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Anúncio do envio da reforma administrativa ao Congresso, nesta terça-feira (1), animou o mercado financeiro.
Anúncio do envio da reforma administrativa ao Congresso, nesta terça-feira (1), animou o mercado financeiro.| Foto: Marcos Corrêa/PR

Em uma semana sem expectativa de grandes novidades na agenda econômica — as divulgações do Orçamento para 2021, da prorrogação do auxílio emergencial e da queda do PIB já eram esperadas —, o governo tirou uma carta da manga e surpreendeu o mercado. O anúncio do encaminhamento da reforma administrativa ainda nessa semana agradou. Os efeitos imediatos foram bolsa de valores subindo e dólar caindo, além da expectativa gerada para a apresentação da proposta na quinta-feira (3).

Longe de ser um movimento de euforia, o anúncio da reforma administrativa foi entendido como uma “trégua” entre o Planalto e a equipe econômica. O presidente Jair Bolsonaro cedeu e aceitou enviar o projeto esse ano – em junho, ele havia declarado que a proposta ficaria para o ano que vem por não haver “timing político”. O ministro Paulo Guedes também recuou e topou ampliar o gasto público neste ano prorrogando o auxílio emergencial em mais quatro parcelas de R$ 300 – inicialmente, a equipe econômica defendia um valor menor para essa extensão do benefício.

A questão é simples: o governo não pode “queimar” essa carta apresentando uma proposta ruim de mudança nas regras para os futuros servidores, sob pena de perder ainda mais crédito com o mercado. E a reforma será mais enxuta, uma vez que só vai afetar os próximos concursos, sem alterações nas carreiras de quem já está no serviço público, o que diminui o impacto fiscal da medida.

Depois de um mês de agosto tumultuado, em que baixas na equipe de Guedes e sinalizações dúbias do Executivo e Legislativo em relação ao compromisso com a responsabilidade fiscal azedaram o humor dos investidores, a retomada da agenda reformista mudou os ânimos.

No acumulado de agosto, o Ibovespa fechou o mês com queda de 3,44%, revertendo uma sequência de quatro meses consecutivos de alta. Na segunda-feira (31), o pregão teve queda de 2,72%, maior recuo diário desde 30 de abril, e a B3 ficou abaixo do patamar dos 100 mil pontos. Para analistas, esse resultado foi uma resposta ao projeto de Orçamento, que não comporta o aumento de gastos calculado para fazer o Renda Brasil do jeito sonhado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Mas, nesta terça-feira (1º) inverteu a chave. A bolsa não só recuperou a queda de ontem como avançou e fechou o pregão com alta de 2,82%, subindo para o patamar de pouco mais de 102 mil pontos. O dólar, por sua vez, caiu 1,75% e fechou o dia vendido a R$ 5,38, menor valor em três semanas.

Anúncio da reforma administrativa surpreendeu

O mercado já esperava a divulgação de um resultado ruim do PIB nesta terça e a queda de 9,7% no segundo trimestre estava dentro do intervalo projetado por muitos economistas. Ainda assim, esse é o tipo de notícia que tem um impacto ruim quando é anunciada e desanima os investidores. “Nada melhor do que num dia de anúncio de PIB recessivo, soltar uma reforma que todo mundo está esperando”, diz Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos.

Na avaliação dele, o governo teve muito ruído de comunicação ao longo de agosto e o anúncio da reforma administrativa soa como uma bandeira de paz entre Bolsonaro e Paulo Guedes, na sequência de um dia ruim para o mercado. “Tem uma tentativa de mensagem que é o seguinte: ‘estou arrumando a minha casa e estamos alinhados’ e o xeque-mate é a reforma administrativa. Para os investidores, isso é visto com excelentes olhos, porque o ministro voltou a ter voz ativa”, analisa.

A sinalização de que está disposto a mexer nas regras do funcionalismo faz parte de um processo dinâmico, na visão de Fábio Klein, analista de contas públicas da Tendências Consultoria. Para ele, a debandada da equipe de Guedes — um dos secretários que pediu demissão, Paulo Uebel, saiu insatisfeito com a morosidade do governo em relação à reforma administrativa —, acendeu um alerta.

“Até então, o governo estava quieto sobre como tratar o desafio fiscal pós-pandemia. No curto prazo, se entende que se justificam os auxílios governamentais em vários aspectos, com aumento de gastos. Mas você está construindo um desafio fiscal enorme para o pós-pandemia. O governo estava quieto e os mercados, complacentes”, avalia.

