• Carregando...
Obras em Luanda, capital de Angola: portugueses brigam por espaço em momento de reconstrução do país | Issouf Sanogo/AFP
Obras em Luanda, capital de Angola: portugueses brigam por espaço em momento de reconstrução do país| Foto: Issouf Sanogo/AFP

alternativa

Brasil é visto com certo ceticismo

Os portugueses já apostaram em antigas colônias, principalmente o Brasil, para ajudar a compensar a redução de rendimentos no país. Um exemplo disto foram os esforços recentes que o governo de Lisboa fez para evitar que a Telefónica da Espanha tomasse o controle da Vivo, empresa brasileira controlada pela Portugal Telecom – embora uma oferta tenha sido aprovada pelos acionistas da empresa.

José Sócrates, primeiro-ministro português, disse na época que ter uma presença no lucrativo mercado brasileiro era "estratégico e fundamental para o desenvolvimento da Portugal Telecom". Ainda assim, a visão geral entre os analistas é que o Brasil é suficientemente grande e avançado para atingir o crescimento por conta própria. Além disto, as empresas portuguesas não realizam investimentos frequentes no país. Grandes empresas varejistas portuguesas fizeram incursões ambiciosas no Brasil na década de 1990, e acabaram encontrando problemas de desvalorização da moeda e forte concorrência interna.

"O mercado brasileiro sempre esteve no nosso radar, mas fizemos várias tentativas que nem sempre foram bem-sucedidas. No ano passado, testemunhamos algum progresso na relação comercial com o Brasil, mas não tenho certeza se é o começo de uma tendência. Na verdade, sou cética em relação ao Brasil, e acredito que as relações com Angola são algo que deve continuar. Investimentos diretos em Angola gradualmente substituirão as exportações como parte mais importante do relacionamento", disse Cristina Casalinho, economista-chefe do BPI, banco português.

Concorrência

China também investe

A fim de ressaltar a crescente importância de Angola, o presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, encerrou na sexta-feira uma visita de uma semana a Luanda, acompanhado de uma delegação de cerca de 80 executivos portugueses. E eles não são os únicos com os olhos em Angola. A China esteve recentemente à frente do ressurgimento econômico de Angola, tentando garantir acesso aos recursos naturais do país em troca de ajuda na construção de estradas e outras obras de infraestrutura destruídas durante três décadas de guerra.

Apesar de as empresas portuguesas não possuírem poder de fogo para competir com os chineses e outros grandes investidores, a língua em comum, aliada com elos culturais, pode dar aos portugueses uma vantagem. Mesmo assim, o consultor de relações públicas Antonio Cunha Vaz enfatiza a necessidade de agir com cuidado ao retomar a relação histórica de Portugal com Angola. "É claro que compartilhamos a mesma língua e temos muito mais em comum com os angolanos do que os chineses ou outros povos, mas os investidores portugueses também precisam fazer grandes esforços para não darem a impressão de que estão pressionando pela volta aos tempos coloniais", diz.

Antonio Cunha Vaz, junto com sua mãe e sua irmã, fez parte do êxodo em massa de portugueses que habitavam Angola em 1975, quando o país africano conquistou a independência e logo depois caiu numa devastadora guerra civil. Em 2008, no entanto, Cunha Vaz abriu em Luanda uma filial de seu escritório de consultoria de relações públicas, com sede em Lisboa. Ano passado, a empresa teve 37% do seu faturamento de 22 milhões de euros originados em Angola.

Portugal, uma das economias europeias problemáticas, está depositando cada vez mais suas esperanças de recuperação em Angola, uma antiga colônia que se estabeleceu como uma das economias mais fortes da África subsaariana graças ao petróleo e aos diamantes. A mudança vem conforme a concorrência fica mais acirrada no Brasil, outra ex-colônia bem-sucedida, e à medida que os tradicionais parceiros comerciais de Portugal na Europa, liderados pela Espanha, lutam com uma montanha de dívidas e taxas de desemprego crescentes.

