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Paulo Guedes entrega proposta de reforma tributária do governo ao Congresso.
Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, com a proposta de reforma tributária do governo em mãos. À esquerda, o ministro Paulo Guedes.| Foto: Edu Andrade/ME

A participação do ministro da Economia, Paulo Guedes, na comissão mista da reforma tributária deixou evidente os desafios que o governo vai enfrentar para aprovar sua proposta no Congresso. As críticas dos parlamentares se concentram em dois pontos principais: a criação de um novo imposto sobre pagamentos, semelhante à CPMF; e o fatiamento da reforma do Executivo.

As divergências ficaram claras nas mais de cinco horas de participação de Guedes na comissão. Os conflitos mais acalorados ocorreram quando a discussão sobre a nova CPMF veio à tona. A julgar pela temperatura da reunião da comissão mista, a criação do tributo – pensado pelo governo para desonerar ao menos parte da folha de salários e até mesmo bancar outros gastos – deve ser a principal fonte de divergência com o Congresso.

No início da audiência pública, Guedes tentou se esquivar do assunto, dizendo que não falaria do novo tributo pois a proposta ainda não foi formalizada pelo governo.

"[O] imposto digital é uma coisa para conversarmos à frente. A economia é cada vez mais digital. Nós estamos estudando. As pessoas, por maldade, por ignorância, falam que isso é nova CPMF. Mas não tem problema, o tempo é senhor da razão, vamos ver lá na frente", disse o ministro.

Mas, minutos depois, ele mesmo levantou o tema, ao criticar a posição do relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), a respeito do novo tributo. Em uma live promovida pelo jornal "Valor Econômico" dois dias antes, Ribeiro havia classificado a nova CPMF como uma "tentação medieval", fazendo referência à criação de impostos para aumentar a arrecadação.

"O deputado Aguinaldo cometeu um certo excesso. Disse que [o imposto sobre pagamentos] é um imposto medieval. Parece que já existia tudo isso na Idade Média. Os bispos, os padres usavam Uber. Talvez [tenha sido] em resposta quando eu disse que o IVA [Imposto sobre Valor Agregado] é um imposto industrial criado na metade do século passado", disse Guedes.

As propostas que já tramitam no Congresso, e também a do próprio governo, contêm a criação de um tributo do tipo IVA, unificando tributos que hoje recaem sobre o consumo.

Parlamentares saem em defesa do relator da reforma tributária, e criticam nova CPMF

Como a audiência estava ocorrendo de forma virtual, o deputado Aguinaldo Ribeiro não teve direito à réplica imediatamente. Ribeiro só teve a oportunidade de responder as críticas de Guedes ao fim da audiência, quando, em tom apaziguador, disse estar "aberto ao debate", apesar da opinião divergente.

Outros parlamentares que estavam inscritos para falar logo depois de Paulo Guedes, no entanto, foram em defesa do deputado – e contra a nova CPMF –, o que demonstra a grande resistência do Parlamento ao novo imposto.

"Indo em defesa do relator, o que havia [na Idade Média] não era Google nem Netflix, mas o absolutismo. Nem o governo que o senhor representa nem o Parlamento querem uma postura absolutista perante um assunto que precisa, antes de tudo, da anuência do pagador de imposto", disse o deputado João Roma (Republicanos-BA). "Receba o nosso apelo para tentar abordar todas as possibilidades antes de insistir em uma tecla como essa", completou.

Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, também abordou o tema, cobrando mais detalhes sobre o novo tributo proposto pelo governo.

"Vossa excelência diz que quem está falando de 'CPMF' ou contribuição eletrônica ou é pura maldade ou ignorância. Eu mesma disse que passar batom na CPMF não vai transformá-la em imposto novo. Não por maldade, mas por ignorância. Me incluo naquelas que são ignorantes, porque quero entender se essa contribuição vai atingir apenas as plataformas ou a qualquer um que, com cartão de crédito, compra um remédio por via eletrônica na farmácia", afirmou a senadora.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não participou da sessão. Maia, entretanto, tem feito críticas recorrentes à ideia, afirmando que "não há espaço" para um novo tributo e que a criação de um tipo de CPMF é uma "ilusão" que não vai resolver os problemas do país.

