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Nova presidente da Caixa, Daniella Marques garantiu que todos os casos de assédio denunciados serão apurados com rigor e independência. Economista chega com a missão de pôr fim a crise institucional e ajudar Bolsonaro.
Nova presidente da Caixa, Daniella Marques garantiu que todos os casos de assédio denunciados serão apurados com rigor e independência. Economista chega com a missão de pôr fim a crise institucional e ajudar Bolsonaro.| Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

A nomeação da economista Daniella Marques para a presidência da Caixa Econômica Federal é tratada no governo federal como um jogo de "ganha-ganha". A percepção da equipe econômica e do núcleo político é de que tanto a estatal quanto a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) poderão colher os frutos da escolha. A executiva assumiu o cargo na noite de sexta-feira (1.º) e participa às 16 horas desta terça (5) da cerimônia de posse, na Caixa Cultural, em Brasília.

Ex-secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, Daniella tem duas importantes missões: a institucional, de estancar a crise na Caixa ocasionada pelas denúncias de assédio sexual e moral contra o ex-presidente da estatal, Pedro Guimarães, e dar continuidade às políticas de crédito; e a política, de evitar maiores danos à imagem do governo e de Bolsonaro em relação às mulheres.

As acusações contra Guimarães caíram como uma "bomba" no Palácio do Planalto, admitem reservadamente interlocutores dos núcleos econômico e político. "Entendo que foi uma escolha acertada por ser alguém muito competente, claro, mas ela foi escolhida para a missão de estancar essa crise por ser mulher", comenta uma das fontes.

Ainda que uma ala do governo tenha recomendado cautela em não anunciar uma demissão tida como precipitada ainda na terça-feira (28), prevaleceu o entendimento de que as denúncias tornaram a permanência insustentável. Advogaram pela demissão membros do núcleo político e integrantes da coordenação da campanha, como o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.

O cálculo político analisado pelo entorno de Bolsonaro era de que a manutenção de Guimarães alimentaria ainda mais ataques da oposição ao governo e poderia ampliar a visão negativa sobre como o presidente é avaliado entre mulheres. Além dos resultados de pesquisas eleitorais, o Planalto tem acesso a dados que sugerem uma rejeição do chefe do Executivo junto ao eleitorado feminino. Por isso, o nome de Daniella foi visto como o mais indicado para a Caixa.

Quais os desafios de Daniella Marques e como ela pode ajudar Caixa e Bolsonaro

Embora assuma a Caixa com as missões institucional e política, Daniella e o governo têm a consciência de que somente sua nomeação e a imagem construída em torno disso, com direito a cerimônia de nomeação no Planalto, não são suficientes para reverter os danos. A análise é de que somente com ações práticas ela conseguirá contribuir para Bolsonaro evitar perdas de votos entre as mulheres.

Como diz um interlocutor, o governo espera dela a entrega da "mercadoria", que, na prática, é dar continuidade às políticas de crédito e ter a Caixa como o principal instrumento. Sob a gestão de Guimarães, o banco estatal avançou no microcrédito e acelerou as concessões de crédito imobiliário e agrícola, na contramão de bancos privados mediante o cenário de alta da taxa básica de juros (Selic) e a alta da inflação e da inadimplência.

"A preocupação maior é dar sequência aos programas importantes que estavam sendo desenvolvidos [na Caixa], porque foi uma coisa traumática o que aconteceu em um momento em que o banco estava embalando efetivamente no programa de microcrédito", diz um interlocutor da equipe econômica. "O papel dela [Daniella] é dar continuidade a esses programas, microcrédito garantido e um programa das mulheres que ela própria estava tocando", acrescenta.

O programa citado pela fonte é o "Brasil Pra Elas", uma política de crédito voltada para estimular o empreendedorismo feminino no país. A medida foi costurada por Daniella quando ainda era secretária de Produtividade e Competitividade e faz parte de um pacote lançado em março pelo governo que planeja movimentar entre R$ 82 bilhões e R$ 100 bilhões em crédito.

Além de continuar as políticas de crédito, Daniella naturalmente tentará estancar a crise gerada pelas denúncias contra Pedro Guimarães no dia a dia. Em entrevista à GloboNews na segunda-feira (4), ela prometeu criar um canal de atendimento às mulheres com estrutura para atender qualquer funcionária "24 hora por dia, sete dias por semana".

A nova presidente da Caixa também disse que a estatal vai ser a "mãe da causa das mulheres". "Metade das mulheres do Brasil são vítimas de assédio no trabalho, então a Caixa, que sempre foi o banco de todos os brasileiros, daqui para frente, e eu tenho aprovação de todos os órgãos internos, vai ser a mãe da causa das mulheres", declarou.

A economista, que já afastou todos os funcionários do gabinete de Pedro Guimarães, diz que conta com total liberdade para atuar no banco e que planeja demitir ao menos 20 consultores estratégicos admitidos por Guimarães. "Quando se chega a um cargo dessa natureza, é preciso compor a própria equipe. São 20 consultores. Provavelmente, vou afastar os 20. Quero criar um núcleo de trabalho do meu jeito: descentralizado e temático", afirmou.

Como o governo reagiu às primeiras falas de Daniella Marques à frente da Caixa

As primeiras manifestações de Daniella agradaram o governo. A percepção é de que ela as falas foram bem colocadas, como quando destacou a ideia de um canal de atendimento voltado para as mulheres, e principalmente ao destacar a estatal como a "mãe da causa das mulheres". A frase foi elogiada nos bastidores por ministros, incluindo os do núcleo político.

