O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que normas estabelecidas em acordos e convenções coletivas de trabalho devem prevalecer sobre a legislação no caso de restrição ou supressão de direito não assegurado pela Constituição Federal. O resultado do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo em questão (ARE 1.121.633) cria jurisprudência para outros processos com questionamentos sobre a prevalência ou não do negociado sobre o legislado, uma vez que o caso foi ao pleno da Corte como tema da repercussão geral.
Segundo informação do Supremo, existem mais de 66 mil processos sobrestados na origem (ou seja, paralisados) à espera da decisão do STF sobre o tema.
A tese vencedora no julgamento foi a do relator, ministro Gilmar Mendes, que votou pelo reconhecimento do recurso e por dar provimento ao mesmo a fim de reformar o acórdão recorrido e assegurar validade da negociação coletiva de trabalho em questão.
O caso concreto trata de horas in itinere, com julgamento do recurso ajuizado por uma empresa em face de decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A Corte trabalhista negou validade de uma cláusula aprovada em negociação coletiva que, na prática, substituiu o pagamento pelo tempo gasto no deslocamento entre casa e local de trabalho, por fornecimento de transporte aos empregados. No recurso, a Mineração Serra Grande S.A., de Goiás, afirma que a decisão do TST ultrapassou o princípio constitucional da prevalência da negociação coletiva.
Em seu voto sobre o processo paradigma do tema 1.046 da repercussão geral, Mendes apresentou entendimento de que as negociações podem restringir direitos, mas ressaltou que as mesmas não devem ferir patamar civilizatório mínimo, em observância do constitucionalmente previsto. Em regra, as cláusulas não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em linhas gerais, pelas normas constitucionais, pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporados ao direito brasileiro e pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.
Mendes foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Carmen Lúcia. O ministro Edson Fachin abriu divergência ao avaliar como inadmissível que a negociação coletiva se sobreponha à vontade do legislador constituinte. Ele foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, consolidando do placar do resultado em 7 a 2 pela prevalência do negociado sobre o legislado. Os ministros Luiz Fux, presidente do STF, e Ricardo Lewandowski não participaram da sessão desta quinta-feira (2).
Em seu voto, Nunes Marques disse ser “notório que não há como o Estado acompanhar e regular pormenorizadamente as relações econômicas e trabalhistas” em função do dinamismo e especificidade dos variados campos econômicos nos quais as relações de trabalho se inserem. Destacou, ainda, que “não deve haver pretensão estatal de arvorar-se em tal objetivo, sob pena de adentrar demasiadamente na esfera particular dos indivíduos e com isso tolher-lhes a liberdade em suas várias acepções”.
Alexandre de Moraes afirmou que a ferramenta da negociação coletiva é “importante direito social do trabalhador no sentido de privilegiar a autonomia de vontade, representada pelo sindicato, para discutir direitos disponíveis [em oposição aos indisponíveis, aqueles consagrados no ordenamento jurídico brasileiro]”. No caso concreto, segundo ele, é essa a condição da questão de deslocamento dos trabalhadores.
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