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| Foto: bm/mpb/Bryan Mitchell

Na última semana, o setor automobilístico brasileiro ganhou um novo regime de metas e incentivos para os próximos 15 anos. Entre uma série de medidas, a principal novidade do Rota 2030 é a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos elétricos e híbridos, do teto de 25% para até 7%. Mas isso será suficiente para fazer o carro elétrico deslanchar e ganhar as ruas do país?

Pelo menos no curto e médio prazo não será tão acessível assim ter um carro elétrico na garagem de casa. Porém, os especialistas concordam que o benefício do IPI somado a uma regulamentação recente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre o serviço de recarga de veículos elétricos abre as portas do mercado para os veículos híbridos e elétricos no país.

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“A redução do imposto tira, em parte, a nossa principal barreira que era tributária. Pagando entre 7% e 20% temos mais condições de competir com um carro à combustão. Reduziu o primeiro gargalo”, diz Adalberto Maluf, diretor de marketing, sustentabilidade e novos negócios da BYD do Brasil e diretor da área de veículos pesados da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE).

Na prática, é o sinal que as empresas precisavam para começar a investir no setor com alguma segurança, avalia Ricardo Takahira, membro da Comissão Técnica de Veículos Elétricos e Híbridos da SAE BRASIL (Sociedade de Engenheiros da Mobilidade). “A indústria precisa da segurança para trazer a tecnologia e, no segundo momento, investir na nacionalização”.

Mas outras barreiras precisam ser vencidas. Maluf lembra, por exemplo, que os veículos elétricos pagam mais ICMS (18%) que os veículos a combustão, geralmente beneficiados por leis estaduais que reduzem a base de cálculo do imposto. Em São Paulo e nos estados do Sul a alíquota é de 12%, enquanto alguns estados do Nordeste cobram 7% de ICMS. “Taxistas têm isenção de ICMS para carros elétricos, mas a lei diz que o carro tem que ser fabricado no Brasil. Aí fica difícil”, diz.

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Com exceção de algumas iniciativas no setor de veículos elétricos pesados, como os ônibus híbridos e elétricos da sueca Volvo, da chinesa BYD e da brasileira Eletra, todos os veículos elétricos de passeio que circulam por aqui são importados (desde 2015, o imposto de importação para veículos elétricos é zerado). Para deslanchar, a produção local precisa ser viável, ou seja, dependendo do modelo e do preço, precisa de um número determinado de unidades vendidas para viabilizar a produção e pagar o investimento das empresas.

“Qual é esse número mágico que vai fazer com que uma montadora saia do modelo tradicional de veículo para um elétrico?”, questiona Takahira. Segundo Maluf, da ABVE, em geral, a produção começa a se viabilizar a partir de 10 mil a 15 mil unidades vendidas ao ano. Mas a demanda também precisa ser estimulada, e o caminho mais fácil são os incentivos governamentais, como a redução do IPI.

Não cabe no bolso

O preço dos veículos elétricos já caiu, mas ainda é o grande empecilho. Tanto nos híbridos quanto nos elétricos, o valor alto dos modelos ainda é um impeditivo para qualquer consumidor comum. Além da carga de impostos (IPI, ICMS, PIS/Cofins), a principal pressão é o preço da bateria, que ainda não caiu na velocidade esperada pelo mercado.

Estudo da Bloomberg New Energy Finance (BNEF) indica que o custo das baterias de íon-lítio já caiu cerca de 80% desde 2010, chegando, em 2017, a um preço médio de 208 dólares por quilowatt/hora, valor que ainda espreme as margens de lucro e representa cerca de dois quintos dos custos totais de um veículo elétrico. A projeção é de que o preço fique em US$ 70 quilowatt/hora até 2030, valor em que as baterias se tornam financeiramente viáveis.

“Quando o valor das baterias ficar abaixo de US$ 200 quilowatt/hora vai fazer sentido para quem roda menos de 50 quilômetros diários. Hoje, por exemplo, um carro elétrico só é viável financeiramente para quem roda mais de 150 quilômetros por dia”, segundo o diretor da ABVE.

A BYD, fabricante de ônibus elétricos em Campinas (SP), vende três modelos de veículos elétricos importados no Brasil: o sedã e5, a minivan e6 e o furgão leve T3. O custo dos veículos varia de R$ 180 mil a R$ 220 mil. Com a redução do IPI, cuja alíquota vai variar de acordo com a eficiência energética e o peso do veículo, Maluf estima uma queda de 15% no preço.

Fontes dizem, por exemplo, que um modelo como o Zoe da Renault, que hoje seria importado por cerca de R$ 180 mil, chegaria aqui por volta de R$ 100 mil, bem acima do valor de um carro popular. Em países como a França, o Zoe é vendido a preço semelhante a carros de entrada.

É por isso que tanto Takahira quanto Maluf acreditam que a popularização dos elétricos e híbridos no Brasil não se dará por meio do consumidor pessoa física. “A primeira oportunidade de massificação dos veículos híbridos e elétricos no Brasil, a meu ver, não está no consumidor pessoa física, mas em serviços de frotas de veículo. Isso sim pode fazer com que o volume mínimo esperado seja atingido mais rápido, alavancando as vendas e reduzindo o preço para o consumidor comum”.

Híbridos e elétricos somam menos de 10 mil unidade no país

Hoje, a experiência dos consumidores brasileiros com carros híbridos e elétricos está restrita a alguns poucos modelos importados, nenhum deles na categoria popular. Segundo a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), desde 2012 foram emplacados no Brasil apenas 8.640 veículos híbridos e elétricos, de um universo de 41,2 milhões de veículos de passeio que circulam nas ruas do país. O único modelo 100% elétrico vendido no Brasil é o importado i3, da BMW, que custa cerca de R$ 160 mil.

