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Pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 ajudou a reduzir o nível da extrema pobreza no país.
Pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 ajudou a reduzir o nível da extrema pobreza no país em meio à crise de saúde causada pelo coronavírus.| Foto: Tarso Sarraf/AFP

O governo federal mais do que compensou a perda de renda de trabalho da camada mais pobre dos brasileiros com o pagamento do auxílio emergencial, de pelo menos R$ 600, para trabalhadores informais e população vulnerável. O benefício acabou produzindo um efeito colateral positivo, mas inesperado: reduziu o nível de pobreza extrema, em junho, para o menor índice em 40 anos. Obter em poucas semanas um objetivo que o país não conseguia alcançar nos últimos anos aumenta a pressão sobre a agenda de assistência social do governo para o período pós-pandemia.

O levantamento do pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), mostrou que, em junho, apenas 3,3% dos brasileiros estavam em situação de extrema pobreza, de acordo com os dados da Pnad Covid-19, do IBGE. Ou seja: cerca de 6,9 milhões de pessoas viviam com renda per capita domiciliar inferior a US$ 1,90 por dia, o que corresponde a cerca de R$ 154 mensais por integrante da família.

No mês de maio, eram 4,2% (8,8 milhões de pessoas) na faixa da extrema pobreza – indicador alcançado em 2014, em um ano com mais redução desse contingente na série histórica a partir da década de 1980. O número caiu a medida em que o benefício passou a ser distribuído para mais pessoas: mais de metade dos brasileiros, direta ou indiretamente, foram impactados pela medida emergencial.

Seguindo esse critério, adotado pelo Banco Mundial para a definição de linha de pobreza, o Brasil teria alcançado o menor índice de pobreza extrema averiguado em pesquisas domiciliares. No entanto, o próprio pesquisador faz a ressalva de que é preciso cautela para a comparação desses dados, uma vez que a abrangência e modelo dos levantamentos mudou muito ao longo dos anos.

“O auxílio emergencial obteve de logro impedir que houvesse um impacto da crise econômica nos mais vulneráveis. Mas, certamente, a gente não resolveu o problema da pobreza e da extrema pobreza, isso está bem estabelecido”, aponta o pesquisador. Duque reforça que sem o auxílio emergencial haveria perda de renda generalizada em todas as camadas da sociedade.

Pobreza já era grande antes da Covid-19

Independentemente da crise causada pelo coronavírus, é fato que o Brasil já tinha um grande contingente de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. A última edição da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), do IBGE, divulgada em novembro de 2019 sobre os dados de 2018, apontava que havia 13,5 milhões de brasileiros vivendo com renda mensal per capita inferior a US$ 1,90 e considerados extremamente pobres, o que representava um indicador de 6,5% da população.

Esse mesmo estudo mostrou que havia 52,5 milhões de brasileiros com renda per capita inferior a US$ 5,50 mensais – esses são os considerados pobres, de acordo com os critérios do Banco Mundial. Ainda vale ressaltar que, entre 2014 e 2018, a extrema pobreza avançou 67% no país, de acordo com projeção da FGV Social, que ainda apontou que a renda dos 5% mais pobres havia recuado 39% no período.

Na avaliação de Daniel Duque, do Ibre, o forte impacto do auxílio emergencial revela o quão subfinanciado é o Bolsa Família, programa de transferência de renda do governo federal que está na mira de uma reformulação para se tornar o Renda Brasil. “A gente tinha um programa [Bolsa Família] que cobria quase um quarto da população, mas tinha até então uma pobreza extrema de 6,5% da população e pobreza a quase 25%”, exemplifica o pesquisador, para dar dimensão do alcance do auxílio emergencial.

Um relatório do Banco Mundial, publicado em julho desse ano, ponderava que a crise do coronavírus vinha na esteira da recessão, atingindo o país no momento em que os 40% mais pobres ainda estavam lutando para se recuperar do tombo anterior. Na avaliação da instituição, 52% dos brasileiros eram economicamente vulneráveis antes da pandemia e, em razão de choques na renda de trabalho e desemprego, a projeção inicial apontava para que pelo menos 8,4 milhões de brasileiros poderiam se tornar pobres em 2020.

