Um levantamento realizado no final de julho pelo site MoneYou revelou que o Brasil tem a terceira maior taxa real de juros do mundo, atrás apenas de Turquia e Rússia. A Selic, em 10,5% ao ano, corresponde a um juro de 7,36% ao ano quando descontada a inflação.
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que o "caminho do bem" para o Brasil alcançar juros mais "civilizados" é árduo e longo. Exige um controle maior da inflação, adoção de medidas que contribuam para a redução do risco-país, ampliação da capacidade de poupança e a promoção de reformas estruturais, que ajudem a controlar os gastos públicos.
Nossos juros reais são muito superiores aos de países da América do Sul como Colômbia e Chile. No fim de julho, a taxa colombiana era de 1,74% ao ano, enquanto a chilena e era de 0,59%, apenas ligeiramente acima das taxas de Alemanha e Coreia do Sul.
Allan Augusto Gallo Antonio, professor de Economia e Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica (CMLE), destaca que os juros elevados têm grandes reflexos na economia: encarecem os financiamentos, tornando mais difícil para empresas e famílias acessarem recursos para investimentos e consumo.
Isso cria um efeito em cascata, em que empresas são desencorajadas a investir em novos projetos e na expansão de negócios, afetando o crescimento econômico e dificultando a geração de empregos. Esse desestímulo ao crescimento da produção leva a limites na oferta de produtos e serviços, o que pode realimentar a inflação mais adiante.
Ahmed El Khatib, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), acrescenta que outro efeito é o direcionamento de recursos para o Tesouro Direto, em detrimento do mercado de ações (renda variável), muito utilizado pelas empresas para se financiarem. “Isso acende um sinal de alerta”, afirma.
País precisa de reformas estruturais para controlar os gastos públicos
Uma das principais demandas para o Brasil alcançar juros mais baixos é a realização de reformas estruturais. “Há uma grande incerteza em relação à capacidade do governo de controlar as finanças públicas, o que acaba aumentando a percepção de risco por parte dos investidores”, diz El Khatib.
Samuel Pessôa, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), afirma que o Brasil não consegue sustentar um endividamento público elevado, resultante dos sucessivos déficits nas contas públicas.
Dados do Banco Central mostram que, em junho, a dívida do setor público consolidado (incluindo União, estados e municípios) era de 77,8% do PIB, a maior desde novembro de 2021. As expectativas do mercado financeiro, sinalizadas pelo boletim Focus, indicam que o endividamento poderá atingir 90,6% do PIB em 2032.
De acordo com o professor do Mackenzie, é necessário um controle rigoroso dos gastos, além de cortes de privilégios e reformas previdenciária e tributária que tragam sustentabilidade fiscal e eficiência à economia.
“É exatamente o oposto do que temos observado na reforma tributária, que prevê um período de transição sombrio entre o modelo atual e o aprovado, além de representar a essência do arranjo político brasileiro ao contemplar inúmeras exceções, ‘puxadinhos’ e negociações em benefício de grupos de interesse específicos”, critica.
Relatório da Instituição Fiscal Independente (IFI), divulgado na segunda metade de julho, revela que o déficit nas contas públicas é influenciado pelo crescimento maior das despesas em comparação à arrecadação. Só no primeiro semestre, as despesas tiveram um incremento real de 10,9%.
“O aumento das despesas ocorre principalmente nos gastos obrigatórios e de caráter continuado, como os benefícios previdenciários, auxílios, e despesas vinculadas às áreas de saúde e educação”, explica Alexandre Andrade, diretor da IFI.
Estudo do Banco Mundial aponta que, se as regras não forem revistas, a idade mínima para aposentadoria dos brasileiros terá de chegar a 72 anos em 2040 e 78 anos em 2060.
A taxa de dependência, que é a proporção de pessoas com mais de 65 anos em relação àquelas que têm entre 20 e 64 anos, era de 14,9% em 2020, um ano após a reforma da Previdência. A previsão é que essa taxa dobre em 23 anos.
O impacto das contas públicas sobre os juros estará na agenda de discussões da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), em evento que integra a comemoração dos 80 anos da entidade, no dia 15 de agosto, em Curitiba, e que conta o apoio da Gazeta do Povo.
A mesa-redonda contará com a participação do presidente do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Jorge Gerdau, do economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, e do ex-presidente Michel Temer.
Brasil precisa de estabilidade política e econômica para reduzir juros
Outro fator que contribui para a alta taxa de juros no Brasil é o elevado risco-país. Na quinta-feira (8), a taxa estava em 170,9 pontos, um aumento de 12,7% em relação ao fim do mês anterior, segundo o portal Investing.com. Países da América Latina como o México apresentam taxas menores: 125,75 pontos.
O professor do Mackenzie aponta que o risco-país é alimentado pela instabilidade política e econômica, o que dificulta os investimentos estrangeiros no país. “Isso exige um prêmio maior, refletindo-se em juros mais altos. O Brasil precisa superar o ciclo de descontinuidade política, onde cada novo governo desfaz as políticas do anterior”, destaca.