No time dos modelos híbridos vendidos aqui, a Ford vende o Fusion e a Toyota comercializa o Prius, desde 2016. Com preços a partir dos R$ 126 mil, o modelo da montadora japonesa alcançou em 2017 a marca de 2.405 unidades vendidas, a melhor desde a sua estreia. No segundo semestre deste ano deve chegar ao Brasil o Prius Flex, um sistema desenvolvido especialmente para o mercado brasileiro.

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A Nissan já fez testes com o Leaf, o carro elétrico mais vendido no mundo. Antes mesmo do Rota 2030, a montadora já havia anunciado que a partir de 2019 iria vendê-lo no Brasil. No ano passado, a Nissan lançou a segunda geração do Leaf, no Japão, e agora em 2018 começou a vender este novo carro na Europa e nos Estados Unidos. E é esta nova geração que virá para o Brasil no ano que vem. Nas lojas norte-americanas, o Leaf não sai por menos de US$ 30 mil (R$ 94.500).

A Chevrolet também já testou no Brasil o seu hacth elétrico Bolt, e poderia trazê-lo definitivamente ao país. Nos Estados Unidos, os valores partem dos US$ 38 mil (cerca de R$ 120 mil). A Volkswagen também cogitou importar o Golf GT-E e o e-Golf. A Renault, por exemplo, tem o Twizy e o Zoe, que rodam em Curitiba e outras cidades do país. A vinda para o Brasil de uma versão eletrificada do compacto Kwid, por exemplo, poderia dar ao mercado o primeiro elétrico popular, mas não há nada confirmado por enquanto.

Quanto mais subsídio, mais carros elétricos nas ruas

Nos países onde o carro elétrico está avançando, os incentivos são altos. Na China, mercado que mais cresce atualmente, o governo banca entre um terço e metade dos preços dos carros elétricos. O país oferece subsídios federais, estaduais e municipais para limpar a sua frota. Na Alemanha, por exemplo, desde 2016 os compradores recebem um subsídio de 4 mil euros (cerca de R$ 18 mil) para a compra do carro elétrico. Ao todo, são 1,2 bilhão de euros de subsídios oferecidos pelo o governo e indústria automobilística para a compra de veículos elétricos com preços abaixo de 60 mil euros até 2020. Na Holanda, os veículos elétricos são isentos de imposto. Além de subsídios e isenções fiscais, a Noruega oferece estacionamento mais barato, faixas exclusivas e até isenção em pedágios rodoviários.

Mesmo assim, apesar de todos os incentivos aos veículos elétricos na Europa, esses modelos responderam por apenas 1,5% das vendas totais de automóveis novos em 2017, segundo levantamento de junho da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA , na sigla em inglês). A venda de híbridos, por sua vez, avançou 2,9% em 2017.

Nos últimos quatro anos, entre 2014 e 2017, a participação dos carros elétricos no mercado europeu cresceu menos de um ponto percentual (0,9) principalmente em países que têm um PIB maior: 85% de todos os carros carregados eletricamente são vendidos em apenas seis países da Europa Ocidental com alguns dos maiores PIBs per capita: Noruega, Suécia, Holanda, Bélgica, Suíça e Áustria. A Noruega é a grande campeã: em 2017, as vendas de carros elétricos e híbridos ultrapassaram as daqueles movidos a combustíveis fósseis no país.

De acordo com o estudo da ACEA, a aceitação depende de fatores que vão muito além do controle dos fabricantes. Em outras palavras, o produto final sozinho – não importa quão bom ele seja – não é suficiente para criar demanda, Uma série de fatores, entre eles preço e infraestrutura, precisam andar juntos. No ritmo atual, a participação de mercado dos elétricos na Europa seria de 3,9% até 2025 e de 5,4% até 2030.

O Brasil, por sua vez, tem condições de criar um modelo próprio adequado à realidade da nossa matriz energética, assim como fez o Japão com o hidrogênio, defende Takahira. “Como transição e como política energética, os híbridos podem funcionar num primeiro momento, com a opção de uso do etanol. Puro elétrico vai demorar um pouco e vai requerer investimentos maiores, para desenvolver toda a cadeia”, diz.

Pontapé para uma rede de eletropostos no país

A infraestrutura que vai permitir a circulação de carros elétricos é outro desafio para esse mercado no Brasil. Neste ponto, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) publicou no último dia 5 de julho uma nova resolução normativa (número 819) sobre o serviço de recarga de veículos elétricos que abre as portas para novos investimentos nesta área. A resolução da agência permite, por exemplo, que qualquer pessoa interessada preste o serviço de recarga com preços livremente negociados. Ainda neste ano, em outubro, a Aneel vai divulgar mais informações.

As distribuidoras de energia, postos de combustíveis, shopping centers ou outros empreendedores podem instalar estações de recarga em sua área de atuação e cobrar pelo serviço.Uma das iniciativas recentes é a parceria entre a Copel e a Itaipu Binacional para construir o que deve ser a primeira eletrovia do país, um sistema com oito eletropostos em diferentes pontos da BR-277, ligando os cerca de 700 quilômetros entre Paranaguá, no Litoral, e Foz do Iguaçu, no Oeste do Paraná.

A infraestrutura é uma grande desafio até mesmo na Europa. Hoje, existem cerca de 100 mil pontos de carregamento para veículos elétricos na União Europeia, mas 76% estão concentrados em apenas quatro países – Holanda (28%), Alemanha (22%), França (14%) e Reino Unido (12%) – que cobrem apenas 27% do território da União Europeia. Pelo menos dois milhões serão necessários até 2025, estima o levantamento da ACEA.

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