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O presidente da República, Jair Bolsonaro, em caminhão movido a gás natural no Recife.
O presidente da República, Jair Bolsonaro, em caminhão movido a gás natural no Recife.| Foto: Alan Santos/PR

O plenário da Câmara dos Deputados deve votar nesta terça-feira (1º) o novo marco legal para o mercado de gás natural. A Nova Lei do Gás, como foi apelidada, aumenta a competição no setor, acabando de vez com o monopólio da Petrobras, e promete reduzir os custos de transação para a indústria, principal interessada no combustível.

O projeto é uma das prioridades do ministro da Economia, Paulo Guedes, para a retomada da economia no pós-pandemia, pelo potencial de gerar o que ele define como “choque de energia barata” em médio e longo prazo. A equipe econômica estima que o marco pode atrair R$ 630 bilhões em investimentos em dez anos.

O texto que será votado em plenário é o mesmo aprovado no ano passado por unanimidade pela Comissão de Minas e Energia (CME), sob relatoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-AM). O relator em plenário é o deputado Laércio Oliveira (PP-SE), que optou por não fazer modificações no projeto, apesar da pressão da oposição e das distribuidoras de gás, que querem incluir mecanismos de estimulo à demanda para garantir que o gás natural chegue ao interior do país. Eles vão tentar fazer alterações via emendas em plenário.

O governo e a indústria são favoráveis à aprovação do projeto como está, sem modificações. Eles dizem que texto realiza ampla reformulação do marco regulatório do setor ao acabar com o regime de concessão e permitir que novos gasodutos sejam construídos através do regime de autorização; ao mudar a legislação para obrigar em lei a Petrobras a abrir seus dutos para terceiros; ao reduzir subsídios cruzados para desenvolvimento do setor; e ao trazer suporte legal e segurança jurídica aos investidores privados.

“Além de impedir a formação de novos monopólios, a nova lei dá segurança jurídica de longo prazo para novos investimentos, à medida que estabelece a obrigatoriedade de acesso a terceiros para as novas infraestruturas essenciais e reforça o poder da ANP [Agência Nacional de Petróleo] para adotar medidas que assegurem o pleno desenvolvimento do mercado”, diz o CEO da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), estatal federal que ajudou na elaboração do novo marco, lembra que a proposta foi amplamente discutida nos últimos sete anos no âmbito dos programas Gás para Crescer e do Novo Mercado de Gás. "A aprovação do PL 6.407/2013 está em consonância com a visão de aumento da vantagem competitiva do setor de gás brasileiro frente à crescente liquidez e competitividade do mercado, buscando a retomada do crescimento econômico pós-pandemia e alinhamento com as melhores práticas da indústria”, diz em nota técnica.

Nova Lei do Gás não esgota todos os desafios, dizem indústria e especialistas

Apesar de defenderam a aprovação do texto da forma que está e de elogiarem os avanços trazidos pela nova legislação, indústria e especialistas em energia dizem que a proposta não esgota todas as condições para aumentar a competitividade e os investimentos e para criar um ambiente favorável à redução dos preços do mercado de gás natural.

“O texto da nova Lei do Gás, na condição em que se encontra, contribui muito para consolidar avanços fundamentais para o setor de gás natural. O projeto não esgota, porém, todas os desafios para que a abertura do mercado de gás se consolide, mas entendemos que é importante que nem todas as soluções venham por meio de uma lei. Uma regulação ativa e bem coordenada com o mercado é parte essencial para se chegar aos resultados esperados com a liberalização”, explica Moreira Neto.

“A aprovação do PL, coordenada com o avanço infralegal de agenda regulatória no âmbito da ANP, vai dar grande impulso para a concretização de novos investimentos a partir do gás natural”, completa o especialista.

Ele diz que no âmbito regulatório ainda é preciso equacionar duas questões principais: a falta de previsibilidade quanto à realização das chamadas públicas para acesso efetivo às malhas de transporte de gás natural no Sudeste e no Nordeste; e a ausência de instrumentos que permitam aos produtores e comercializadores privados garantir suprimento, uma vez que eles não dispõem das mesmas condições da Petrobras.

“Esses dois instrumentos são fundamentais para viabilizar os contratos de gás no mercado livre e dependem, em nossa visão, de maior e melhor coordenação entre os agentes envolvidos na transição para seu devido endereçamento”, finaliza.

O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, cita outro ponto de atenção para o desenvolvimento do mercado do gás: que a Petrobras cumpra o acordo feito com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o que não vem acontecendo, na sua avaliação.

O acordo foi o primeiro passo para aumentar a competição no setor de gás natural, já que a Petrobras tinha o monopólio da produção, transporte e distribuição. No termo de compromisso assinado com o Cade, a estatal se comprometeu a vender suas transportadoras de gás natural e também se desfazer de participação acionária indireta em companhias distribuidoras.

