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Greve dos caminhoneiros
Caminhoneiros em protesto no último 7 de setembro: nova paralisação nacional pode acontecer a partir de 1º de novembro| Foto: Joédson Alves/EFE

A convocação de uma greve dos caminhoneiros a partir de 1º de novembro representa a maior possibilidade de uma paralisação nacional desde 2018. Após dois chamamentos feitos pela categoria este ano, transportadores autônomos e celetistas de carga prometem cruzar os braços em demanda pela constitucionalidade do piso de frete, pela redução do preço do óleo diesel e por maior fiscalização nas rodovias a fim de garantir o cumprimento da jornada de trabalho.

A promessa dos caminhoneiros é iniciar uma paralisação em todo o país a partir da zero hora do dia 1º de novembro. A data foi agendada por líderes autônomos e transportadores sindicalizados da categoria após reunião no Rio de Janeiro no sábado (16). O encontro havia sido agendado após uma reunião ocorrida em 18 de setembro, em Brasília.

O chamamento para a greve foi feito pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte e Logística (CNTTL), pela Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava) e pelo Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas (CNTRC).

A real possibilidade de uma greve se deve à participação da Abrava e outras entidades e lideranças, sindicais e autônomas, que não haviam aderido às convocações de 1º de fevereiro e 25 de julho promovidas pela CNTRC e que contaram com o apoio da CNTTL.

Para a convocação de 1º de novembro, as entidades organizadoras também mobilizaram empresas e entidades do setor da indústria e trabalhadores que atuam nos setores de transporte de passageiros, como taxistas e motoristas de aplicativo.

O que explica o aumento da adesão à nova convocação de greve

Nem todos os caminhoneiros são favoráveis a uma greve. Alguns são contra e outros estão neutros. A opinião dos contrários é de que uma greve não ocorrerá. Os neutros acreditam que são grandes as chances de uma paralisação nacional. "Não sei em que tamanho, mas adesão vai ter, sim. Talvez depois [da greve] de 2018 seja a maior", analisa líder autônomo Aldacir Cadore.

Desde 2019, Cadore se posicionou contra uma greve em todos os chamamentos. Agora, ele se coloca na condição de neutralidade. "Nessa, eu não serei contra. Eu não vou participar, mas também não serei contra nem farei nada para que não ocorra uma greve, concordo com mais da metade da pauta. A situação está insustentável", desabafa.

O pensamento é partilhado por outro líder autônomo, Janderson Maçaneiro, o "Patrola". "Quem estoura a boiada não são os bois e sim as cobras ou lobos. E hoje, infelizmente, tem muita cobra e lobo e a situação está muito favorável para um estouro", explica. "Estou neutro por entender a necessidade de fazer alguma coisa para minimizar os impactos para nossa categoria", complementa.

Alguns fatores contribuem para estimular o movimento grevista da categoria. A começar pela reivindicação do cumprimento do piso mínimo do frete, previsto pela lei nº 13.703/2018. "Até pelo fato da ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres] ter abandonado o piso mínimo. Acabou o contrato que preparava os estudos e o governo não renovou", afirma Cadore.

O líder autônomo faz referência às atualizações da tabela do piso mínimo de frete, feitas pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). A última atualização ocorreu em março deste ano. Cadore lembra, ainda, que a legislação prevê um "gatilho" que reajusta a tabela a cada seis meses ou quando a variação do preço do diesel for igual ou superior a 10%.

O "congelamento" da tabela está associado à espera do julgamento de ações de setores do agronegócio que pedem no Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade do piso, por entender que a legislação viola princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e da defesa do consumidor.

Quais as estratégias para assegurar a adesão à greve dos caminhoneiros

As entidades que convocaram a paralisação procuraram dar toda a segurança para os caminhoneiros que aderirem, a começar pela segurança jurídica. Segundo o presidente da Abrava, Wallace Landim – o Chorão, um dos líderes da greve de 2018 –, uma reunião na terça-feira (19) entre as entidades coordenadores definiria a pauta a ser oficiada ao STF, ao Congresso e aos ministérios do Trabalho, da Economia e da Infraestrutura.

Além da segurança jurídica para que os caminhoneiros paralisem, a categoria também comunicou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, e ministros do STF. Nas duas últimas semanas, representantes da categoria se reuniram com os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli para pedir apoio para colocar o julgamento das ações de inconstitucionalidade do piso do frete no plenário.

No STF, os representantes dos caminhoneiros disseram aos ministros não ter participado das manifestações de 7 de setembro — quem tinha o impeachment dos magistrados como uma das pautas. No governo, pediram apoio para o julgamento do piso, apesar da oposição de Tarcísio e do presidente Jair Bolsonaro à pauta.

Além de demandar a constitucionalidade do piso, a fiscalização nas rodovias pelo cumprimento da jornada de trabalho e a redução do preço do óleo diesel, os caminhoneiros também cobram outras 11 pautas. Entre essas, destacam-se: a "trava" do piso no Documento de Transporte Eletrônico (DT-e); novos pontos de parada e descanso (PPDs); e a retomada da aposentadoria diferenciada com 25 anos de contribuição na função, independentemente de idade mínima e sem a incidência do fator previdenciário.

A segurança jurídica e gerencial da condução da paralisação são alguns dos motivos apontados por caminhoneiros e representantes ao prever uma grande adesão. Outra razão é a estratégia adotada, de bloquear todas os acessos aos principais portos no país. "As outras greves não deram certo porque não conseguiram apoio para fechar todos os portos. Agora, é diferente", afirma o caminhoneiro Marcelo Paz, líder autônomo que atua na região da Baixada Santista.

