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Crédito
Concessões de crédito por meio da linha rotativa do cartão aumentaram 58,2% em janeiro em relação ao mesmo período de 2021.| Foto: Michal Jarmoluk/Pixabay

A qualidade do crédito concedido às famílias e o endividamento delas está piorando, sinaliza o Banco Central no mais recente Relatório Trimestral de Inflação. A inadimplência está gradualmente aumentando e há uma procura maior por linhas emergenciais de crédito, como o rotativo do cartão e o cheque especial, que tradicionalmente têm as maiores taxas.

Em um ano, o volume de novos empréstimos nessas duas modalidades aumentou 58,2% e 30,3%, respectivamente, segundo os dados mais recentes do BC, referentes a janeiro.

Em ambos os casos, são crescimentos superiores ao total de novas concessões de créditos para pessoas físicas, que cresceu 25,4% no mesmo período, em um contexto de retomada da atividade econômica, do consumo e de melhora no mercado de trabalho.

O crescimento das concessões foi acompanhado de uma expansão no "estoque" das operações de crédito, que subiu pouco mais de 16%. Com isso, a participação do crédito do sistema financeiro como percentagem do PIB igualou, no fim de 2021, o pico registrado em dezembro de 2015, que era de 53,9%. A principal diferença entre os dois momentos é que os empréstimos às famílias ganharam mais participação: 58% contra 47%.

O BC tem detectado uma piora na composição do crédito às famílias, com contração nas modalidades de custo mais baixo, como o crédito consignado e o financiamento de veículos, e aumento nas concessões de linhas emergenciais, de custo mais elevado, como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial.

A taxa média do cartão é de 13,58% ao mês e a do cheque especial, de 7,84%, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Administração, Finanças e Contabilidade (Anefac).

“Isto mostra indícios de dificuldades financeiras por parte das famílias”, explica a economista Izis Ferreira, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). E, não bastasse isso, aos altos juros soma-se a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cuja alíquota subiu de 3% para 4,07% no ano passado.

A Serasa aponta que mais de 65 milhões de consumidores estão inadimplentes. É um número que só tinha sido registrado em abril de 2020, no começo da pandemia. "Selic em alta, inflação elevada, e retomada em passos lentos são fatores que contribuem para este cenário", diz Amanda Rapouzo, gerente da Serasa eCred. E que ganham ajuda com as fracas expectativas de crescimento e a renda não acompanhando a inflação.

Comprometimento de renda com crédito vem aumentando

O comprometimento da renda das famílias com o serviço das dívidas vem aumentando desde julho de 2020, quando era de 21,08% da renda familiar disponível nos últimos 12 meses. Em novembro, segundo o BC, era de 27,86%.

Dados da CNC mostram que 77,5% das famílias têm algum tipo de dívida, o maior patamar em 12 anos. A proporção de famílias com contas em atraso também atingiu o maior patamar da pesquisa: 27,8%.

Dois fatores pesam para esse cenário: a piora da qualidade do crédito e a queda na renda. O rendimento médio do trabalho caiu 8,75% entre os meses de fevereiro de 2021 e 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “[A queda na renda] tem mais do que compensado a melhora da ocupação, de acordo com dados da Pnad Contínua”, cita o relatório do Banco Central.

O economista Flávio Calife, da Boa Vista Serviços, lembra também que a capacidade de pagamento das famílias, principalmente as de rendas mais baixas, piorou com o fim do pagamento dos auxílios. “E deve ser agravada em um cenário de juros e spread [a diferença entre a taxa que o banco paga para captar dinheiro e a que ele cobra] mais elevados.”

A inadimplência das famílias está gradualmente aumentando, depois de permanecer contida durante a pandemia por causa da política de postergação de pagamentos das instituições financeiras e da concessão de auxílios por parte do governo.

Ela era de 4,03% em junho de 2021 e passou para 4,61% em janeiro de 2022, de acordo com o BC. A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), feita mensalmente pela CNC, mostra que 10,8% das famílias não têm condições de pagar dívidas ou contas em atraso. Essa dificuldade é mais evidente em linhas de crédito como o rotativo do cartão de crédito (36,23%) e cheque especial (10,94%).

Medo de juros mais elevados

O cenário não é dos mais animadores. A inflação não está dando trégua. Nos 12 meses encerrados em março, o IPCA atingiu 11,30%. E a maioria dos dissídios salarias não está conseguindo repor a inflação. Dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostram que entre março de 2021 e fevereiro de 2022, 47,3% das negociações resultaram em reajustes abaixo do INPC, o referencial para negociações salariais.

Analistas de mercado e investidores já projetam um ciclo de alta de juros mais longo, após comentários feitos pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de que a inflação está muito alta. Com esse cenário, a expectativa é de que o ciclo de alta na Selic se encerre a 13,5% ao ano. Atualmente, a taxa está em 11,75% ao ano.

“As incertezas são grandes e o BC está orientado ao cumprimento das metas de inflação. Vamos ter de conviver com juros mais elevados por mais tempo”, diz Izis Ferreira, da CNC.

Com isso, afirma Calife, o crédito às famílias deve crescer de forma mais contida em 2022. “Com juros e spread mais altos, há uma tendência à procura menor por dinheiro.”

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