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Os deputados aprovaram na semana passada, em primeiro turno, uma proposta de emenda à Constituição que vincula a remuneração de várias carreiras do setor público ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Estão na lista delegados das polícias Civil e Federal e advogados da União, estados e municípios. Se prosperar, a PEC 433 vai aumentar os gastos com servidores em R$ 23 bilhões ao ano, e engrossar a já inchada lista de despesas obrigatórias do setor público.

INFOGRÁFICO: entenda quais são as despesas obrigatórias e por que o gasto é tão engessado

O montante de gastos que não podem ser cortados havia crescido pelo menos duas vezes neste ano, com uma emenda constitucional que obriga o governo federal a investir 15% da receita líquida em saúde até 2020 e a fórmula que facilitou o acesso à aposentadoria integral pelo INSS. As regras mais rígidas para o seguro-desemprego, o abono salarial e a pensão por morte atuaram em sentido contrário, mas, na prática, apenas amenizaram a expansão dos gastos.

O aumento da “rigidez orçamentária” impressiona. Em 2004, as despesas obrigatórias consumiram 77% da receita líquida da União. No ano passado, abocanharam 89%, segundo cálculo do economista Marcos Mendes, consultor legislativo do Senado.

Assim, feitas as transferências a estados e municípios, de cada R$ 100, sobraram R$ 11 para o governo federal usar livremente em 2014. Como a despesa fixa tem crescido mais de um ponto porcentual por ano, a margem para gastos livres desaparecerá em uma década se as regras não forem mudadas.

Para Mendes, o primeiro alvo tem de ser a fórmula de correção do salário mínimo, que indexa várias despesas e inflou os desembolsos da Previdência. Diminuir o número de ministérios, como o governo cogita, “não faz nem cócegas” no gasto total, diz.

DRU

O governo tenta prorrogar até 2023 a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que vence em dezembro. Criada em 1994 e renovada várias vezes, a DRU permite que o Executivo gaste livremente 20% das contribuições destinadas à seguridade social – a ideia é elevar esse limite para 30%. Mas, como as despesas da seguridade cresceram muito, hoje sobra pouco para gastar livremente. “A DRU ficou quase inócua. O governo só quer prorrogá-la porque tem algo de FAT e PIS/Pasep que ele ainda consegue realocar”, diz Marcos Mendes, consultor do Senado. “Na situação em está o caixa, qualquer margenzinha já faz diferença.”

Efeitos colaterais

O engessamento é consequência de normas da Constituição de 1988, da expansão de programas sociais e também da atuação de grupos organizados sobre o Executivo e o Legislativo – alguns com intenções mais nobres, como garantir verba para a saúde e a educação, e outros mais interessados em engordar seus contracheques.

Independente do propósito, a amarração dos gastos tem impacto relevante – e mais visível em momentos de crise – sobre as contas públicas e a atividade econômica. Se o rol de despesas que não podem ser cortadas aumenta, programas de ajuste fiscal conseguem atuar sobre uma fração cada vez menor dos gastos. Sobra para os investimentos, principais vítimas da “tesoura” do ministro Joaquim Levy: no primeiro semestre, eles encolheram R$ 16 bilhões, ou 36%.

“A parcela discricionária [livre de amarras] ficará perto de zero em um prazo curto. E mesmo ela tem um tanto de obrigatória: os gastos para custear a máquina pública são discricionários, e não é simples cortá-los”, diz o economista João Luiz Pagnassut, ex-presidente do Conselho Federal de Economia.

Mais impostos

Se a tesoura corta pouco, a saída é engordar o caixa. O governo recompôs ou elevou uma série de tributos neste ano, e estuda novos acréscimos. “A tendência, como sempre, é de aumentar impostos. Mas, no longo prazo, não resolve. Com mais dinheiro, o governo acaba gastando mais”, diz João Luiz Mascolo, professor do MBA Executivo do Insper. “Quando a carga tributária era de 27% do PIB, o déficit público era de 3%. Agora temos uma carga de 37% e um déficit de 7%.”

Despesas “sociais” causaram a crise, diz economista

Luiz Guilherme Schymura, diretor do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre), tem sustentado uma ideia polêmica. Para ele, a expansão das despesas com Previdência, programas sociais e custeio de educação e saúde é a principal causa da crise econômica. Pelas contas dele, os “gastos sociais” cresceram o equivalente a 4,55% do PIB de 2000 a 2014, e só não derrubaram a economia antes porque condições “excepcionais” inflaram a arrecadação na década passada.

“O efeito destes gastos no PIB é claro. Num país de baixa poupança doméstica, eles induzem a redução da poupança pública. Desta forma, cai o nível de investimento, o que (...) é um fator de contenção do aumento da produtividade”, escreveu Schymura em artigo publicado há dois meses.

Os gastos obrigatórios não limitam apenas o investimento público. Indiretamente, inibem também os desembolsos privados, diz Marcos Mendes, consultor do Senado. “O governo precisa financiar seu déficit. E paga juros altos para convencer o investidor a lhe emprestar dinheiro. Assim, acaba sugando grande parte da poupança da sociedade. Sobra menos dinheiro para financiar o investimento privado, a compra da casa própria”, diz.

“Extinção de ministérios não faz nem cócegas no gasto”

O economista Marcos Mendes defende mudança na regra que corrige o salário mínimo e uma fórmula que impeça que o salário dos servidores públicos suba acima da média do setor privado.

O que faz o gasto obrigatório crescer tanto?

As regras de reajuste fazem as despesas crescerem mais que a inflação. Em paralelo, são criadas normas para proteger determinados setores dos cortes.

A extinção de ministérios pode ajudar na redução dos gastos?

Não faz nem cócegas. O ministério que for extinto vai virar secretaria de outro ministério. Serão cortados cargos comissionados, mas o efeito no gasto é mínimo. As despesas obrigatórias continuarão existindo.

O que fazer para tornar o Orçamento menos rígido?

Tem que alterar as regras de criação do gasto. A principal é a do salário mínimo, que indexa um monte de despesas públicas. Para as áreas de saúde e educação, em vez de vincular o gasto à receita da União, é preciso corrigi-lo por algum índice de preços. Outra coisa é criar alguma forma de organizar os reajustes dos servidores. Subordiná-los ao reajuste médio do setor privado, por exemplo. Não faz sentido que eles tenham reajustes reais como se o país estivesse em excelente condição. E é preciso instituir uma idade mínima para aposentadoria.

Mas o aumento dos gastos obrigatórios reflete as escolhas da sociedade, não?

Reflete as escolhas da parte da sociedade que tem influência na política. Associações patronais, sindicatos organizados. Quem pressiona se sai melhor. E a população desmobilizada paga a conta.

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