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Leandro Karnal fala sobre carreira e relações humanas no meio corporativo | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Leandro Karnal fala sobre carreira e relações humanas no meio corporativo| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A fofoca pode unir as pessoas e tornar o ambiente de uma empresa extremamente competitivo. Para Leandro Karnal, esta eficácia é clara, mas tem um preço alto. Em entrevista à Gazeta do Povo, o palestrante e historiador, que veio esta semana a Curitiba para participar do CEO Fórum promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham), defende que a maledicência gera um clima tóxico nas organizações e, por fim, ninguém consegue mais dar o melhor de si. “Todo mundo só quer competir”, diz.

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O escritor gaúcho também falou sobre a escolha da carreira, sucesso, fracasso, cotas, meritocracia e inveja. Professor da Universidade de Campinas (UNICAMP) e com livros sobre assuntos diversos – que vão desde o perdão e a felicidade até história das religiões–, Karnal é conhecido por suas palestras amplamente divulgadas na internet e por suas participações no programa Café Filosófico, da TV Cultura.

Confira a entrevista:

No livro “A detração – Breve ensaio sobre o maldizer”, você aborda o velho hábito de falar mal dos outros. Por que a fofoca e a maledicência são tão comuns no meio corporativo?

Em primeiro lugar, porque elas constituem um elemento para você manter a unidade do grupo. Quando você está falando mal de alguém, está mantendo amigos e aliados. No momento em que eu encomendo a alguém um inimigo, estou me aproximando de você. Porque você e eu odiamos aquela pessoa.

Em segundo lugar, porque ao atacar alguém por meio de uma verdade ou uma mentira, eu elevo a mim. Quando digo que você é incompetente ou não se compromete com o trabalho, eu estou dizendo que eu não faço isso e que eu sou melhor. Então, pelo seu efeito político de unidade e pelo seu efeito de constituição de alianças, a fofoca é um dos jogos mais comuns que temos em qualquer relação humana, particularmente, no ambiente corporativo, onde estas relações têm que ser de disputa de poder por espaço.

Então, pode ser bom para a empresa que os funcionários estejam unidos e se tornem mais competitivos por meio da fofoca? Até aonde vai esta eficácia?

Em geral, a maledicência solta ao vento costuma criar um ambiente de não confiança. Então, não que ela não seja eficaz. A fofoca é eficaz. O problema é que ela cria uma toxidade que torna o ambiente não confiável. Tornando não confiável, as pessoas não dão o melhor de si.

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Elas passam a disputar ao invés de produzir. A eficácia da fofoca se dá em detrimento ou em limite de outras capacidades de produção. Logo, atinge o poder tal como a violência sempre atinge o poder. Mas todo sistema construído pela violência e para a violência é instável. Essa eficácia não dura muito e afeta o objetivo maior que é fazer do ambiente de trabalho um ambiente em que cada um produza mais, seja mais e exista dentro do máximo da sua capacidade.

Em uma das suas publicações mais populares no Facebook, você remete uma carta a um menino de 16 anos que está em dúvida quanto a que faculdade cursar. Não é injusto que as pessoas devam escolher tão cedo a carreira que vão seguir para o resto da vida?

É sempre injusta qualquer decisão que implique permanência. Porque você não domina as variáveis do que vai acontecer. Mas se você se casar, tomar uma decisão vocacional ou entrar em um negócio muito antes dos trinta, corre o risco de não se conhecer. Conhecendo-se mais, você tem a chance matemática de tomar uma decisão mais compatível com o seu gosto. É muito injusto escolher carreira cedo. Mas uma coisa boa é que se eu decido fazer uma faculdade de Filosofia, História ou Direito, não estou necessariamente decidindo que lugar vou ocupar aos 80. Eu estarei adquirindo um conhecimento que pode me levar a ser um professor, se não me levar a ser professor, pode ser que eu entre em um negócio, e nesse negócio o curso de filosofia vai ser central, vai garantir que, nas relações interpessoais, minha conversa seja diferente, vai acrescentar uma capacidade intelectual e vai me tornar mais confiável para clientes. Então, estudar sempre é bom.

Mas ninguém pode imaginar que ao escolher a carreira no Ensino Médio, aquele curso vai ser definitivo. Lembrando que os grandes nomes do mundo contemporâneo desistiram de cursos superiores. É o caso de Zuckerberg e Bill Gates. Mas eles desistiram de cursos a partir do momento que entenderam que ganhariam mais fazendo outra coisa ou teriam mais prazer – como de fato tiveram.

O que não quer dizer que a gente deva desistir dos cursos. Toda experiência que você tiver vai servir. Steve Jobs diz em sua biografia que desistiu da faculdade, mas fez um curso de caligrafia que o ajudou a definir as fontes da Apple. Faça você Direito, História, Educação Física ou Química, tudo vai lhe dar uma visão do mundo.

Então, o jovem tem que tomar uma decisão aos 16, aos 18 aos 30: estudar muito, crescer muito, ter muitas experiências. O que vai acontecer não é fruto exatamente do diploma. Mas da maneira como você interage com a sua biografia. Tudo o que eu estudei em História e Filosofia não me dirigiram para a carreira de palestrante, por exemplo.

Um assunto comum em suas palestras é a inveja. Em que medida ela pode atrapalhar a vida profissional?

A inveja atrapalha a vida profissional de qualquer jeito. Ela não é a cobiça, que pode ser positiva. Eu posso querer ter o inglês que você fala, ter o corpo que você tem e isso pode me levar ao crescimento. A inveja, não. Ela é sempre a minha tristeza pela felicidade que você sente. É sempre negativa. E ela é uma incapacidade de se observar. Ao invés de focar em você, você foca no outro. Ao invejar o outro, como diz a própria origem da palavra que vem do latim invidere (não ver), você está destituído da capacidade de se olhar e só avalia o outro.

