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O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro a caminho da Câmara, onde entregaram MP que criou o Auxílio Brasil, na segunda-feira (9).
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente Jair Bolsonaro a caminho da Câmara, onde entregaram MP que criou o Auxílio Brasil, na segunda-feira (9).| Foto: Marcos Correa/PR

O risco fiscal voltou. A proposta de reformulação do Bolsa Família e a apresentação da PEC dos precatórios resgataram preocupações sobre o futuro das contas públicas e, por consequência, ampliaram as incertezas em relação à economia brasileira – que já não eram poucas, em meio ao aumento acelerado da inflação e dos juros e o risco de racionamento de energia.

As tensões encerram um período de relativa calmaria no front das contas públicas, que se iniciou no fim de abril, com a aprovação tardia do Orçamento de 2021, e foi marcado pela valorização do real frente ao dólar e pela diminuição na percepção de risco do investidor estrangeiro.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) aponta que “o risco fiscal se materializa a partir da apresentação da PEC. O parcelamento de despesas obrigatórias afeta a dinâmica do teto de gastos, em um contexto de eleições gerais, abrindo espaço de R$ 32,4 a R$ 47,4 bilhões na regra para o ano que vem.”

Segundo os diretores Felipe Salto e Daniel Couri, a MP 1.061/2021 já indicou um dos destinos do espaço criado pelo parcelamento: o Auxílio Brasil, novo conjunto de benefícios sociais criados em substituição ao programa Bolsa Família. Contudo, eles apontam que a destinação poderá servir também para o financiamento de emendas ao Orçamento, gastos programados às pressas, reajustes salariais e outras contratações de despesas permanentes.

“Tudo isso baseado em uma fabricação de espaço contábil por meio de mudanças intempestivas na Constituição”, apontam os especialistas do IFI.

Eles complementam afirmando que as consequências serão muito claras e já se materializam nos preços dos ativos:

  • o aumento dos juros exigidos pelo mercado nas operações com os títulos públicos;
  • o aumento dos juros para fazer frente aos efeitos ocasionados sobre a inflação a partir da maior percepção de risco; e
  • o custo médio das novas emissões do Tesouro tende a crescer, implicando maiores gastos com juros.

“O efeito de uma medida que preconiza produzir espaço fiscal, mas à custa das regras do jogo, causará uma turbulência relevante sobre as expectativas do mercado. O ganho que se observa na superfície será rapidamente suplantado pelo prejuízo causado ao quadro fiscal agregado, via juros e dívida pública”, ressaltam.

Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que não está sendo questionado o mérito do Bolsa Família, mas sim o papel do teto de gastos. “Começaram as ideias pouco ortodoxas em relação ao Orçamento de 2022. O teto de gastos tem o papel de promover uma reorganização das despesas públicas e repensar o tamanho do Estado”, diz o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.

Sobre o Bolsa Família, a chefe de economia da Rico Investimentos, Rachel de Sá, diz que o programa é positivo e foi eficaz na redução da pobreza. Mas, segundo ela, o problema é que não foi feita uma priorização de gastos. “Juntaram-se programas que não se mostraram eficazes”, diz a economista sobre o desenho do Auxílio Brasil.

Risco-país e dólar em alta, inflação mais pressionada

Os impactos do aumento do risco fiscal já são sentidos. Depois de beirar o nível de R$ 4,90 no fim de junho, o dólar voltou a circular na faixa dos R$ 5,20 a R$ 5,30. E, desde então, o risco-país, medido pelo CDS de cinco anos, aumentou 15%.

Esta alta pode afetar a retomada da economia neste ano – as previsões por ora são de um crescimento superior a 5% – e complica o cenário para o próximo ano, quando se projeta uma expansão menor do PIB, próxima de 2%.

Os analistas apontam que, ao mexer no arcabouço fiscal, o governo cria um ciclo vicioso. Há mais pressão sobre o dólar, justamente em um momento em que a inflação nos últimos 12 meses está próxima dos 9%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e as projeções de inflação para o ano que vem, segundo o relatório Focus, do BC, estão em alta há três semanas.

“O problema do risco fiscal acaba causando um desalinhamento na política econômica em um momento de inflação alta. É, mais ou menos, como dirigir um carro pisando, ao mesmo tempo, no acelerador e no freio”, diz Sanchez.

A economista-chefe da Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, aponta que o maior risco fiscal embute uma percepção que vem do front político: o governo não consegue botar em pé as principais reformas estruturais para o Brasil. “Não existe ambiente para a aprovação delas.”

Outro impacto é uma maior dificuldade em atrair recursos de longo prazo do exterior, o que já estava complicado desde pouco antes da pandemia. Em junho, a entrada líquida de recursos estrangeiros no setor produtivo – medida pelo Investimento Direto no País (IDP) – foi de apenas US$ 174 milhões, a pior desde setembro de 2005, segundo o Banco Central.

Com isso, o saldo acumulado do IDP em 12 meses caiu para US$ 46,6 bilhões, ou 3,02% do PIB. Em maio, o saldo era de R$ 51,6 bilhões, ou 3,38% do PIB. Em junho de 2020, de R$ 65,8 bilhões, ou 3,98% do PIB.

Mercado vê risco de retorno da "contabilidade criativa"

Outro problema é que o espaço para novos gastos dentro do teto deve diminuir diante das perspectivas de maior inflação no segundo semestre. O INPC, índice calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e que corrige as despesas obrigatórias, pode subir para perto de 7% ao ano. “Com isso, voltou-se a especular sobre exclusão de despesas do teto ou pagamento de precatórios”, apontam os economistas do Banco Inter.

O Itaú considera que “em um momento em que se discute as adequações fiscais para o pagamento de precatórios em 2022, será importante monitorar a definição das despesas com o novo programa social [Bolsa Família], particularmente à luz das regras do teto de gastos para o próximo ano”, apontam analistas do banco.

“Criou-se um ruído sobre o teto de gastos, o que despertou maiores preocupações. Se está difícil para o investidor brasileiro entender, imagine para o estrangeiro”, explica Celson Plácido, diretor de investimentos da Warren.

Para analistas do Banco Inter, a possibilidade de exclusão de despesas do teto ou parcelamento do pagamento de precatórios são medidas que “remontam à experiência nada feliz com a ‘contabilidade criativa’ e pedaladas fiscais de 2014". "Vale lembrar que o teto de gastos é uma importante âncora do atual regime fiscal, que traz segurança para os investidores sobre as expectativas da trajetória da dívida”, afirmam.

Placido aponta que essa situação se soma ao principal ponto fraco das contas públicas: elas fecham no vermelho desde 2014. Para este ano, a expectativa é de que o déficit primário (resultado negativo apurado antes do pagamento de juros da dívida) feche em 1,9% do PIB, segundo estimativas compiladas pelo Banco Central.

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