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Diminuição da demanda por combustíveis, advinda da redução de circulação de pessoas para contenção do vírus e da diminuição da atividade industrial, causou forte impacto na receita da Petrobras.
Diminuição da demanda por combustíveis, advinda da redução de circulação de pessoas para contenção do vírus e da diminuição da atividade industrial, causou forte impacto na receita da Petrobras.| Foto: Petrobras/Agencia Brasil

Desde 1979 o setor de petróleo não sofria um choque tão grande como o registrado em 2020. De maneira inversa ao que ocorreu no século passado, porém, a crise provocada pelo novo coronavírus fez com que os barris fossem cotados, pela primeira vez na história, a preços negativos – ou seja, com produtores pagando a consumidores por conta do excesso de oferta.

No Brasil, a diminuição da demanda, advinda da redução de circulação de pessoas para contenção do vírus e da diminuição da atividade industrial, já teve impactos na Petrobras. A estatal brasileira anunciou, em maio, que o primeiro trimestre de 2020 registrou o maior prejuízo da história da empresa, de R$ 48,5 bilhões.

A baixa, entretanto, foi fruto de um ajuste contábil no valor dos ativos da companhia, por conta da perspectiva de um patamar mais baixo para os preços do óleo no futuro. Do ponto de vista operacional, por outro lado, a Petrobras apresentou melhora em seu desempenho, com aumento de 6,5% na receita total de vendas, que totalizou R$ 75,5 bilhões no primeiro trimestre.

Como a Petrobras conseguiu aumentar suas receitas no primeiro trimestre

Como em outros setores da economia, o resultado positivo nas receitas foi puxado pelas exportações. Em abril, a venda de petróleo cru para o exterior bateu recorde, e alcançou um milhão de barris diários. A exportação de "bunker oil" – combustível utilizado para navegação – também cresceu, principalmente por conta de mudanças na regulamentação que envolve esse tipo de derivado.

Em 2008, a Associação Marítima Internacional definiu que, a partir de 2020, os combustíveis marítimos de longo curso devem ter 0,5% de teor de enxofre, contra os 3,5% permitidos anteriormente. A norma começou a valer a partir de 1º de janeiro.

"Poucos países têm condições de produzir esse combustível dessa forma, e o óleo do pré-sal é ideal – muito denso e com pouco enxofre. Várias empresas não conseguiram atender à exigência do percentual menor de enxofre e a Petrobras ocupou esse mercado", explica Rodrigo Leão, coordenador-técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) e professor visitante na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Balanço do segundo trimestre deve registrar efeitos mais fortes da pandemia

O balanço do segundo trimestre, porém, deve apresentar queda nas receitas, principalmente porque a redução na demanda interna foi brusca a partir de abril. Anelise Lara, diretora-executiva de Refino e Gás Natural da companhia, afirma que a retração no mercado de querosene de aviação chegou a 90%. A demanda por gasolina, por sua vez, caiu 65%, enquanto a procura por diesel teve redução de 50%.

"Ao longo de abril e em maio viemos observando um aumento gradativo da demanda, com a queda no mercado de diesel ficando em torno de 30% e, no de gasolina, em algo entre 40% e 45%. A redução que tem sido mais resiliente é realmente a do consumo de querosene de aviação", disse a diretora, em coletiva de imprensa realizada pela companhia na divulgação do balanço.

"Por outro lado, o apetite da demanda externa tem se mantido. Temos tido boas surpresas com a venda de gasolina para o mercado de exportação", completou.

O coordenador-técnico do Ineep, porém, diz não acreditar que as exportações vão alcançar volume suficiente para compensar a queda vertiginosa da demanda do mercado interno de derivados.

"Imagino que a empresa vá exportar um pouco menos de petróleo cru ou manter o resultado que teve no primeiro trimestre. Isso porque os países compraram muito petróleo para fazer estoque. Mesmo a China, que já está retomando a atividade econômica, deve ter dificuldade em manter o volume de compra", avalia Leão.