O investimento direto no país (IDP), indicador que mensura os recursos aplicados por empresas estrangeiras no setor produtivo brasileiro, correspondeu a 3,15% do PIB em um ano, segundo dados de junho. É pouco abaixo dos 3,29% do PIB registrados no mesmo período de 2023.
O investimento em carteira, em ativos financeiros, tem situação pior. Dados do BC mostram que, nos 12 meses encerrados em junho, houve uma entrada líquida de US$ 45 milhões. No período anterior, encerrado em junho de 2023, a entrada foi de US$ 13,1 bilhões.
Antonio destaca a importância de estabelecer políticas de Estado que transcendam governos. “Além disso, manter uma posição de neutralidade internacional, sem alinhamentos automáticos, é crucial para a estabilidade política. Respeitar instituições e legislações internacionais, assim como compromissos com o Estado de Direito, democracia, direitos humanos e proteção ambiental, fortalece a posição do Brasil no cenário global e reduz incertezas políticas, criando um ambiente mais favorável para o desenvolvimento econômico sustentável”, acrescenta.
A melhoria do ambiente de negócios é outra área que necessita de atenção. Simplificar o sistema tributário, desburocratizar processos e reduzir a insegurança jurídica são medidas cruciais para atrair e facilitar investimentos, ressaltam os especialistas.
“Memória inflacionária” precisa ser combatida
Mesmo após 30 anos do fim da hiperinflação no Brasil, com a adoção do real como moeda, ainda persiste uma "memória inflacionária", aponta o professor do Mackenzie. Ela resulta de um longo convívio com a alta nos preços. A chamada indexação, embora menor que há três décadas, persiste: muita coisa ainda é reajustada automaticamente pela inflação passada. Tudo isso obriga o BC a adotar uma política monetária conservadora.
A inflação brasileira nos últimos 20 anos foi maior do que a de outras economias latino-americanas. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostram que, entre 2004 e 2023, os preços ao consumidor aumentaram 203,8% no Brasil. No Chile, essa elevação foi de 117,4%; na Colômbia, 159,1%; no México, 138,3%; e no Peru, 90,2%.
Pessôa ressalta que, em um cenário de inflação mais elevada, os riscos de um país são amplificados devido à menor estabilidade econômica.
Antonio enfatiza que a consistência na política de combate à inflação é outro pilar fundamental para alcançar baixas taxas de juros. Isso requer o fortalecimento da credibilidade do Banco Central e a manutenção de políticas firmes de controle da alta nos preços. “São passos necessários para estabilizar a economia, em contraste com abordagens críticas como a do presidente Lula”, afirma.
Analistas destacam que um caminho importante é evitar interferências indevidas na autonomia do Banco Central. Ataques à política monetária e ao arcabouço que regulamenta a instituição são frequentes por parte de Lula e seus aliados, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
Um momento decisivo será o posicionamento da diretoria da autoridade monetária a partir de janeiro, quando a maioria dos membros será formada por indicados pelo atual mandatário. Um dos nomes que será substituído é o do atual presidente, Roberto Campos Neto.
“Sem um compromisso claro com a institucionalidade e com a responsabilidade fiscal, qualquer Banco Central, por mais competente que seja, continuará enfrentando a necessidade de manter a taxa de juros elevada para conter a inflação. Nesse cenário, fica a sensação de que o remédio parou na garganta”, observa o professor do Mackenzie.
Estimular poupança interna pode ajudar na queda dos juros
Um fator estrutural que também dificulta a queda da taxa de juros no Brasil é a baixa taxa de poupança, afirmam especialistas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no primeiro trimestre, a poupança correspondeu a 16,2% do PIB, a menor taxa para o período desde 2020.
No ano passado, de acordo com o FMI, a poupança brasileira em relação ao PIB foi inferior à de países como Chile, México e Peru, e próxima à da Argentina, um país que enfrenta uma inflação muito mais elevada e que, em seis dos últimos dez anos, viu seu PIB encolher.
“Incentivar a poupança doméstica reduz a dependência de capital estrangeiro e fortalece a base financeira do país. Políticas como as preferidas pelo governo petista, que priorizam o estímulo ao consumo imediato por meio do aumento do crédito, podem ser contraproducentes, criando uma falsa sensação de prosperidade econômica baseada em fundamentos frágeis”, alerta Antonio.
A falta de poupança por parte do setor público contribui para a maior necessidade de recorrer a recursos externos, diz Pessôa, Com exceção de um curto período entre dezembro de 2021 e abril de 2023, desde novembro de 2014, o Brasil vem registrando déficits primários (despesas inferiores à arrecadação, excluídos os juros da dívida) no acumulado em 12 meses.
“O problema da poupança só será resolvido com reformas estruturais”, afirma. Segundo ele, é necessário enfrentar questões como a baixa progressividade do sistema tributário brasileiro e a indexação do salário mínimo ao PIB.
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