Na medida em que o tempo foi avançando e as medidas de combate à pandemia foram sendo prorrogadas, houve tanto uma pressão por mais gastos públicos para este ano quanto para os próximos, como é o caso do Renda Brasil, programa que deve substituir o Bolsa Família na transferência de renda. Consultas e ideias para flexibilização do teto de gastos incomodaram o mercado e provocaram reação do governo, que defendeu, mas se contradisse nesse processo.

Mesmo o Orçamento para 2021, ainda que austero e marcado pelo arrocho fiscal, não considera contaminações dos gastos da pandemia para o próximo ano. A própria prorrogação do auxílio emergencial é um ponto de dúvida: em tese, os pagamentos devem ser finalizados em dezembro, mas dependendo da modelagem do calendário por parte da Caixa Econômica, podem se estender pelo próximo ano. Ainda em relação ao orçamento, há um descompasso entre teto, que é baixo, e piso de gastos, que é elevado, embora haja elementos que desacelerem esse avanço.

“Para manter o teto de gastos para os próximos anos, o país tem que avançar nas reformas. É a agenda que ajuda a conter as despesas e evitar o rompimento do teto. O anúncio da reforma administrativa casa com tudo isso”, avalia Klein.

O economista Fabio Astrauskas, CEO da Siegen, consultoria especializada em recuperação de empresas, também segue essa linha de análise de pressão sobre o gasto público. “O anúncio da reforma tem um efeito mais voltado para apaziguar, acalmar, um possível pessimismo do mercado em relação às perspectivas de déficit público do governo para o ano que vem”, pontua.

Para ele, são duas questões a serem feitas: a necessidade de extensão do auxílio emergencial e de onde sairá o dinheiro para bancar tudo isso. Em relação à prorrogação, para ele é pacífico que é um momento em que o governo precisa promover medidas de socorro para as camadas mais vulneráveis da população. Agora, os recursos para pagar por isso estão atrelados às discussões de reforma tributária e cumprimento de teto de gastos, já difíceis de equilibrar.

“Com a extensão do auxílio e queda do PIB, se percebeu que só a reforma tributária não será suficiente para acomodar o Orçamento do governo. Aí veio a carta que sobrou: não tem mais onde mexer e tem que fazer a reforma administrativa”, avalia.

Mudança na estrutura administrativa será cobrada

O governo passará por uma prova de fogo nas próximas semanas, na avaliação de Rodrigo Franchini, da Monte Bravo. Como já tinha divulgado a reforma tributária e agora soltou a administrativa, não tem mais nada, o que aumenta a pressão para que elas passem.

Uma vez aprovada a mudança administrativa, o governo ganha força e flexibilidade para outras mudanças, como a criação de impostos. Mas, se fraquejar, criar crises internas e não aprovar essa agenda, vai enfraquecer o ministro Paulo Guedes e repercutir no mercado – investidores tendem a desanimar e perder confiança no projeto do país.

“Se a proposta não for profunda como se espera ou se o governo não tiver força política de aprovação dentro da base, esse otimismo vai embora. Esse exagero tem que tomar cuidado: devolver uma bolsa a 94 mil pontos, em três dias de volatilidade, derruba rapidinho”, analisa.

A cobrança do mercado virá. “O governo vai ter que voltar com essa reformas e o mercado não vai deixar esquecer. Será um grande plano pra 2021, um saldo positivo para o Brasil honrar duas dívidas”, avalia Franchini.

Fabio Astrauskas, da Siegen, pondera que esse movimento especulativo de parte do mercado, com sobe e desce, vai seguir acontecendo, a depender da satisfação ou não com as propostas a serem apresentadas. Mas a preocupação maior é com 2021, porque a situação é mais complexa do ponto de vista estrutural.

“Sem reforma tributária e administrativa, vamos ter muita dificuldade de equilibrar as contas públicas e retomar uma trajetória de crescimento sólida e a retomada vai depender principalmente da geração de emprego, que o governo vai estimular no ano que vem. E não será suficiente somente a geração de emprego no setor privado”, avalia.

Nesse sentido, o economista entende que o próprio governo terá de promover políticas de geração de emprego. Por isso, uma reforma administrativa sem mexer em quem já está no serviço público será pouco eficaz. Na ponta da tributária, o fatiamento e adiamento das discussões empurram o problema para frente, mas se torna imperativo discutir a concentração de riqueza e mudar o foco de tributação do consumo para a renda.

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