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Teles querem sair do regime de concessão e migrar para o privado, ficando livres de obrigações de universalização e continuidade previstas em contrato | Bigstock
Teles querem sair do regime de concessão e migrar para o privado, ficando livres de obrigações de universalização e continuidade previstas em contrato| Foto: Bigstock

Um projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados pode mudar a forma como o serviço de telefonia fixa, atual “patinho feio” das operadoras, é prestado no país. A proposta, de autoria do deputado Daniel Vilela (PMDB-GO), permite que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) altere a modalidade de licenciamento do serviço, abrindo uma brecha para que as atuais empresas concessionárias deixem de atuar em regime público e mudem para o privado – deixando, assim, de ter de cumprir obrigações de universalização e continuidade previstas em contrato.

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O projeto voltou a colocar a Anatel na mira de órgãos de defesa do consumidor – a agência apoia publicamente a mudança, assim como o governo federal e, obviamente, as operadoras. A mudança de regime não significa que o serviço de telefonia fixa deixará de ser prestado pelas novas autorizadas (jargão que indica as empresas que atuam em regime privado), mas libera as companhias para estipularem as próprias tarifas e investirem em regiões mais rentáveis. E, até mais importante: dá margem para que as teles não precisem devolver à União a infraestrutura de rede usada no serviço, como previsto atualmente (a atual concessão termina em 2025).

Valor dos bens reversíveis

O real valor dos bens reversíveis hoje em posse das operadoras concessionárias ainda é uma incógnita. Cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU) dão conta de que os ativos chegam a R$ 108 bilhões, enquanto a Anatel fala em uma estimativa bem menor, na faixa de R$ 17 bilhões – por isso a questão é um dos pontos mais controversos do projeto, já que o valor dos bens seria trocado por novos investimentos em redes privadas.

O diretor do Sinditelebrasil Alexander Castro afirma que, caso o projeto seja aprovado, novos cálculos serão feitos. “A regra não está definida, não se sabe qual a metodologia (para valorar os ativos), isso vai ser objeto de discussão pela Anatel. E o setor espera que esse processo seja transparente, ouvindo toda a sociedade”, defende Castro.

O destino dos chamados bens reversíveis é fruto de discussões jurídicas há anos e é apontado por críticos como um dos pontos mais vulneráveis do atual projeto –mesmo que a proposta seja de reverter o valor desses bens na obrigação de investimentos por parte das empresas, dessa vez na banda larga fixa. Em audiência na Câmara há duas semanas, o procurador da República Paulo Jose Rocha Junior alertou que o projeto permite que o governo dê um bem às empresas “para depois cobrar os investimentos”.

Por outro lado, representantes das teles defendem que o fim da obrigação de devolver os bens será justamente um incentivo para mais investimentos no setor. “O fato é que as dúvidas jurídicas sobre ativos reversíveis vai acabar. Dá mais segurança para o investidor, para acionistas e empresas. Isso gerou bastante incerteza nos últimos anos, várias empresas não investiram o suficiente em fibra (ótica) por causa dessa dúvida”, afirmou o presidente da Telefônica Vivo, Amos Genish, em coletiva de imprensa durante a Futurecom, evento do setor no mês passado.

Benefício indireto

A Vivo é hoje uma das teles que atuam também em regime de concessão, ao lado da Oi, maior concessionária, que responde sozinha por quase 60% das linhas ativas em telefonia fixa, além de ser responsável por mais de 600 mil orelhões – a empresa está desde junho em processo de recuperação judicial. “A Oi tem uma das maiores malhas de telecomunicações do mundo. E uma das discussões é que, terminando a concessão, essa malha voltaria para a União. Se a Oi passar a ter titularidade sobre esses ativos todos, o própria valor da empresa será maior”, afirma o advogado Ericson Scorsim, especializado em direito digital e de telecomunicações.

O Sinditelebrasil, sindicato que representa as empresas de telefonia, defende que o projeto de lei não busca beneficiar nenhuma tele em especial e não tem ligação com a derrocada da Oi –tanto que o projeto começou a tramitar ano passado, antes da empresa entrar com o pedido de recuperação judicial. “Não é um projeto para resolver a situação de uma determinada concessionária, isso podemos garantir. Primeiro, a gente acha interessante que a migração (de regime) tenha caráter voluntário, porque existe um contrato em vigor e as regras têm de ser obedecidas. Cada operadora, em função de suas particularidades, vai considerar se é melhor migrar ou não”, afirma o diretor do Sinditelebrasil Alexander Castro.

Proteste defende que projeto é inconstitucional

O projeto de lei 3.453/2015, que permite a alteração dos regimes de serviço na telefonia fixa, recebeu parecer favorável nesta semana na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados– a proposta foi aprovada também nas comissões de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; e de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Apesar de ter o caráter conclusivo (quando o projeto passa apenas pelas comissões), deputados contrários à proposta prometem apresentar recurso para que a matéria seja votada pelo plenário da Câmara, antes de seguir para o Senado.

Em audiência na Câmara no dia 25 de setembro, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Juarez Quadros, fez questão de lembrar que a telefonia fixa não desperta mais interesse da população e que o atual marco legal de telecomunicações representa “um entrave para os investimentos do setor” – motivos que já seriam suficientes, segundo a agência, para a aprovação do projeto de lei.

Na mesma audiência, a coordenadora-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Renata Mielli, defendeu que a mudança tornaria o Estado “refém das empresas de telecomunicações”. A advogada da Proteste Associação de Consumidores, Flávia Lefèvre Guimarães, engrossa o coro das críticas e afirma que o projeto, tal qual como está formulado hoje, é inconstitucional.

“Entendemos que o projeto é um limitador do poder regulatório do Estado sobre um serviço de telecomunicações, que é um serviço publico e, portanto, o Estado tem sim que ter interferência para garantir sua prestação. À medida que a proposta praticamente acaba com o regime público, ela restringe ilegalmente a atuação do Estado na garantia desse serviço”, explica Flávia.

Para a advogada da Proteste, a mudança sobre a titularidade dos bens reversíveis “quebra” a regra das licitações feitas em 1998, ano da privatização do serviço, e beneficia empresas como a Vivo, NET e Oi. “Que são, não por coincidência, as empresas que dominam o mercado de banda larga. Quando você entrega as redes para essas empresas, está dando uma vantagem para elas que compromete a competição do mercado e a atuação das pequenas e médias operadoras. E aí, vem problemas como má qualidade do serviço e preço alto”, afirma.

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