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Uma aplicação da startup de IA Cogito "escuta" o que o atendente da MetLife fala ao clientes e sugere mudanças em tempo real.
Uma aplicação da startup de IA Cogito “escuta” o que o atendente da MetLife fala ao clientes e sugere mudanças em tempo real.| Foto: Tony Luong/The New York Times

Quando Conor Sprouls, um representante de atendimento ao cliente no call center da gigante de seguros MetLife, fala com um cliente pelo telefone, fica de olho no canto inferior direito de sua tela. Lá, em uma caixinha azul, a inteligência artificial diz como ele está se saindo:

  • Falando rápido demais? O programa pisca o ícone de um velocímetro, indicando que ele deveria diminuir a velocidade.
  • Falando com voz de sono? O software exibe uma "sugestão de energia", com uma foto de uma xícara de café.
  • Não está mostrando empatia suficiente? Um ícone de coração aparece.

Durante décadas, as pessoas imaginaram terríveis exércitos de robôs hipereficientes invadindo escritórios e fábricas, ocupando empregos que antes eram feitos por humanos. Mas, preocupados com a possibilidade de que a inteligência artificial substitua os trabalhadores comuns, talvez tenhamos esquecido a possibilidade de que ela também substitua os patrões. E é isso que está acontecendo em empresas como a MetLife.

Sprouls e os outros funcionários do call center em seu escritório em Warwick, Rhode Island, nos Estados Unidos, ainda têm muitos supervisores humanos. Mas o software na tela deles – feito pela Cogito, uma empresa de inteligência artificial em Boston – tornou-se uma espécie de gerente adjunto, sempre a observá-los. Ao fim de cada chamada, as notificações do Cogito a Sprouls são contadas e adicionadas a um painel de estatísticas que seu supervisor pode visualizar. Se ele esconder a janela do Cogito, minimizando-a, o programa notifica seu supervisor.

O Cogito é um dos vários programas de inteligência artificial usados em call centers e outros locais de trabalho. O objetivo, de acordo com Joshua Feast, executivo-chefe da Cogito, é tornar os funcionários mais eficazes, dando feedback em tempo real.

"Há variabilidade no desempenho humano. Podemos deduzir, pela maneira como as pessoas estão falando umas com as outras, se as coisas estão indo bem ou não", disse Feast.

O objetivo da automação sempre foi a eficiência, mas, nesse novo tipo de local de trabalho, a inteligência artificial vê a própria humanidade como a coisa a ser otimizada. A Amazon usa algoritmos complexos para rastrear a produtividade dos funcionários em seus centros de atendimento e pode gerar automaticamente a documentação para demitir empregados que não atingem suas metas, como o The Verge mostrou este ano – a Amazon contestou que demite trabalhadores sem a participação humana, dizendo que os gerentes podem intervir no processo.

A IBM usou o Watson, sua plataforma de inteligência artificial, durante as avaliações de funcionários para prever o desempenho futuro e afirma ter uma taxa de precisão de 96%.

E há as startups. A Cogito, que trabalha com grandes companhias de seguros, como a MetLife e a Humana, além de empresas financeiras e varejistas, diz que possui 20 mil usuários. A Percolata, uma empresa do Vale do Silício que conta com a Uniqlo e a 7-Eleven entre seus clientes, usa sensores internos para calcular uma pontuação de "produtividade real" para cada trabalhador e classifica os trabalhadores dos mais aos menos produtivos.

O gerenciamento por algoritmo não é um conceito novo. No início do século 20, Frederick Winslow Taylor revolucionou o mundo da manufatura com sua teoria do "gerenciamento científico", que tentava eliminar a ineficiência das fábricas, calculando e medindo cada aspecto de um trabalho. Mais recentemente, Uber, Lyft e outras plataformas sob demanda ganharam bilhões de dólares terceirizando tarefas convencionais de recursos humanos – agendamento, folha de pagamento, avaliações de desempenho – para computadores.