Ela pode fazer isso vendendo suas ações da Gaspetro – sociedade entre a Petrobras (51%) e Mitsui Gás (49%) – ou fazendo a Gaspetro vender suas participações nas companhias distribuidoras. Todos os desinvestimentos precisam ser cumpridos até 31 de dezembro de 2021.

Patrícia Agra, especialista em energia do escritório do L.O. Baptista Advogados, lembra ainda da necessidade de harmonização da lei nacional com as leis locais. “Não adianta a lei federal se tem uma lei estadual aqui em São Paulo que não permite que terceiros distribuam gás natural. Vai ser necessário todo esse arcabouço legal para garantir segurança jurídica ao investidor.”

Distribuidoras querem usinas térmicas para garantir demanda

As distribuidoras de gás, representadas pela Abegás, querem algumas mudanças no projeto. A principal delas é a garantia de demanda. Elas defendem que o projeto inclua uma política energética que garanta a contratação do gás natural pelas usinas térmicas "inflexíveis", que são as principais demandantes do combustível no Brasil, ao lado das indústrias. As térmicas inflexíveis são aquelas que têm toda a energia comercializada por contratos bilaterais.

Segundo a Abegas, somente com a garantia de demanda será possível estimular a construção de dutos de transporte de gás natural até o interior do país, onde estão muitas fábricas. Atualmente, a malha de dutos no Brasil é muito pequena, com 9,4 mil quilômetros, e praticamente restrita à costa, mais próxima das plataformas de extração de petróleo e gás.

“Os produtores não têm como escoar [o gás natural], nem como chegar aos mercados, por causa da falta de infraestrutura de transporte”, diz Rafael Lamastra Jr., CEO da Compagas – distribuidora de gás natural no Paraná – e vice-presidente do Conselho de Administração da Abegás. “O PL da Nova Lei do Gás trabalha muito bem para aqueles que já têm gás, mas zero pra quem não tem gás. Vai manter a distribuição de gás somente para quem já tem acesso, porque não incentiva a interiorização dos dutos.”

Ele cita como exemplo as cidades paranaenses de Londrina, Maringá, Cascavel e Toledo, todo o Oeste de Santa Catarina e todo o interior do Rio Grande do Sul como potenciais interessadas em comprar gás natural, mas hoje desassistidas pela falta de interiorização dos dutos.

Segundo Lamastra Jr, sem garantir a demanda para o produto, através das usinas térmicas, os investimentos privados não chegarão – ou ficarão restritos à costa. “A solução térmica é a mais barata e fácil para desenvolver o mercado de gás natural. Não vão conseguir expandir [a malha de gasodutos] sem solução térmica”.

Patrícia Agra, especialista em energia do escritório do L.O. Baptista Advogados, concorda que é necessário garantir demanda para incentivar a atração de investimento privado em rede de gasodutos. “O governo tentou flexibilizar umas etapas, tirando o monopólio da Petrobras, liberando para destituição do gás e tentando fomentar o consumo, mas o setor de gás natural precisa ter oferta, meio de transporte e demanda para se desenvolver”, explica.

Ela lembra que as indústrias – principais consumidores do gás natural, ao lado das térmicas – precisam que a tubulação de gás natural chegue até onde elas estão. “Para isso, é preciso criar essa demanda no mercado secundário. Ligar às térmicas é uma solução”, diz.

O governo é totalmente contrário a essa ideia, que classifica de subsídio cruzado. "É preciso tomar cuidado para não promover gás natural barato às custas da energia elétrica cara", diz a EPE em nota técnica.

"A presença de térmicas inflexíveis deve ser vista com muita cautela, pois pode desperdiçar gás e recursos renováveis para geração de energia, impondo o pagamento por energia não consumida. Isso pode prejudicar a competitividade da energia elétrica para a indústria e as pessoas", completa.

Para a EPE, os investimentos em expansão da infraestrutura de gasodutos devem se pautar por estudos que demonstrem eficiência e competitividade. "Os setores de gás natural e energia elétrica têm potencial de crescerem juntos, de forma sustentável, desde que haja uma alocação equilibrada de custos e riscos, tomando cuidado com subsídios cruzados."

Lamastra Jr. nega que a proposta da Abegás proponha subsídio cruzado e diz que não há como desenvolver o setor, como o governo promete, sem estímulo à demanda via térmicas.

O CEO da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, diz que a adoção de regras rígidas, que imponham a localização de projetos de consumo novos para garantir a construção de gasodutos, se distancia dos objetivos da modernização do mercado de gás natural.

"A maneira de se incentivar o crescimento da produção de gás natural que tenha o setor elétrico como uma de suas âncoras passa pela possibilidade de se permitir que um projeto de térmica baseada em gás novo (aquele ainda sem rota de escoamento construída) consiga participar dos leilões de contratação de energia", defende.

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