Este é um momento sempre destrutivo, sempre ruim, que nunca leva a nada. Então, é preciso ter em conta que o sentimento de inveja deve ser trabalhado imediatamente como uma falha sua que nunca é culpa do outro. Você deve substituir a inveja por modelos positivos, por modelos que você queira seguir. Ter cobiça, ter alguma pessoa como modelo. Pelo conhecimento, pela renda, pelo corpo, pela habilidade que ela tem.

Desde a infância até o fim da vida, a inveja é sempre negativa. É um mal terrível e tão terrível que ninguém se reconhece invejoso. Todos se reconhecem invejados. Porque sabem que é o reconhecimento de uma fraqueza – e uma fraqueza grave.

Na prática, a meritocracia é um conceito que tem se mostrado extremamente ineficaz. Temos hoje uma legião de desempregados e isso não quer dizer que tenhamos uma legião de incompetentes. Como é possível motivar as pessoas a crescerem na carreira em meio a este cenário tão controverso?

A meritocracia é um grande valor, desde que preserve a condição da igualdade para a existência do mérito. Creio que devamos lutar por uma sociedade de meritocracia, mas reconhecendo situações de privilégios – e coloco privilégios entre aspas. Eu reconheço que você, grávida, pode passar na minha frente na fila. Que você que você, com uma criança de menos de dois anos, possa entrar primeiro no avião.

É por reconhecer estas distinções que eu, homem adulto, sem gravidez e criança no colo, não poderia querer esperar o mesmo tempo que esperaria uma pessoa de 80 anos ou uma pessoa grávida. Resultado: a meritocracia é um valor e é por isso que, curiosamente, e , contraditoriamente, para alguns, eu sou a favor de cotas.

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Porque as cotas estabelecem a meritocracia. As cotas estabelecem o ponto de partida mais próximo para que as pessoas possam disputar o mesmo espaço. No Brasil, exatamente porque o princípio é ideal, mas não real, a ideia de cotas garante meritocracia, ou seja, que a gente possa concorrer em condições iguais.

Até porque a cota não seleciona a pessoa exclusivamente pela identidade étnica. Elas são selecionadas a partir da disputa com pessoas próximas à sua própria situação. Assim, podem crescer como temos experiências na Unicamp. Crescem muito e crescem bem.

As cotas funcionam, não é mais uma questão de debate. Especialmente em um Brasil em que uma pessoa é perseguida não apenas por ser pobre, mas por ser negra, por exemplo.

Você faz muitas palestras sobre o desenvolvimento da carreira. Como dizer para alguém persistir no próprio sonho quando o sucesso não depende apenas do indivíduo?

Sorte e azar, ou seja, expectativas atendidas ou negadas, existem na sua vida e na minha, nas dos nossos leitores e do nosso público. A todo instante coisas que eu quero não acontecem. Maquiavel definiu isso através de dois polos, a virtù: suas habilidades, o conjunto de coisas que você tem, aquelas coisas que você desenvolve; e fortuna: aquilo que você não controla. A vida não é pura virtù. Mas é ingênuo supor que ela seja pura fortuna.

Então, o que é a capacidade de incentivar as pessoas? É lutar para que dentro da sua capacidade elas deem mais, consigam mais, ambicionem mais. Que elas tenham metas mais arrojadas dentro do seu desejo. E que dentro desse desejo, as pessoas atinjam objetivos que as tornem felizes. Esse motivo pode ser um emprego estável público, uma carreira desafiadora de empreendedorismo, tornar-se rico ou constituir uma família com um salário médio.

Sorte e azar existem, mas eu não sou uma folha levada ao vento, eu tenho vontade. Quando você estabelece metas ousadas, você consegue muito mais. O que eu sempre quero dizer as pessoas é que nem todo mundo nasceu para o ponto A ou para o ponto B. E nem todo mundo quer o ponto A ou o ponto B. Você tem que ter clareza do que você deseja. E esse desejo tem que te levar o mais perto possível entre a sua experiência concreta e a sua meta.

Felicidade não é fingir aquele ponto, mas lutar para estar nele. Dentro dos limites eu posso falar mais línguas, ter um corpo melhor, ganhar mais, ter ou não ter filho, viajar. Mas eu estabeleço esse limite.

Se nada der certo, é possível ser feliz com o fracasso?

Hoje eu tenho uma consciência de que a situação de fracasso é uma das situações mais confortáveis que existem. Quando você não deu certo, você atingiu um patamar e esse patamar de fracasso é um patamar de segurança. “Ninguém me ama, eu não dou certo, eu não tenho dinheiro, eu não tive sorte” é uma das regiões mais confortáveis para você existir no mundo.

Então, sim, eu até diria que o fracasso tem um poder sedutor muito grande. O desafio é o sucesso. Posso dizer que, na verdade, o fracasso é uma forma de felicidade. Muita gente procura o fracasso e fica surpreso. São pessoas que não se desafiam e quando percebem que suas vidas entraram em uma zona estável de inércia e que através da repetição não conseguem crescer, ficam surpreendidas. Como se fosse um acidente ou um cometa negativo estivesse solto e tivesse levado a sorte delas.

Então, ninguém precisa atingir o topo da pirâmide. Não tenho certeza se o topo da pirâmide é um local confortável ou bonito, mas muitas pessoas na base da pirâmide, no fracasso, na não obtenção de coisas se sentem muito bem. Porque o fracasso é uma forma de estabilidade. É uma questão de escolha. Uma escolha que deve ser feita por cada um. É uma grande questão para responder.

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