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Passageiro no Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba.
Passageiro no Aeroporto Afonso Pena, em Curitiba.| Foto: Albari Rosa / Gazeta do Povo

Em 2019, o número de pessoas que optaram por deixar o Brasil e se mudar definitivamente para o exterior foi mais que o dobro (crescimento de 125%) do registrado em 2013. Essa estatística se refere apenas às emigrações com Declaração de Saída Definitiva registrada pela Receita Federal, as únicas das quais há dados concretos.

Além do aumento registrado no período – o pico foi em 2018 –, o perfil do emigrante brasileiro mudou. Antes, as pessoas que deixaram o país eram em sua maioria solteiros com ensino superior. Agora, são mestres, doutores, casais e famílias completas que formam a maior parte desse êxodo do Brasil.

Busca por oportunidades impulsiona saída do Brasil

Se, por um lado, mudou o perfil de quem saiu do país, por outro, os motivos parecem continuar os mesmos. O autor e roteirista paranaense Miqueias Sebrenski Ale, 29 anos, está de malas prontas e deve se mudar para a Nova Zelândia em fevereiro. Após ser dispensado do emprego que mantinha nos últimos três anos, ele viu a situação como uma oportunidade para mudar de país e investir na carreira.

Segundo o roteirista, o mercado em sua área de trabalho está muito mais aquecido no país da Oceania, seguindo uma tendência oposta à da indústria de cultura brasileira. “Com o governo incentivando cada vez menos e eu tendo dez anos de experiência, decidi tentar seguir com a minha carreira em outro lugar”, explicou.

Além das oportunidades de emprego, Miqueias engrossa o coro dos brasileiros que gostariam de mais segurança, citando os vários assaltos que ele e a noiva já sofreram.

O roteirista está viajando com um visto de estudante, válido por 7 meses, mas tem a intenção de renová-lo ou tentar o visto de residente. Caso não seja possível, ele não pretende voltar para casa. “Se eu não conseguir o visto lá, ou não me adaptar à Nova Zelândia por algum motivo, quero ir para outro país, mas não retornar ao Brasil.”

Passagem sem volta: qualidade de vida pesa na decisão

Outro que não pensa em voltar para o Brasil é o engenheiro mecânico Fabio Corso, de 30 anos. Ele e a esposa vivem atualmente na Suécia, mas trocaram o Brasil pela Noruega em 2014, quando surgiu a chance de uma transferência pela empresa na qual Fabio trabalhava, em Curitiba.

“O motivo para ir foi o trabalho, mas para ficar é a qualidade de vida”, afirma. Ele diz que em qualquer país há criminalidade, mas nada como a sensação de insegurança vivida no Brasil. “Existe a tranquilidade de estar em um país com uma economia tradicionalmente estável, que não está sempre em crise ou prestes a entrar em crise”, avalia.

O engenheiro Fabio Corso vive com a família na Suécia. Crédito: Arquivo pessoal.
O engenheiro Fabio Corso vive com a família na Suécia. Crédito: Arquivo pessoal.

Não por acaso, as razões citadas pelos dois estão entre as duas motivações mais comuns para a emigração de brasileiros. Uma pesquisa realizada pela empresa especializada em expatriação JBJ Partners, consultando apenas brasileiros morando nos Estados Unidos,  mostra que 56% destes citam a “violência ou a falta de segurança” como um motivo para deixar o país.

Em segundo lugar vem a “instabilidade política ou corrupção” (47%). Empatados em terceiro lugar, estão “baixa qualidade de vida” e “instabilidade econômica”, ambas presentes em 45% das respostas.

Ana Luiza Colaço Hellwig, analista de negócios da consultoria, conta que a alternativa “Cultura” foi incluída na pesquisa de 2018 devido à quantidade de clientes que apontava o “jeitinho brasileiro” no campo “Outros”.

No fim, os supostos maus hábitos nacionais descritos como “falta de planejamento e tentar levar vantagem sobre os outros” foram citados por mais de um terço dos pesquisados.

Os brasileiros que vão atrás do sonho americano

Vale apontar que o público da JBJ, e consequentemente a maior parte das pessoas que responderam à pesquisa, é de classe média-alta e alta, já que a consultoria ajuda seus clientes com o processo de dois dos vistos mais comuns para residência permanente nos Estados Unidos.

