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As negociações para um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, que se arrastam desde 1999, devem ganhar mais um complicador: o Brasil pretende estabelecer retaliações a US$ 180 milhões em mercadorias europeias por causa da imposição de tarifas ao aço brasileiro. A próxima rodada entre os dois blocos está prevista para a primeira metade de março, em Buenos Aires. 

 “O estabelecimento destas retaliações não tem muito efeito no comércio internacional, mas tem efeito colateral importante sobre o Brasil”, destaca Lívio Ribeiro, pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Segundo ele, o principal problema é que cria um problema a mais em negociações que já são complicadas. “Fica mais difícil chegar a um denominador comum.” 

EDITORIAL: Protecionismo e pragmatismo

 A decisão de o Brasil estabelecer medidas retaliatórias causou estranheza ao presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro. Ele aponta que o Brasil não tem tradição em retaliar outros países e blocos sem antes apelar a organismos multilaterais. Segundo ele, uma decisão dessas tem o potencial de azedar negociações que não são frutíferas. “Isto cria uma reação em cadeia desnecessária.” 

 A União Europeia é um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), no ano passado, as exportações brasileiras para o bloco foram de US$ 42,13 bilhões, as maiores em quatro anos. E as importações atingiram US$ 34,76 bilhões, as maiores desde 2016. 


Gabriel Kohlmann, da consultoria Prospectiva, acredita que o governo será pragmático ao estabelecer as retaliações contra a União Europeia, não onerando a cadeia produtiva. Isto colocaria os segmentos de bens supérfluos e de luxo como alvo das retaliações. 

 Negociações mais longas 

O estabelecimento de medidas retaliatórias também tende a alongar a negociação, diz o pesquisador do Ibre/FGV. Isto ocorre justamente em um momento complicado no cenário político: a Argentina terá eleições presidenciais no final do ano. O Brasil está com um governo novo e discute a reforma previdenciária. 

Países como França, Espanha, Alemanha, Itália, Polônia e Hungria enfrentam, em maior ou menor grau, problemas políticos. Além disso, o Reino Unido está saindo da União Europeia, no processo conhecido como Brexit. 

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Kohlmann embra que, por causa desse cenário, muitos países europeus estão mais de olho às demandas internas. É o caso da Alemanha, que está desenvolvendo uma política industrial mais focada em seus interesses. 

 Há também, segundo ele, questões políticas que dificultam o estabelecimento do acordo comercial: países como a Alemanha, a Espanha e a França são menos inclinados a fazer um acordo que envolva o presidente Bolsonaro. 

 Resistência organizada

 O acordo entre a União Europeia e o Mercosul enfrenta resistência em setores extremamente organizados, como é o caso do agrícola. De um lado, Brasil e Argentina querem acesso ao mercado europeu. Do outro, a União Europeia quer protegê-lo. “Quando as negociações envolvem este setor na UE, qualquer negociação é pesada”, afirma Ribeiro, 

 Um exemplo do poder de fogo do setor agrícola foi visto nesta semana, com a reação dos produtores de leite ao fim das tarifas antidumping sobre o leite em pó da União Europeia. As importações em 2018 foram de US$ 1,53 milhão, segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), 26,8% menores do que no ano anterior. 

 Até o início de fevereiro, o Brasil cobrava uma sobretaxa de 14,8% sobre o produto, além de um imposto de 28%. “O impacto do leite em pó importado da UE sobre o mercado é muito pequeno, foi mais uma reação política de uma cadeia produtiva que está fragilizada há dois anos”, diz a analista Natália Gringol, do Centro de Pesquisa em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP. 

 Só bastou o governo brasileiro suspender a tarifa para a bancada ruralista pressionar com força e conseguir que o imposto passasse para 42%. A volta da tarifa rendeu até um tuíte com o presidente Jair Bolsonaro comemorando uma “vitória” de produtores e consumidores. 

 

 

Este episódio, segundo Kohlmann, sinaliza que a liberalização econômica prometida por Bolsonaro durante a campanha eleitoral, no segundo semestre do ano passado, e que previa uma abertura unilateral por parte do Brasil, não será a mesma que será colocada em prática, devido a pressões geradas por lobbies. 

 Outro dificultador nas negociações comerciais entre o Mercosul e a União Europeia é a indústria automotiva: os europeus querem mais espaço para poderem exportar carros ao bloco do Cone Sul: somente no ano passado, o Brasil comprou US$ 2,57 bilhões em veículos, acessórios para veículos e autopeças, de acordo com dados da Secex. “Brasil e Argentina têm indústrias automobilísticas consolidadas”, destaca Ribeiro.

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