Além do Porto de Santos (SP), os caminhoneiros articulam bloqueios aos portos de Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Suape (PE), Itajaí (SC) e Rio de Janeiro (RJ). Eles também esperam obstruir as regiões portuárias de Salvador e Fortaleza. A articulação feita por Chorão também promete assegurar a unificação de segmentos do setor de transporte, tanto de tanques, contêineres, carga seca e a granel.

"A gente vem trabalhando para que não aconteça [greve], ninguém quer, mas a categoria está unificada e deliberou por isso. Demos 15 dias para o governo se manifestar e ver se faz algo de concreto para nós", diz o presidente da Abrava. "Até alguns que são de direita e não abrem mão de apoiar Bolsonaro em 2022 vão participar por falta de condições de manter a família e o caminhão", complementa.

O que diz a ala contrária à greve dos caminhoneiros

A ala contrária à paralisação entende que a convocação prevê pautas que não atendem, de fato, aos interesses do caminhoneiro autônomo, como a redução do preço do óleo diesel pela revisão da política de preços da Petrobras, o que mexeria, inclusive, no preço da gasolina. A leitura feita por esse grupo é que a agenda está contaminada pelos interesses de outros segmentos e empresas do setor de transporte.

Os caminhoneiros contrários à mudança da política de preços da Petrobras entendem que propostas sugeridas pela ala grevista – como a substituição da política de preço de paridade de importação (PPI), atualmente em vigor, pelo preço de paridade de exportação (PPE) – assustariam os investidores e agitariam o mercado. O temor é que o resultado disso eleve mais a cotação do dólar e, por consequência, o preço do diesel na bomba.

Outra questão apontada pelos caminhoneiros contrários à greve é o fato de a CNTTL – uma das entidades que coordenam a paralisação – ser associada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), que, por sua vez, é ligada ao PT. Os opositores à paralisação são, em grande maioria, trabalhadores identificados com a direita política e apoiadores de Bolsonaro e do governo.

Por motivos como esses, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), entidade máxima de representação dos caminhoneiros que trabalham por conta própria, não apoia a convocação de greve por "grupos isolados e indivíduos com projeções pessoais e políticas". A entidade defende uma "pauta consistente" para a categoria.

O piso do frete, por exemplo, não é uma pauta defendida pela ala que se opõe à greve. "Eles brigam por algo que nunca beneficiou o caminhoneiro. Caminhoneiro tem que brigar por frete, planilha de custos, mas dentro de um conceito de livre mercado", sustenta o caminhoneiro autônomo Odilon Fonseca, um dos líderes da paralisação que obstruiu trechos em rodovias do país na semana do feriado da Independência, em setembro.

Fonseca, que acredita ser "zero" a chance de uma greve, é favorável a reajustar o preço do frete com medidas que equilibrem a oferta e demanda, como o cumprimento da jornada de trabalho e o boicote a fretes com valor baixo.

"Se tiver uma lei de piso mínimo, as empresas sempre vão botar o piso e vão bater no peito e falar que estão dentro da lei. Como você vai regular a lucratividade se toma prejuízo e continua carregando o caminhão?", diz. "Estou parado desde setembro. Quanto mais insistirmos em ganhar pouco, mais estaremos depreciando nossa própria ferramenta de trabalho [caminhão]", complementou.

Os caminhoneiros favoráveis à greve, como Marcelinho Paz, rebatem a leitura de Fonseca e defendem o piso por entender que o boicote a preços baixos de frete não se aplica aos trabalhadores que atuam com transporte de longa distância. Neutro, o líder Aldacir Cadore concorda. "Para quem vive de viagem longa faz sentido, sim [reivindicar a constitucionalidade do piso]", diz.

O que o governo pensa sobre a convocação para greve dos caminhoneiros

O governo acompanha a mobilização dos caminhoneiros e acredita que ela não levará a uma greve nacional, apurou a Gazeta do Povo. Bolsonaro, entretanto, fez um aceno à categoria em cerimônia de lançamento da Jornada das Águas em São Roque de Minas (MG), na segunda-feira (18).

"Se Deus quiser, nós resolveremos, nesta semana, a questão do auxílio emergencial, como também devemos resolver, nesta semana, a questão do preço do diesel", afirmou.

Alguns líderes, sobretudo os contrários, imaginam que as estratégias de "contra-ataque" do Executivo vão reduzir a adesão à paralisação. "Acredito que vamos ver um movimento suprimido exemplarmente pelo governo desta vez. Eles estão muito tranquilos", diz um líder caminhoneiro. "O governo não vai tolerar a CUT e a esquerda permeando os caminhoneiros", acrescenta o transportador autônomo.

Algumas lideranças ressaltam que, na paralisação da semana de 7 de setembro, mesmo os caminhoneiros favoráveis a Bolsonaro foram autuados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF). "Imagina o que o governo não fará com esses contrários que pararem a partir de 1º de novembro", sustenta um líder.

A ideia dos caminhoneiros, contudo, é não fechar rodovias. A orientação transmitida à categoria é que os caminhoneiros que estiverem em casa permaneçam e aqueles que estiverem em trabalho, nas estradas, se manifestem nos postos. "A orientação é não travar pista e fazer nada igual em 2018", destaca o líder autônomo Marcelo Paz. Caso bloqueios ocorram, ele fala que a orientação é liberar para veículos de passagem e cargas com insumos hospitalares.

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