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Bolsonaro deu três dias de prazo para o ministro Paulo Guedes apresentar uma nova proposta para viabilizar o Renda Brasil.
Bolsonaro deu três dias de prazo para o ministro Paulo Guedes apresentar uma nova proposta para viabilizar o Renda Brasil.| Foto: Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro deixou o ministro Paulo Guedes e sua equipe numa "sinuca de bico" após barrar e ideia de acabar com o abono salarial e as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda (IR) para criar o Renda Brasil. A ideia do Ministério da Economia era pôr fim às transferências de renda consideradas ineficientes para ter recursos suficientes para criar o novo programa social do governo, com um valor médio do benefício em torno de R$ 300, como pediu o Planalto. O Renda Brasil vai substituir o Bolsa Família, entre outros.

Bolsonaro, porém, classificou a ideia como “tirar recursos dos pobres” para dar para os “paupérrimos” e suspendeu a proposta do Ministério da Economia. "A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar a paupérrimos. Não podemos fazer isso aí", disse a jornalistas, nesta quarta-feira (26), em Minas Gerais. O presidente também pediu que a equipe econômica apresente até a próxima sexta-feira (28) uma outra forma de tirar o Renda Brasil do papel.

Em entrevista ao blog da jornalista Cristina Lôbo, Guedes afirmou que sua equipe apresentará ao presidente um novo “cardápio" de programas que podem ser unificados para criar o Renda Brasil. Ele não deu detalhes sobre como será essa nova proposta, mas informou que tudo será equacionado respeitando o teto de gastos (mecanismo que limita o crescimento total das despesas à inflação). “Está tudo equacionado. Não tem truque e nem fura-teto. Tudo será feito com total transparência”, relatou o ministro.

Fim do abono era carta na manga para criar Renda Brasil

O trabalho, contudo, não será simples. Para criar o Renda Brasil, a equipe econômica cogitava acabar com o abono salarial, o salário-família, o seguro-defeso e o Farmácia Popular, considerados programas mal focalizados de transferência de renda, ou seja, que não beneficiam necessariamente a parcela mais pobre da população. O dinheiro que hoje vai para esses programas seria somado ao orçamento do Bolsa Família, que seria rebatizado de Renda Brasil.

O valor médio do benefício passaria dos atuais R$ 190 do Bolsa Família para algo entre R$ 250 e R$ 300, e os critérios de seleção seriam modificados para atender de 6 a 8 milhões de pessoas, além das 14 milhões que já recebem o Bolsa Família. Essa foi a proposta apresentada pela equipe econômica ao presidente Bolsonaro na terça-feira.

Ao barrar o fim do abono, o presidente deixou a equipe econômica quase que sem saída para criar o Renda Brasil. O abono tem um orçamento de cerca de R$ 18 bilhões por ano e sairia dele quase a metade dos recursos para bancar o Renda Brasil, estimado em pouco mais de R$ 50 bilhões por ano. Os outros R$ 30 bilhões viriam do Bolsa Família, R$ 2 bilhões do Farmácia Popular e R$ 3 bilhões o seguro-defeso.

Já o fim das deduções do IR, também cogitada pela equipe econômica, ajudariam o governo do lado da receita, já que elas representam uma renúncia de cerca de R$ 21,9 bilhões por ano.

Porém, o maior problema para a equipe econômica resolver está do lado da despesa, já que o teto de gastos limita o crescimento total dos gastos do governo à inflação. Por isso, é necessário abrir espaço no teto para criar uma nova despesa corrente, explicou à Gazeta do Povo um consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados que prefere não ser identificado.

O consultor afirmou que as regras fiscais vigentes exigem que, ao se criar uma nova despesa permanente, se corte necessariamente outra despesa. “Qualquer aumento tem que ser compensado pelo cancelamento de outra despesa. Então, para criar o Renda Brasil, que é uma despesa continuada e permanente, tem que cortar uma outra despesa, não tem outro jeito”, explicou.

Uma solução seria o Congresso estender o estado de calamidade pública para 2021, permitindo que o governo abra novos créditos extraordinários para combater os efeitos da Covid-19. Mas ainda assim, alerta esse consultor, essa seria uma solução restrita à duração do estado de calamidade e que poderia ser questionada pelos órgãos de fiscalização e controle como uma “burla ao teto”.

Mercado financeiro repercute polêmica, e ministério desmente saída de Guedes

A situação de saia justa criada pelo presidente Jair Bolsonaro repercutiu mal no mercado financeiro. O Ibovespa atingiu forte recuo, de 2,4%, caindo aos 99.666 pontos, mas reduziu as perdas e fechou esta quarta-feira (26) com queda de 1,46%, em 100.627,33 pontos. O dólar terminou o dia com uma alta de 1,59%, fechando em R$ 5,6150.

Chegou até a circular no mercado financeiro o boato que o ministro teria convocado a imprensa para anunciar a demissão do cargo. A informação foi logo desmentida pelo Ministério da Economia. “Não procede marcação de coletiva para pedido de demissão. Ministro continua despachando normalmente. Estava em reunião com secretários de Fazenda, conforme agenda", disse a assessoria da pasta em nota.

Guedes se reuniu virtualmente com secretários estaduais de Fazenda no início da tarde e depois teve reunião com parte da sua equipe e com prefeitos da Frente Nacional de Prefeitos, como já estava previsto na agenda oficial. Ele despachou da Granja do Torto, onde está hospedado durante a pandemia. Bolsonaro passou a manhã em Minas Gerais, onde teceu críticas à proposta de Guedes, e no fim do dia retornou para Brasília.

O economista-chefe da Necton, André Perfeito, avalia que, mais do que o boato da saída de Guedes, pesou no dia de hoje a sinalização do presidente de não apoiar a pauta de austeridade fiscal defendida pelo ministro. “O mercado anda muito tenso com algumas questões, principalmente as questões fiscais. Mas isso acontece porque o presidente não está dando respaldo ao Paulo Guedes como espera o mercado. O mercado não espera só palavras, ele espera ações concretas”, disse.

Fábio Klein, economista da Tendências Consultorias, afirma que está crescendo o embate entre a “cabeça política” e a “cabeça econômica” do governo. “A elevação da popularidade do Bolsonaro tornou-o mais forte. Ele está se sentindo com uma caneta BIC mais poderosa. A política está ganhando mais força dentro do governo. Está havendo um certo populismo fiscal. E os riscos fiscais estão crescendo a cada dia”, resume o especialista.

Para ele, mesmo que Bolsonaro ou Guedes tentem apaziguar os ânimos, não surtirá efeito no curto prazo. “Mesmo que venha uma fala, está muito difícil. O governo está tendo dificuldade para achar um caminho [que contemple o rigor fiscal e a pressão por aumento de gastos]”, afirma Klein, completando que o mercado só vai se acalmar após compromissos mais concretos de manutenção das regras fiscais.

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