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Orçamento
O presidente Jair Bolsonaro, ladeado pelos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia): Orçamento de 2022 tem “buraco” de R$ 70 bilhões.| Foto: Edu Andrade/Ascom/ME

Instrumento que garante a execução de despesas e o funcionamento da máquina pública como um todo, o Orçamento de 2022 tem um "buraco" da ordem de R$ 70 bilhões, estimam economistas.

Esse valor representa os custos adicionais representados pelo avanço da inflação, que está acima do previsto, e pelo cumprimento de promessas como o aumento nas transferências de renda para pessoas pobres por meio do Auxílio Brasil, sucessor do Bolsa Família. Também será preciso mais dinheiro para bancar a extensão da desoneração da folha de pagamento de 17 setores; para emendas parlamentares, que podem ter sido subestimadas na peça preparada pelo governo; e possivelmente para o fundo eleitoral, que tende a ser reajustado pelo Legislativo.

A equipe econômica tenta equilibrar os pratos enquanto aumentam as pressões para que o teto constitucional seja furado e a confiança do mercado financeiro fica mais volátil.

O governo ainda busca uma solução para a questão. A prioridade é obter autorização legislativa para pagar apenas parte dos precatórios devidos em 2022, o que pode liberar perto de R$ 50 bilhões para serem direcionados a outras despesas sem desrespeitar o teto de gastos.

Apesar de estar dentro desse teto, principal âncora fiscal do país, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2022 enviado ao Congresso Nacional subestimou valores, em especial reajustes nas despesas obrigatórias que deverão ocorrer em decorrência da alta da inflação. O comportamento do INPC até dezembro vai influenciar o valor do salário mínimo e de uma série de despesas obrigatórias, como gastos com Previdência e outros benefícios sociais.

Apesar da promessa do governo, a peça também não prevê aumento do orçamento do Auxílio Brasil em relação a seu antecessor, o Bolsa Família, e não destina recursos para as emendas de relator-geral.

Segundo estimativas da XP em parceria com o economista Marcos Mendes, do Insper, a diferença entre a proposta oficial do governo e um "orçamento realista" é de R$ 69,1 bilhões. O economista Samuel Pessoa, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, também estima uma lacuna da ordem de R$ 70 bilhões.

A situação não era tão apertada pouco tempo atrás, quando a União comemorava um aparente espaço no teto de gastos de mais de R$ 20 bilhões para o próximo ano. Essa margem decorreria de uma espécie de "bônus inflacionário", já que o fator de correção do teto de 2022 é a inflação acumulada em 12 meses até o último mês de junho, que foi bastante elevada – de 8,35% pela medição do IPCA. Havia expectativa de desaceleração dos índices de preços na sequência, o que, se confirmado, levaria a reajustes mais baixos em várias despesas obrigatórias.

Mas o governo comemorou cedo demais. A inflação não cedeu e, para complicar, o Ministério da Economia não contava com o salto das dívidas decorrentes de sentenças judiciais, os precatórios, que caíram como uma "bomba" fiscal no colo da União. Serão R$ 89,1 bilhões em dívidas a pagar em 2022 e, na falta de uma solução, o montante foi colocado integralmente na peça orçamentária, o que limitou o espaço para outros gastos.

"Por enquanto, são conjecturas, e não há um cenário claro de como a questão vai se dar até o fim do ano", avalia Gil Castello Branco, fundador da ONG Contas Abertas. "Isso gera uma intranquilidade muito grande no mercado, que quer previsibilidade. Além disso, as crises institucionais geram instabilidade e prejudicam completamente o crescimento da economia."

Confira na tabela a seguir a diferença entre o PLOA elaborada pelo governo e um "orçamento realista", segundo o levantamento da XP:

Inflação subiu bem mais que o previsto

Ao calcular suas despesas no PLOA, o governo estimou que o INPC fecharia 2021 em 6,2%. Porém, de lá para cá o próprio Ministério da Economia reajustou sua estimativa para 8,4%.

Segundo a pasta, os gastos públicos crescem em R$ 8 bilhões a cada 1 ponto porcentual de aumento da inflação. Ou seja, com a inflação elevada, as perspectivas fiscais ficam ainda mais desafiadoras do que já eram.

Pela estimativa da XP, as despesas obrigatórias com Previdência e benefícios sociais devem ser R$ 19 bilhões acima do que está contemplado na proposta de orçamento.

O governo afirma que, apesar do avanço da inflação, o Orçamento não fica inviabilizado e não trava a máquina pública. Para "solucionar" a questão, a equipe econômica pode mexer nas despesas discricionárias – de livre manejo, como investimentos e custeio da máquina pública. Elas já estão abaixo das programadas para 2021 e podem diminuir ainda mais. Por ora, o PLOA de 2022 prevê R$ 98,6 bilhões para gastos discricionários, 3,7% abaixo do programado no Orçamento aprovado deste ano (R$ 102,4 bilhões).

