Um projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados pode mudar a forma como o serviço de telefonia fixa, atual “patinho feio” das operadoras, é prestado no país. A proposta, de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) altere a modalidade de licenciamento do serviço, abrindo uma brecha para que as atuais empresas concessionárias deixem de atuar em regime público e mudem para o privado – deixando, assim, de ter de cumprir obrigações de universalização e continuidade previstas em contrato.
O projeto voltou a colocar a Anatel na mira de órgãos de defesa do consumidor – a agência apoia publicamente a mudança, assim como o governo federal e, obviamente, as operadoras. A mudança de regime não significa que o serviço de telefonia fixa deixará de ser prestado pelas novas autorizadas (jargão que indica as empresas que atuam em regime privado), mas libera as companhias para estipularem as próprias tarifas e investirem em regiões mais rentáveis. E, até mais importante: dá margem para que as teles não precisem devolver à União a infraestrutura de rede usada no serviço, como previsto atualmente (a atual concessão termina em 2025).
O destino dos chamados bens reversíveis é fruto de discussões jurídicas há anos e é apontado por críticos como um dos pontos mais vulneráveis do atual projeto –mesmo que a proposta seja de reverter o valor desses bens na obrigação de investimentos por parte das empresas, dessa vez na banda larga fixa. Em audiência na Câmara há duas semanas, o procurador da República Paulo Jose Rocha Junior alertou que o projeto permite que o governo dê um bem às empresas “para depois cobrar os investimentos”.
Por outro lado, representantes das teles defendem que o fim da obrigação de devolver os bens será justamente um incentivo para mais investimentos no setor. “O fato é que as dúvidas jurídicas sobre ativos reversíveis vai acabar. Dá mais segurança para o investidor, para acionistas e empresas. Isso gerou bastante incerteza nos últimos anos, várias empresas não investiram o suficiente em fibra (ótica) por causa dessa dúvida”, afirmou o presidente da Telefônica Vivo, Amos Genish, em coletiva de imprensa durante a Futurecom, evento do setor no mês passado.
Benefício indireto
A Vivo é hoje uma das teles que atuam também em regime de concessão, ao lado da Oi, maior concessionária, que responde sozinha por quase 60% das linhas ativas em telefonia fixa, além de ser responsável por mais de 600 mil orelhões – a empresa está desde junho em processo de recuperação judicial. “A Oi tem uma das maiores malhas de telecomunicações do mundo. E uma das discussões é que, terminando a concessão, essa malha voltaria para a União. Se a Oi passar a ter titularidade sobre esses ativos todos, o própria valor da empresa será maior”, afirma o advogado Ericson Scorsim, especializado em direito digital e de telecomunicações.
O Sinditelebrasil, sindicato que representa as empresas de telefonia, defende que o projeto de lei não busca beneficiar nenhuma tele em especial e não tem ligação com a derrocada da Oi –tanto que o projeto começou a tramitar ano passado, antes da empresa entrar com o pedido de recuperação judicial. “Não é um projeto para resolver a situação de uma determinada concessionária, isso podemos garantir. Primeiro, a gente acha interessante que a migração (de regime) tenha caráter voluntário, porque existe um contrato em vigor e as regras têm de ser obedecidas. Cada operadora, em função de suas particularidades, vai considerar se é melhor migrar ou não”, afirma o diretor do Sinditelebrasil Alexander Castro.