“O visto EB-5 é muito procurado por ser mais simples ou menos burocrático, por assim dizer. Mas o EB2-NIW é de longe o que a maioria dos nossos clientes procuram”, explica Ana Luiza.

O EB-2 National Interest Waiver (NIW) usualmente requisita uma oferta de emprego vinda de uma empresa americana. No entanto, em casos em que o solicitante é altamente qualificado, possui reconhecimento em sua área de desempenho ou exerce uma profissão com alta demanda de profissionais nos Estados Unidos, ele pode ser isento da oferta de trabalho prévia. Resumidamente, é necessário provar que o exercício de sua função será benéfico para o país.

Já quem tem 900 mil dólares para investir em uma empresa americana consegue se inserir na categoria de visto EB-5, que garante o green card para residir legalmente para o investidor, seu cônjuge e filhos solteiros com menos de 21 anos.

Os altos custos não parecem assustar esse nicho da população. Entre 2017 e 2018 o dobro de brasileiros passou por um desses dois processos de emigração na comparação com todo o período entre 2011 e 2013.

Número real de emigrantes é maior que o registrado

Apesar de servir como uma referência para o aumento do fluxo migratório, o número de Declarações de Saída Definitiva recebidas está longe de representar a quantidade real de brasileiros que escolheram residir em outros países.

Teoricamente, a comunicação de saída definitiva à Receita Federal é obrigatória a todo contribuinte que se mudar do país definitivamente ou àqueles que ficam mais de um ano fora. Mas há quem postergue a entrega do documento e continue a pagar seus impostos no Brasil.

Yasmin Ribeiro, 23 anos, conquistou o sonho de morar na Europa por meio da empresa em que trabalhava no Brasil. Funcionária de uma montadora de caminhões com sede em Curitiba, desde dezembro de 2018 ela é analista financeira na filial da empresa da Polônia. Lá, termina seus estudos na área de Negócios.

A jovem, que fará a Declaração de Saída Definitiva pela primeira vez em 2020, próximo ciclo do Imposto de Renda, explica porque muitos dos seus colegas brasileiros hesitam em declarar oficialmente sua mudança.

“É uma decisão difícil de tomar, porque te impede de fazer várias coisas no Brasil, como abrir uma conta bancária, além de ser uma declaração oficial de que você vai ficar ao menos cinco anos fora do país. Muitas das pessoas com quem converso aqui não fazem (a Declaração de Saída Definitiva) por medo de ter que voltar ao Brasil e ter dificuldades para se restabelecer com essas limitações.”

Yasmin Ribeiro trabalha como analista financeira na Polônia. Crédito: Arquivo pessoal.
Yasmin Ribeiro trabalha como analista financeira na Polônia. Crédito: Arquivo pessoal.

O casal Cleber Machry e Vanessa Baggio, residentes desde 2017 em Vancouver, Canadá, tem um relato similar: “Aqui, não conhecemos ninguém que tenha feito. Normalmente o pessoal prefere manter o CPF brasileiro ativo para ter uma conta corrente. Entre outras coisas, isso facilita o envio de dinheiro entre os dois países.”

Somando isso aos intercambistas, estudantes acadêmicos e aqueles que utilizam do visto de turismo ou outros meios para migrar ilegalmente, é difícil saber o real número de brasileiros residentes no exterior. Prova disso é a disparidade entre as estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Ministério de Relações Internacionais.

Em 2010, em seu último censo, o IBGE estimou que 500 mil cidadãos brasileiros estavam morando fora do país. Já o governo federal apontava 1,5 milhão e, em número atualizado pela última vez, em novembro de 2016, estima que 3 milhões seria um número mais aproximado.

O censo de 2010 também nos dá um panorama dos principais destinos destes emigrantes. Os EUA continuam os favoritos com 23,8% da população expatriada. Portugal vem em segundo, com 13,4%. Espanha (9,4%), Japão (7,4%) e Itália (7%) completam o Top 5. Saberemos se houve uma mudança nesse cenário em 2021, quando foram divulgados os dados do próximo censo demográfico.

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