No entanto, o auxílio emergencial já teria um impacto significativo nas famílias de baixa renda, e essas transferências mais do que compensariam o impacto da pandemia nos quintis mais pobres da população, elevando a renda para os 40% mais pobres da população. “Em termos anuais, os três meses de transferências aumentariam a renda média do quintil mais pobre em 14% em relação a 2019, quando ele era de R$ 203,50 per capita, e do segundo quintil em 3%”, aponta a projeção do Banco Mundial.

Esse incremento de renda teria o potencial de reverter o impacto da pandemia na pobreza, de acordo com a instituição. Mas, há uma ressalva: essas famílias passarão, ao menos, três meses com a renda mais alta do que o normal durante a pandemia – o benefício já foi prorrogado por mais dois meses e pode ser ampliado novamente até dezembro, ainda que em valor menor do que o atual.

“Uma vez que as transferências acabem, e se as taxas de empregos continuarem baixas, essas mesmas famílias passarão por uma séria redução de renda. Em relação à situação anterior à pandemia, a renda dos dois quintis inferiores cairá em 26% em média depois de considerado o seguro desemprego”, aponta o documento.

O peso dos programas de transferência de renda para o brasileiro

A concessão e a extensão do pagamento do auxílio emergencial mudaram parte da sistemática de projeções de mobilidade social neste ano. O economista Lucas Assis, analista de macroeconomia da Tendências Consultoria, explica que transferências do governo, como Bolsa Família e Previdência (aposentadoria e pensão), já entram nos cálculos de rendimento das famílias, além dos recursos obtidos com trabalho. Para 2020, foram acrescentadas as informações do auxílio emergencial e do programa de manutenção do emprego e renda.

Os dados mais amplos da consultoria, que são de 2018 e contam com a avaliação de informes do Imposto de Renda, apontava que, naquele período, 61,1% da renda das famílias vinha da massa de trabalho. A situação era diferente nas classes D e E, que já tinham mais prevalência de contribuições do governo: mais de 40% dos rendimentos dessas famílias tinham origem em transferências da União.

Neste ano, mesmo com as transferências governamentais para os mais vulneráveis, a consultoria projeta um inchaço das classes D e E – cerca de 3,8 milhões de domicílios ficarão mais pobres – e encolhimento da classe média – a classe C perderá 1,2 milhão de domicílios.

“O principal fator para isso é o desemprego dos menos escolarizados. Na perspectiva dos empregadores, os trabalhadores menos quilificados são os mais dispensáveis. A grande questão é o que vai ocorrer com essa população informal, com baixa escolaridade, depois do fim auxílio. As cicatrizes no mercado de trabalho são bem evidentes e, após o fim do auxílio, eles vão ficar sem suporte para se inserir nesse mercado”, avalia.

A Tendências projeta melhora para o cenário de mobilidade social em 2021 e 2022, ainda que bastante lenta. “Ela acompanha o fenômeno de países com alta desigualdade e baixa qualificação, que deve impedir a geração de empregos melhores”, aponta Assis.

O impacto do auxílio emergencial nas contas públicas

Até o início de agosto, o auxílio emergencial já havia sido distribuído a 65,9 milhões de pessoas e custado R$ 151,4 bilhões aos cofres públicos, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Cidadania na última sexta-feira (7). Para comparação, o Bolsa Família, que atende mensalmente a cerca de 14 milhões de famílias custa R$ 30 bilhões anuais.

“O governo não tem recursos para poder gastar com auxílio emergencial como gastou esse ano. Vai haver uma perda de bem-estar e rendimento da população mais pobre, não há dúvida disso. Mesmo que o Renda Brasil aumente orçamento, não tem como chegar nem próximo do que foi gasto com o auxílio”, avalia Daniel Duque, do Ibre/FGV.

O Banco Mundial pondera que não está claro que tipo de medidas podem ser tomadas ao fim do auxílio emergencial, mas é preciso considerar um aumento no valor do benefício e cobertura do Bolsa Família no longo prazo. “É improvável que a pouca generosidade do PBF [programa Bolsa Família] e sua cobertura limitada sejam suficientes para apoiar a população economicamente vulnerável após o final do Auxílio Emergencial”, aponta o documento.

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