"A política monetária e a política fiscal vão combater a inflação", prometeu o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, em coletiva de imprensa. "Faremos o necessário para combater a inflação."

Questionado sobre a defasagem dos valores estimados no PLOA, Sachsida lembrou que o governo federal tem a obrigação constitucional de apresentar a proposta até 31 de agosto e que, para isso, trabalhou com os parâmetros disponíveis na ocasião.

Prorrogação da desoneração da folha, emendas parlamentares e fundo eleitoral

Especialistas também consideram como provável que o Congresso Nacional aprove a renovação da desoneração da folha de salários, o que deve adicionar por volta de R$ 9 bilhões ao gasto público. No PLOA, o governo direciona apenas R$ 3,5 bilhões para a questão.

O benefício foi criado na gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2011, e acabou sendo prorrogado ao longo dos últimos anos. Caso o PL não seja aprovado, a desoneração se encerrará em dezembro de 2021. O projeto de lei 2541/21 visa, portanto, prorrogar até 2026 a desoneração da folha de pagamento de trabalhadores de 17 setores da economia.

Além disso, o fundo eleitoral, previsto em R$ 2 bilhões no PLOA 2022, tende a ser elevado. Com isso, um orçamento "realista" das "outras despesas obrigatórias" sob o teto seria de R$ 138,6 bilhões, segundo a XP, e não de R$ 136,6 bilhões, como consta do PLOA.

Há, ainda, pressão com relação às chamadas emendas de relator-geral, distribuídas livremente e sem transparência pelo relator do Orçamento. A expectativa é de que os parlamentares pleiteiem um montante semelhante ao que foi liberado em 2021, ou seja, algo em torno de R$ 20 bilhões – que também não constam na proposta orçamentária.

Em seus cálculos, a XP calcula que serão necessários R$ 33 bilhões para o conjunto das emendas parlamentares, pouco mais que o dobro dos R$ 16 bilhões programados no PLOA.

Pode haver, além dessas emendas, um custo adicional não incluído nas contas da XP: para aprovar a reforma administrativa na Câmara, o governo negocia liberar, para cada deputado que votar a favor, R$ 20 milhões em emendas extras de 2022. Como são necessários 308 votos para aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC), esse gasto extra pode passar de R$ 6 bilhões.

Falta dinheiro para o Auxílio Brasil

Também faltam recursos no Orçamento para dar conta das promessas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro com relação ao Auxílio Brasil. O chefe do Executivo prometeu elevar em ao menos R$ 300 o valor do tíquete médio pago atualmente pelo Bolsa Família, de R$ 192. E também quer aumentar o leque de beneficiários.

No PLOA 2022, porém, o governo destina apenas R$ 34,7 bilhões para o programa – valor ligeiramente inferior aos R$ 34,9 bilhões programados para o Bolsa Família em 2021. Para cumprir suas promessas, o governo precisaria de mais R$ 60 bilhões, estimam economistas. Fontes do próprio governo esperam algo próximo de R$ 61 bilhões.

Recentemente, a fim de aumentar os recursos para o Auxílio Brasil, Bolsonaro editou um decreto aumentando as alíquotas do chamado Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em operações de crédito para pessoas jurídicas e físicas. A mudança, segundo o governo, deve gerar um aumento de arrecadação de cerca de R$ 2,14 bilhões. O dinheiro, no entanto, será usado nos dois primeiros meses do Auxílio Brasil – novembro e dezembro de 2021. Segundo o ministro Paulo Guedes, o aumento de imposto serviu apenas para cumprir uma exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, que obriga o governo a indicar a fonte de custeio de novas despesas permanentes.

Para mudar o Orçamento do ano que vem, indicando a fonte de recursos para o aumento do Auxílio Brasil e endereçando a questão dos precatórios, por exemplo, o governo precisará enviar uma "mensagem modificativa" ao Congresso incorporando as mudanças.

Governo tenta resolver questão dos precatórios

Um dos escapes para o governo conseguir aliviar o Orçamento seria endereçar de vez a questão dos precatórios, permitindo o seu parcelamento, por exemplo. É o que prevê uma PEC elaborada pelo Executivo e enviada ao Congresso.

O Poder Judiciário e o Executivo também tentaram construir uma solução para o problema dos precatórios via CNJ. Mas a tentativa acabou esfriando após as declarações de Bolsonaro durante as manifestações do 7 de Setembro. Há, ainda, uma alternativa proposta por um deputado que prevê a retirada do pagamento dessas dívidas do teto de gastos.

Mais recentemente, porém, o ministro Paulo Guedes e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), apresentaram um acordo pelo qual seriam pagos, em 2022, cerca de R$ 40 bilhões dos R$ 89 bilhões devidos.

O saldo devedor deverá ser pago no ano seguinte, 2023, de forma integral ou por meio de negociação com os credores, com possível "encontro de contas" com os entes subnacionais – estados e municípios – que compõem grande parte dos credores.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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