O Planalto concorda que colocar em prática as ações institucionais será imprescindível para a nova gestão da Caixa gerar efeitos políticos positivos para a campanha de Bolsonaro. Mas a análise política é de que gestos como associar a estatal à causa das mulheres também pode render "bônus" eleitorais à campanha presidencial à reeleição.

É reconhecido no governo que, a essa altura do calendário eleitoral, o Planalto tenta afastar toda e qualquer crise do Bolsonaro e de sua campanha, o que envolve até mesmo "cortar a cabeça" de quem for preciso. A demissão de Pedro Guimarães é tratado como uma "prova" de como o governo tem levado a sério potenciais impactos à imagem do presidente e de sua gestão.

Em condições normais, Guimarães permaneceria na Caixa pelo menos até dezembro. O ex-presidente da Caixa se aproximou muito de Bolsonaro ao longo da gestão. Tamanha é a proximidade entre ambos que o economista chegou a ser cotado como vice na chapa presidencial. Ele também chegou a ser sondado como potencial substituto para um caso de demissão do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Durante a pandemia da Covid-19, Guedes teve embates internos no governo com o ex-ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que apoiou o programa Pró-Brasil, o "plano Marshall de Bolsonaro" que previa R$ 250 bilhões em investimentos. Boa parte viria por recursos públicos, algo rechaçado pelo chefe da equipe econômica. Além desses embates, Guedes também travou disputas com aliados e caciques do Centrão. Por esses motivos, sua demissão chegou a ser ventilada no governo.

Quem deu o aval para Daniella Marques assumir a presidência da estatal

A escolha por Daniella Marques é tratada na equipe econômica como uma vitória de Guedes. Foi dele a indicação. Desde quando ainda trabalhava no Ministério da Economia ela falava que tinha como missão profissional estar ao lado do ministro. Não à toa era tratada como um "braço direito" do chefe da equipe econômica.

De perfil técnico, Daniella tem uma vivência grande com Guedes, que sempre a viu como alguém de grande competência e confiança. Não à toa o ministro foi um de seus principais defensores para a estatal, não apenas pelo fato de ser mulher e se comprometer a propor políticas para as mulheres, mas também por ter conhecimento para a missão.

Além da bagagem técnica, a equipe econômica também entende que Daniella Marques adquiriu uma boa circulação no Congresso, tanto na Câmara, quanto no Senado, e no Planalto, onde ela é recebida pelo próprio Bolsonaro e membros do núcleo político. Quando assumiu a Secretaria de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia, ela foi escolhida por Guedes com a missão de auxiliá-lo justamente na interlocução com o Parlamento.

O antigo titular da pasta comandada por ela, Carlos da Costa, hoje chefe do escritório do Ministério da Economia em Washington, não tinha boa interlocução com o Congresso. Nos últimos meses, Daniella atuou na costura de programas como o "Brasil Pra Elas", mas também na articulação de pautas prioritárias para Guedes, como o novo Marco de Garantias.

A contribuição de Daniella enquanto mediadora entre o Congresso e o Ministério da Economia, porém, é relativizada por integrantes do núcleo político do governo. Para eles, a relação progrediu, mas nem tanto.

"A Daniella não tem um perfil político, nem chegou a ser tão interlocutora como pregam. Para alguns no Congresso, ela era até vista como muito fechada e difícil de negociar. O [Adolfo] Sachsida [ministro de Minas e Energia] tem sido mais maleável do que ela foi", diz uma fonte com trânsito no Planalto. A expectativa no núcleo político é de que, à frente da Caixa, ela possa ser mais maleável no relacionamento com a base.

Qual é a expectativa da base do governo no Congresso

No Congresso, aliados da base se dividem sobre o que esperar de Daniella Marques à frente da Caixa e o que ela pode agregar eleitoralmente ao governo. Os parlamentares da base mais "raiz" de Bolsonaro apostam em uma boa gestão e fazem elogios ao trabalho dela enquanto secretária.

"Gosto muito dela, e acho que ela foi [nomeada] pela competência e não por ser mulher. Isso mostra até que o presidente não faz diferença entre gêneros", defende a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), aliada próxima de Bolsonaro.

Aliados da base menos menos alinhados a Bolsonaro têm uma expectativa menos otimista sobre eventuais ganhos políticos, principalmente reverter possíveis danos eleitorais em relação às mulheres.

"Dá para resgatar [votos], mas não tem muito tempo, faltam menos de 90 dias [para as eleições]. Ela não vai conseguir fazer movimentos muito fortes que mudem a imagem. Então, ela vai, no mínimo, estancar a crise. Se estancar, já é bom, mas para o debate eleitoral não traz mais votos", prevê um deputado influente de um partido da base.

Um segundo deputado do Centrão concorda com a análise. "A Daniella entra só para aliviar o estrago causado. Não acho que ela tem estatura para o cargo, mas, como é mandato tampão, ela assume para fazer a imagem da mulher propriamente dita e vai tentar levar isso até o fim, diminuindo o tamanho da polêmica e estrago na Caixa", analisa. "Para isso, o governo escolheu bem porque a figura de uma mulher pode diminuir o tamanho do estrago, que já existia e vai ser explorado na campanha", complementa.

Como ponto positivo, os dois deputados de partidos de centro acreditam que, sob a gestão de Daniella, a Caixa não cometerá o mesmo erro de Pedro Guimarães em "produzir inimigos". "O Pedro arrumou muito inimigo dentro de um órgão público que tem gente do PT, PCdoB, de toda a esquerda. Subestimaram as denúncias que foram sendo feitas, enquanto a Daniella já falou em criar um canal para as mulheres e tornar o banco uma referência para elas", analisa um dos parlamentares.

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