Depois da sequência de críticas, Guedes defendeu a discussão sobre o tributo e, ao mesmo tempo, alfinetou Rodrigo Maia e Aguinaldo Ribeiro. "Não podemos ter a intervenção do debate. Ninguém tem esse direito. Nem o ministro pode querer impor um imposto que a sociedade não quer, nem o presidente da Câmara ou um relator podem impedir a discussão sobre um imposto", defendeu.

Envio da reforma tributária em etapas "tumultua o debate", defendem parlamentares

Outra reclamação recorrente entre os congressistas foi com relação ao fatiamento da proposta de reforma do governo. Até agora, o Executivo enviou, apenas, a primeira etapa da reforma, com a unificação de PIS/Pasep e Cofins na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que teria alíquota de 12%.

O texto do Executivo não inclui nem o ICMS, que é de competência estadual, nem o ISS, que é municipal. Guedes diz ser favorável ao "acoplamento" dos dois tributos na CBS, mas o desgaste da negociação com prefeitos e governadores vai recair sobre o Congresso Nacional.

Nas próximas etapas, além do imposto sobre pagamentos, o governo promete propor alterações no Imposto de Renda e no Imposto sobre Produtos Industrializados.

A demora no envio de todas as etapas – já que o governo promete a reforma tributária desde o ano passado – e a "timidez" da primeira fase já encaminhada desagradam os congressistas. Até mesmo parlamentares que tendem a se posicionar a favor de reformas questionaram o fatiamento.

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), por exemplo, afirmou que "é muito difícil" ter uma ideia global do que pretende o governo com o envio da reforma em fatias. "São tantas as interrogações, as apreensões sobre o que vem depois. Mais tumultuado do que já está eu acho quase impossível de ficar. Se o senhor colocasse todas as cartas na mesa, iria ajudar muito", afirmou Oriovisto.

Também senador e vice-relator da reforma tributária, o senador Major Olimpio (PSL-SP) cobrou, ainda, a apresentação dos cálculos que já foram feitos pela Receita Federal para as propostas do governo. "Gostaria de saber as simulações que foram feitas. Não dá para ficar esperando as outras fases", disse.

O ministro Paulo Guedes e o secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, se comprometeram a disponibilizar os cálculos aos parlamentares. No projeto de lei que encaminhou ao Congresso, o governo informa, apenas, que a unificação de PIS/Pasep e Cofins na CBS, com alíquota de 12%, será neutra – isto é, não vai aumentar nem diminuir a carga tributária de forma global.

Sobre enviar todas as etapas da reforma com mais rapidez, porém, o ministro não se mostrou tão aberto. "Se nós colocarmos tudo de uma vez só, dificulta o entendimento. Nós estamos prontos. Se quiserem, nós podemos aumentar o barulho. Acho que não será tão bom", disse Guedes. Segundo ele, as propostas não foram encaminhadas antes por conta da crise do novo coronavírus.

Reuniões de Guedes com parlamentares são sinais de abertura ao diálogo?

Apesar das rusgas na audiência pública, o ministro Paulo Guedes parece estar disposto a conversar com os parlamentares para viabilizar a aprovação da reforma tributária. O clima mais ameno entre Guedes e o Congresso ficou evidente já na entrega da primeira etapa da proposta do governo aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

O ministro – que já protagonizou discussões com parlamentares dentro do próprio Congresso, no ano passado – tem elogiado a posição "reformista" do Parlamento. Guedes também tem repetido que o Congresso brasileiro vai "surpreender o mundo".

Após o envio da matéria, o ministro já se reuniu com o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro. Na quinta-feira (6) – depois, portanto, da audiência pública na comissão mista – Guedes teve encontros com três senadores e um deputado, por videoconferência. Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Economia não respondeu qual foi o teor das reuniões. A pasta tampouco informou se Guedes deve intensificar a agenda com parlamentares a partir de agora.

Nesta sexta-feira (7), o ministro participou de uma videoconferência com representantes da Frente Nacional de Prefeitos, para tratar da pandemia do novo coronavírus. Outra reunião estava marcada com especialistas, mas acabou cancelada. A pauta não havia sido divulgada.

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