em retração próxima de 9%. No fim, o PIB encolheu 4,1% no ano.

Por outro lado, as projeções do governo e do mercado para o PIB de 2019 e 2021 caminharam – em geral – lado a lado, sem grandes divergências.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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