Angola já se tornou o maior mercado para as exportações de Portugal para fora da Europa, respondendo por 7% das exportações portuguesas no ano passado, em comparação com 1% em 2000, conforme dados do instituto de estatística português e a Eurostat, agência de estatística da União Europeia. Máquinas e equipamentos industriais lideram a lista dos produtos mais exportados, logo à frente de alimentos, bebidas e metais.

Imigração

Talvez até mais espetacular do que o fluxo do comércio tenha sido a chegada de uma nova geração de portugueses para trabalhar em Angola, uma tendência que deve crescer à medida que mais empresas portuguesas transferem suas operações para lá e Angola avança com planos mais receptivos a investimentos, como a abertura da bolsa de valores local. No ano passado, 23.787 portugueses se mudaram para Angola contra apenas 156 em 2006, conforme dados do serviço de imigração de Portugal.

Durante o ano passado, Ricardo Gorjão, gerente de projetos da CPI, uma companhia portuguesa que produz software para bancos e outras indústrias de serviço, gastou dois terços de seu tempo em Angola, onde os bancos estão construindo uma rede nacional praticamente do zero, depois de inicialmente restringir suas operações a Luanda. "Estamos atravessando uma enorme recessão em Portugal, enquanto que em Angola o setor bancário teve um desenvolvimento surpreendente. Logo, faz mais sentido transferir nossos negócios para Angola", disse ele, por telefone, de Luanda.

Embora a vida na capital de Angola possa ser "dura, perigosa e cara" em comparação com Lisboa, "quando você vê a taxa de desemprego que existe em Portugal, acho que mais pessoas certamente se prontificarão para mudar para Angola atrás de um bom emprego", considera.

Rebaixamento

O sombrio panorama da economia portuguesa ficou ainda mais evidente quando a agência Moody’s baixou a classificação da dívida do país em dois pontos, de A1 para Aa2. A Moody’s atribuiu sua decisão, que segue as recentes quedas na classificação de outras agências de avaliação de crédito, às poucas perspectivas de crescimento, assim como uma previsão de que "a força financeira do governo português continuará diminuindo a médio prazo". O panorama para Angola, por sua vez, é totalmente o oposto. O Banco Mundial aumentou recentemente sua previsão de crescimento para Angola em 2010 de 7,5% para 8,5%.

Mesmo assim, analistas ressaltam que a corrupção em Angola, aliada a procedimentos com burocracia excessiva, são sérios obstáculos para os investidores estrangeiros. O país ficou em 162.º lugar numa lista de 180 países no índice de percepções sobre corrupção compilada pela Transparência Internacional, uma organização que mede a corrupção em todo o mundo.

Inversão

Com sua economia em crescimento e lucros exorbitantes com o pe­­tróleo, Angola também se transformou num dos principais investidores estrangeiros em Portugal. Os in­­vestidores angolanos no país são en­­cabeçados por familiares e conselheiros próximos a José Eduardo dos Santos, presidente de Angola desde 1979. Eles investiram desde em bens como plantações de oliveiras e vinhedos no norte de Portugal até em ações das principais empresas portuguesas. O Santoro, grupo fi­­nanceiro controlado pro Isabel dos Santos, filha do presidente, pos­­sui 9,7% da BPI. A Sonangol, com­­panhia de petróleo estatal, in­­vestiu em outro grande banco português, o Millennium Bcp, e também adquiriu uma parte da Galp, a companhia energética portuguesa.

Todavia, além das ambições da elite governante de Angola, outro motivo para esperar que os laços comerciais se estreitem é que os angolanos estão liderando um contingente cada vez maior de estudantes africanos que frequentam universidades em Portugal. Edson Martins, um angolano de 25 anos que lidera uma associação de estudantes na Universidade Autônoma de Lisboa, estima que seus compatriotas respondam por quase um quinto dos alunos este ano. Após completar o curso de Direito, ele planeja voltar para casa. "Estudar aqui é ótimo, mas as verdadeiras oportunidades para colocar o que eu aprendi na prática e fazer algo interessante como abrir um negócio estão na África. Não somos só nós que pensamos isto, mas os estudantes portugueses daqui agora me pedem para ajudá-los a encontrar um emprego em Angola", diz o estudante.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]