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Presidente Jair Bolsonaro em Manaus: políticas que buscam retorno eleitoral pioram o cenário econômico, na avaliação da IFI.| Foto: Isac Nóbrega/PR

Políticas do governo Jair Bolsonaro que podem render dividendos eleitorais — como o programa Auxílio Brasil e a PEC dos Precatórios, que liberaria dinheiro para gastos — devem piorar o cenário das contas públicas, alerta a Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado Federal.

Apesar da melhora do desempenho do PIB e do déficit primário em 2021, a recuperação econômica não está consolidada, afirma a instituição. A expectativa é de desaceleração do crescimento econômico e persistência de pressões inflacionárias em 2022, ainda que não tão fortes quanto as deste ano.

O apontamento é feito no mais recente Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF). O documento é lançado mensalmente pela entidade, com o objetivo de promover transparência das contas públicas e colaborar para a disciplina fiscal.

O Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família, as discussões sobre o novo Refis — um parcelamento de dívidas tributárias — e a PEC dos precatórios são tidos pela IFI como principais medidas que podem desrespeitar o teto de gastos e, por consequência, piorar o cenário fiscal. Neste último, a proposta é permitir o parcelamento em dez anos dos precatórios — dívidas decorrentes de sentenças judiciais —, que em 2022 devem chegar à cifra de R$ 89 bilhões.

Na mesma PEC, o governo também quer criar um fundo de liquidação de passivos, de propriedade exclusiva da União, para bancar os precatórios parcelados e dívidas ativas fora do teto de gastos. Também deve haver dentro do fundo uma espécie de "mecanismo de encontro de contas", em que será possível quitar ou negociar passivos entre União e estados. Com a PEC, o governo aliviaria o Orçamento, podendo investir em medidas como o Auxílio Brasil.

"A atenção da IFI será redobrada", alerta a instituição, afirmando que as medidas de teor populista podem abalar o arcabouço de regras fiscais vigentes e devem provocar efeitos relevantes sobre a inflação, os juros, a taxa de câmbio, o crescimento econômico e a dívida pública.

"Na iminência de romper o teto, o governo quer mudar a regra do jogo. Esse é o principal fator que leva ao aumento do risco", diz Felipe Salto, diretor-executivo da IFI. "Os agentes econômicos percebem isso como uma manobra que pode levar à contratação de novos gastos e gastos permanentes."

A precificação, segundo Salto, se dá no aumento dos juros. "A curva a termo [longo prazo] de juros já está mais elevada para todos os prazos. Esse prêmio pelo risco é precificado já no curto prazo pelos agentes. Em última instância, isso pode afetar a dinâmica da dívida pública", afirma ele.

O diretor-executivo do IFI cita outros ingredientes que aumentam o risco fiscal: "Por exemplo, em 2019, a cessão onerosa foi retirada do teto; neste ano, houve uma mudança de calendário que permitiu postergar despesas do abono salarial; a possibilidade de contabilizar o [novo] Bolsa Família no extrateto; e a própria reforma do IR, que não é contabilidade criativa, mas é uma mudança no sistema que também prejudica a avaliação de risco, em especial pela forma do último relatório, que é muito ruim e pode gerar rombo fiscal elevado".

Sobre a expectativa de que as medidas do governo deixem de prosperar após alertas de instituições como a IFI, Salto lembra que a entidade não tem poder judicante, como os órgãos de controle. "Mas nossos conteúdos têm o poder de incomodar, e eles têm que incomodar. A presença da IFI no arcabouço fiscal desde 2016 cumpre esse papel. Aconteceu isso [incômodo] na reforma da Previdência, em que divulgamos antes do governo os cálculos do impacto fiscal de cada medida. Agora, deve acontecer da mesma forma", diz ele.

Inflação e PIB

As expectativas para o cenário inflacionário também preocupam e, por consequência, as expectativas são de mais aumentos na taxa básica de juros. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou alta de 9% em 12 meses até julho, e em 2022 ainda podem persistir pressões inflacionárias.

A IFI espera um IPCA próximo de 7% neste ano e vê possíveis reflexos no ano que vem, embora a estimativa atual para 2022 ainda seja de um índice bem mais contido. "A pressão inflacionária corrente mais generalizada, consequentemente, se traduz em maior inércia para a inflação de 2022 (cuja projeção atual está em 3,5%)", diz o relatório da instituição.

Entre os riscos para os preços estão políticas de viés eleitoreiro do governo federal, capazes de influenciar negativamente a própria atividade econômica, na avaliação da IFI.

"A busca de espaço para acomodar políticas com retorno eleitoral e a consequente piora da percepção sobre o risco fiscal dificultam a tarefa do Banco Central de ancorar as expectativas de inflação à meta. Criam incerteza adicional à trajetória prospectiva de inflação por meio da elevação dos prêmios de risco-país e dos juros", alerta a IFI. "O quadro de inflação alta e persistente, a necessidade de aumento dos juros e as incertezas quanto à demanda externa, além do risco fiscal, indicam evolução mais branda do PIB", diz o RAF.

Ainda segundo o relatório, os juros básicos tendem a ficar mais altos que o previsto em 2021, impondo restrições adicionais à dinâmica de crescimento de médio prazo. "O movimento mais contracionista da política monetária justifica-se pelo crescimento contínuo das expectativas de mercado para o IPCA", diz.

Quanto ao PIB, no cenário base, a IFI estima um avanço de 4,2% em 2021; no otimista, um desempenho de 5,4% do PIB, valor levemente acima da do mercado financeiro, que projeta um crescimento de 5,27%. Quanto a 2022, a projeção do relatório é de um crescimento mais fraco do PIB, de 2,1%.

Variantes da Covid-19 e crise hídrica

Para além das medidas populistas em que o governo tem apostado, a disseminação de variantes do coronavírus deve agravar ainda mais o cenário econômico. Em paralelo, o risco de racionamento energético, dado o baixo nível dos reservatórios de hidrelétricas do país, abala a confiança dos agentes e do desempenho da economia do país.

Segundo a IFI, mesmo com o avanço da campanha de vacinação no Brasil, "o percentual de pessoas completamente imunizadas (22,7%) encontra-se ainda distante do nível considerado seguro ou ideal, fato que pode afetar a normalização do sistema produtivo em meio à disseminação de variantes mais infecciosas do coronavírus".

"Alguns países com taxas de vacinados mais elevadas voltaram a registrar aumento de casos pela variante Delta. Nesse sentido, o ritmo de expansão do comércio mundial, que beneficiou a economia brasileira ao longo do ano, pode ser também atenuado", diz a instituição.

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