Segundo ele, a venda de bunker oil, por conta da configuração do mercado, pode, novamente, atenuar esse efeito. "Mas vai ser difícil compensar o impacto muito forte da queda no mercado interno", diz o coordenador.

Refinarias que produzem bunker oil estão entre as que serão vendidas

Diante do cenário adverso, a tendência entre as empresas do setor de petróleo é de diminuir investimentos. Mesmo assim, a Petrobras segue com o plano de venda de refinarias.

Na coletiva de imprensa em que houve o anúncio dos resultados do primeiro trimestre, o presidente da empresa, Roberto Castello Branco, afirmou estar "confiante" de que alguns acordos de compra e venda já estejam fechados até o final do ano. "Nenhum interessado veio a nós dizer que estava desistindo", disse.

O plano é de venda de oito refinarias. Entre elas estão duas das estruturas que produzem metade do bunker oil vendido pela Petrobras: a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco; e a Refinaria Landulpho Alves, na Bahia.

"Eu acho inadequado manter uma estratégia de dois anos atrás, considerando que o cenário agora é completamente diferente. As refinarias e outros ativos podem ajudar não só agora, mas lá na frente também. No caso do bunker oil, a empresa vai ter uma janela de três ou quatro anos para se manter competitiva no mercado e ganhar dinheiro com isso. Esse cenário poderia indicar à companhia que é melhor esperar e reavaliar a venda mais tarde", afirma o pesquisador do Ineep.

Ele aponta, ainda, que o setor de refino tende a ser mais resistente às oscilações do preço do petróleo, o que ajuda a empresa a enfrentar choques como o de agora. Isso porque a companhia consegue "diluir" as variações do barril no mercado internacional ao dosar o repasse de preços às distribuidoras, que compram os derivados nas refinarias.

Mercado de renováveis sofre com perda de competitividade

Do outro lado, o mercado de renováveis não tem resultados para comemorar. A queda do preço dos derivados do petróleo acertou em cheio os produtores de etanol, que têm pouca margem para mudanças de planos. Como a cana-de-açúcar não pode ser estocada ou deixada no campo para ser colhida mais tarde, o combustível precisa ser produzido, mesmo que a demanda esteja mais fraca. Algumas usinas, além disso, não têm a estrutura necessária para substituir a produção de etanol pela de açúcar.

O contexto se soma ao aumento da safra. Em abril, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), 60 milhões de toneladas de cana foram processadas – 32% a mais do que no mesmo mês de 2019. O resultado foram 2,5 bilhões de litros de etanol (14% a mais, na comparação com 2019) e 2,9 milhões de toneladas de açúcar (115% de aumento).

Por outro lado, ainda de acordo com a Unica, a demanda por etanol hidratado caiu 38%, enquanto a de etanol anidro recuou 19%. "Esse descompasso entre o que precisamos produzir, por conta das particularidades do setor, e o que o mercado está demandando é que precisa ser remediado", diz o presidente da entidade, Evandro Gussi.

Em manifesto encaminhado ao governo federal, a Unica pediu três medidas de apoio ao Executivo: a instituição de um programa de financiamento que aceite o uso do produto estocado como garantia dos empréstimos; a isenção temporária da cobrança de impostos federais sobre o etanol hidratado (PIS/Cofins); e o aumento da Cide sobre os derivados de petróleo, para "restituir a competitividade" do etanol.

O próprio presidente Jair Bolsonaro, entretanto, já recusou publicamente a hipótese de aumentar o imposto sobre os combustíveis. As outras demandas ainda não tiveram resposta por parte do governo.

Esta reportagem é a sexta da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira. Leia também os textos sobre os impactos do coronavírus na indústria; no setor automotivo; e na produção de alimentos, além da entrevista com o presidente da Volkswagen do Brasil e da reportagem sobre os planos do governo para a retomada.

Conteúdo editado por:Fernando Jasper
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