Uso de algoritmos para tarefas gerenciais é polêmico

Mas usar a inteligência artificial para gerenciar os trabalhadores em empregos convencionais, das 9h às 17h, é algo mais polêmico. Os críticos acusam as empresas de usar algoritmos para tarefas gerenciais, alegando que sistemas automatizados podem desumanizar e punir injustamente os funcionários. E, apesar de ser claro por que os executivos querem uma inteligência artificial que possa rastrear seus trabalhadores, fica menos claro por que estes iriam querer isso.

"É surreal pensar que qualquer empresa poderia demitir seus próprios funcionários sem haver nenhum envolvimento humano", disse Marc Perrone, presidente da United Food and Commercial Workers International Union, sindicato que representa os trabalhadores de varejo e alimentos, em comunicado sobre a Amazon em abril.

Na economia freelancer, o gerenciamento por algoritmo também tem sido uma fonte de tensão entre os trabalhadores e as plataformas que os conectam com os clientes. Este ano, os motoristas da Postmates, DoorDash e outras empresas de entrega sob demanda protestaram contra um método de cálculo do pagamento, usando um algoritmo, que colocava as gorjetas dos clientes dentro dos salários mínimos garantidos – uma prática quase invisível para os motoristas, graças à maneira como a plataforma esconde os detalhes do salário do trabalhador.

Não houve protestos no call center da MetLife. Em vez disso, os funcionários com quem falei pareciam ver o software da Cogito como um aborrecimento leve, na pior das hipóteses. Vários disseram que gostavam de receber notificações pop-up durante suas chamadas, embora alguns tenham dito que se esforçaram para descobrir como fazer com que a notificação de "empatia" parasse de aparecer. (A Cogito diz que a inteligência artificial analisa sutis diferenças de tom entre o trabalhador e o cliente e encoraja o funcionário a tentar espelhar o humor do cliente.)

A MetLife, que usa o software com 1.500 funcionários de call center, diz que o uso do aplicativo aumentou a satisfação do cliente em 13%.

"Ele realmente muda o comportamento das pessoas sem que elas percebam. Torna-se uma interação mais humana", disse Christopher Smith, chefe de operações globais da MetLife.

Ainda assim, há um ar de ficção científica assustador nessa situação em que a inteligência artificial vigia os trabalhadores humanos e diz a eles como se relacionar com outros humanos. E é uma reminiscência da tendência de "gamificação do local de trabalho" que varreu a América corporativa há uma década, quando as empresas usavam truques psicológicos tirados de videogames, como distintivos e quadros de líderes, para tentar estimular os trabalhadores a melhorar o desempenho.

Phil Libin, diretor executivo da All Turtles, um estúdio de inteligência artificial em San Francisco, recuou horrorizado quando contei a ele sobre minha visita ao call center.

"É uma visão infernal distópica. Por que alguém iria querer construir um mundo onde você está sendo julgado pela caixa preta de um computador opaco?", perguntou Libin

Os defensores da inteligência artificial no local de trabalho poderiam argumentar que esses sistemas não têm o objetivo de ser autoritários. Em vez disso, seu objetivo é melhorar os trabalhadores, lembrando-os de agradecer ao cliente, ter empatia com o reclamante frustrado da Linha 1 ou evitar a negligência no trabalho.

O melhor argumento para a inteligência artificial no local de trabalho podem ser situações em que o preconceito humano distorça a tomada de decisões, como na contratação. A Pymetrics, uma startup de Nova York, fez incursões no mundo das contratações corporativas, substituindo o tradicional processo de seleção de currículos por um programa de inteligência artificial que usa uma série de jogos para testar habilidades relevantes. Os algoritmos são então analisados para garantir que não estejam gerando resultados tendenciosos de contratação ou favorecendo um grupo em detrimento de outro.

"Podemos ajustar dados e algoritmos até chegarmos a remover o viés. Não podemos fazer isso com um ser humano", disse Frida Polli, executiva-chefe da Pymetrics.

Usar a inteligência artificial para corrigir preconceitos humanos é uma coisa boa. Mas, à medida que mais inteligência artificial entra no local de trabalho, os executivos terão de resistir à tentação de usá-la para aumentar o controle sobre seus trabalhadores e submetê-los a vigilância e análise constantes. Se isso acontecer, não serão os robôs que realizarão uma revolta.

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