A regra de transição que o governo propõe para o principal ponto da reforma da Previdência – a exigência de idade mínima para aposentadoria – deve criar um abismo nos direitos de trabalhadores com idades muito próximas. Se aprovada, a nova fórmula pode fazer, por exemplo, com que um trabalhador só consiga se aposentar quase uma década depois de um colega apenas um ano mais velho.
A explicação é que a transição planejada pelo Planalto é muito abrupta. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apoiam medidas que reduzam o prejuízo de quem está perto de se aposentar, mas avaliam que essa mudança precisa ser mais suave que a sinalizada até agora pela equipe de Michel Temer (PMDB).
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, a idade mínima – de 65 anos para homens e 62 para mulheres – será exigida de todos os trabalhadores que tiverem até 50 anos quando a reforma entrar em vigor. Para os que tiverem 51 anos ou mais, valerá a regra de transição. Eles terão um acréscimo de 40% ou 50% no tempo que faltava para se aposentar pelas regras atuais.
Assim, um trabalhador com 51 anos que conseguiria se aposentar por tempo de contribuição aos 55, isto é, daqui a quatro anos, terá de contribuir por até dois anos a mais por causa desse “pedágio” de até 50%. Com isso, vai se aposentar aos 57. Por outro lado, um profissional com 50 anos só poderá se aposentar aos 65, que é a idade mínima proposta pelo governo para os homens.
Seguindo a mesma lógica, uma mulher com 51 anos que se aposentaria dentro de 12 meses terá de contribuir por meio ano a mais que o esperado. Mas uma colega com 50 anos de idade só terá acesso ao benefício após completar 62 anos.
“É um ponto de corte bastante radical”, diz Jane Berwanger, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Para ela, se aprovada nesses termos, a reforma vai provocar uma enxurrada de ações na Justiça. “O legislador tem uma margem de discricionariedade, de impor condições. Mas ele também tem de respeitar um princípio que o Supremo Tribunal Federal (STF) sustenta, que é o da razoabilidade. Não seria razoável uma pessoa de 50 anos ter um prejuízo tão grande se comparada à de 51.”
A advogada e outros especialistas ligados ao IBDP devem abordar o assunto em reunião nesta terça-feira (2) com o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, e o assessor especial da Casa Civil, Marcelo Siqueira. O instituto foi convidado pelo governo a debater questões técnicas e jurídicas da reforma.
Para o professor da USP Luis Eduardo Afonso, a regra mencionada por Padilha dificilmente fará parte da proposta oficial de reforma, que o governo só deve enviar ao Congresso após as eleições municipais. “Ela geraria uma diferença de tratamento muito grande. Seria mais razoável criar alguns degraus, fazer algum escalonamento. O governo pode estabelecer diferentes porcentuais [de “pedágio”], conforme a idade do trabalhador, para não ficar esse degrau tão abrupto”, diz.
Confira as propostas que o governo já sinalizou
As últimas declarações do governo indicam que após a reforma a idade mínima para aposentadoria será de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Não se sabe o que acontecerá com a fórmula 85/95, aprovada no ano passado, nem com o fator previdenciário.
O governo indica que a idade mínima valerá para quem tiver até 50 anos quando a reforma entrar em vigor. Quem tiver 51 anos ou mais terá uma regra de transição, com um acréscimo – de 40% ou 50%, segundo o governo – no tempo de contribuição que faltava para o trabalhador se aposentar pela regra atual. Assim, se faltavam quatro anos para a aposentadoria, esse prazo subirá para até seis anos.
O governo pretende reduzir – ou eliminar, no longo prazo – as diferenças que existem nas regras de aposentadoria para homens e mulheres. Hoje elas conseguem se aposentar mais cedo.
Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, o governo quer unificar as regras de aposentadoria do regime geral – o INSS, que vale para os trabalhadores do setor privado – e do regime próprio, dos servidores públicos.
As regras para profissionais como professores e policiais militares também devem ficar mais rígidas. Ainda assim, tendem a continuar mais brandas que as dos demais trabalhadores.
O governo pode exigir uma contribuição previdenciária maior dos trabalhadores rurais e passar a cobrar das empresas agrícolas que são exportadoras – hoje elas não contribuem com o INSS.